O grupo de companheiros espíritas fazia o trabalho de assistência aos enfermos, com entusiasmo e alegria.
Em casa de Dona Carlota Ribas, o quadro era comovente.
A pobre senhora, assistida pelos vizinhos, jazia paralítica, como que algemada ao catre. Sofria. Contorcia-se de vez em quando, em vista da posição incômoda. Doía ver-lhe a magreza extrema.
— Se Dona Carlota pudesse ao menos instalar-se numa boa cadeira de rodas…
A observação vinha de alguém que integrava a caravana; entretanto, os visitantes eram pessoas remediadas, sem serem ricos, e ninguém se arriscou à promessa de doação de apetrecho assim tão caro.
Joaquim Peixoto, no entanto, que conhecera no próprio lar o martírio silencioso da sogra doente, mostrava os olhos marejados de pranto, e falou à esposa, igualmente comovida:
— Veja, Lilinda! Tenho a impressão de reencontrar a nossa querida enferma que Deus levou…
Dona Lilinda concordou em silêncio, mal contendo a emoção.
Mais tarde, em casa, Peixoto dirigiu-se à companheira, considerando:
— Lilinda, você compreende… Temos aqui a cadeira de rodas deixada por sua mãe. É uma relíquia, bem sei. Entretanto, como será grande a alegria de Dona Carlota, se lhe entregarmos essa doce herança como presente!…
A interpelada esboçou um gesto de repulsa e falou:
— Impossível! A cadeira de mamãe foi primorosamente trabalhada na Alemanha… Tem a bolsa anexa com espelho incrustado de pérolas de que ela tanto gostava! Já enjeitamos vinte contos de réis! Você ganha pouco. Até hoje sou obrigada a dar o pé na máquina de costura, embora as promessas de nomeação para o magistério… A cadeira de mamãe é uma reserva que não podemos menosprezar… Quando a dificuldade maior aparecer…
Peixoto não prosseguiu.
No dia seguinte, porém, ao chegar do serviço para o almoço, encontrou Dona Lilinda com a face clareada por enorme sorriso, a dizer-lhe, contente:
— Peixoto! Peixoto! mudei de ideia. Sonhei com mamãe a pedir-me para que atendesse a você… Vamos levar, hoje mesmo, a cadeira de rodas para Dona Carlota…
Dessa vez, no entanto, foi o marido quem se mostrou acabrunhado…
— Ora, Lilinda — disse ele —, agora é tarde… Já comprei uma cadeira, mais humilde, embora muito confortável, e já a mandei para a nossa doente… Sei que você não se aborrecerá comigo… Pagarei tudo em seis prestações.
Dona Lilinda ouviu a notícia, imensamente desapontada.
Pesado silêncio caiu entre ambos.
Nisso, alguém bate à porta.
Peixoto abre.
É um rapaz modesto que se dirige ao casal, consultando:
— Sr. Peixoto, vovó soube por amigos que o senhor e Dona Lilinda possuem uma cadeira de rodas em casa… Não sei se quererão vendê-la, mas, francamente, se assim é, não poderemos fazer a compra. Vovó está paralítica, há dois meses, com muito pouca esperança de cura… Foi professora e ganha regular vencimento. Mas somos oito irmãos, seis dos quais ainda não têm doze anos de idade… Vovó manda saber se o senhor e Dona Lilinda poderão emprestar-lhe a cadeira por algum tempo…
A dona da casa voltou a sorrir novamente e exclamou, encantada:
— Peixoto e eu vamos levar-lhe a cadeira hoje ainda… Nada de empréstimos… A cadeira é dela, será dela sempre…
O mocinho agradeceu, contente, e, na tarde do mesmo dia, o casal procurou a casa indicada, transportando a encomenda.
Dona Umbelina, a paralítica, rodeada dos netinhos órfãos, chorou de felicidade.
Enfim, a cadeira sonhada…
Enfim, repousava, como queria…
Lilinda e Peixoto acomodam-na com jeito.
A enferma pede a Deus para que os abençoe e pergunta à benfeitora:
— A senhora tem alguma irmã que deseje trabalhar?
— Como assim? — inquire Lilinda, surpresa.
— Alguma jovem professora, por exemplo? Deixei os encargos no colégio, jubilada desde anteontem. Minha diretora, porém, solicita que indique a minha substituta…
Emocionada, a visitante fala do diploma conseguido à custa de muito esforço e do velho sonho de ingressar nos trabalhos do ensino público…
Depois de dois meses sobre o encontro expressivo, a senhora Peixoto entrava no educandário, cercada de simpatia.
A bondade gerara a bondade, e uma cadeira de carinho e repouso trouxera outra de serviço e educação.
(Psicografia de Francisco C. Xavier)