O grupo de companheiros espíritas fazia o trabalho de assistência aos enfermos, com entusiasmo e alegria.
Em casa de Dona Carlota Ribas, o quadro era comovente.
A pobre senhora, assistida pelos vizinhos, jazia paralítica, como que algemada ao catre.
Sofria. Contorcia-se de vez em quando, em vista da posição incômoda. Doía ver-lhe a magreza extrema.
-Se Dona Carlota pudesse ao menos instalar-se numa boa cadeira de rodas. . .
A observação vinha de alguém que integrava a caravana; entretanto, os visitantes eram pessoas remediadas, sem serem ricos, e ninguém se arriscou à promessa de doação de apetrecho assim tão caro.
—Veja, Lilinda! Tenho a impressão de reencontrar a nossa querida enferma que Deus levou. . .
Dona Lilinda concordou em silêncio, mal contendo a emoção.
-Lilinda, você compreende. . . Temos aqui a cadeira de rodas deixada por sua mãe. É uma relíquia, bem sei. Entretanto, como será grande a alegria de Dona Carlota, se lhe entregarmos essa doce herança como presente!. . .
—Impossivel! A cadeira de mamãe foi primorosamente trabalhada na Alemanha. . . Tem a bolsa anexa com espelho incrustado de pérolas de que ela tanto gostava! Já enjeitamos vinte contos de réis! Você ganha pouco. Até hoje sou obrigada a dar o pé na máquina de costura, embora as promessas de nomeação para o magistério. . . A cadeira de mamãe é uma reserva que não podemos menosprezar. . .
Quando a dificuldade maior aparecer. . .
Peixoto não prosseguiu.
—Peixoto! Peixoto! mudei de ideia. Sonhei com mamãe a pedir-me para que atendesse a você. . . Vamos levar, hoje mesmo, a cadeira de rodas para Dona Carlota. . .
Dessa vez, no entanto, foi o marido quem se mostrou acabrunhado. . .
—Ora, Lilinda – disse ele -, agora é tarde. . .
Já comprei uma cadeira, mais humilde, embora muito confortável, e já a mandei para a nossa doente. . .
Sei que você não se aborrecerá comigo. . . Pagarei tudo em seis prestações.
Dona Lilinda ouviu a notícia, imensamente desapontada.
Pesado silêncio caiu entre ambos.
Nisso, alguém bate à porta.
Peixoto abre.
—Sr. Peixoto, vovó soube por amigos que o senhor e Dona Lilinda possuem uma cadeira de rodas em casa. . . Não sei se quererão vendê-la, mas, francamente, se assim é, não poderemos fazer a compra. Vovó está paralítica, há dois meses, com muito pouca esperança de cura. . . Foi professora e ganha regular vencimento. Mas somos oito irmãos, seis dos quais ainda não têm doze anos de idade. . .
Vovó manda saber se o senhor e Dona Lilinda poderão emprestar-lhe a cadeira por algum tempo. . .
—Peixoto e eu vamos levar-lhe a cadeira hoje ainda. . . Nada de empréstimos. . . A cadeira é dela, será dela sempre. . .
O mocinho agradeceu, contente, e, na tarde do mesmo dia, o casal procurou a casa indicada, transportando a encomenda.
Dona Umbelina, a paralítica, rodeada dos netinhos órfãos, chorou de felicidade.
Enfim, a cadeira sonhada. . .
Enfim, repousava, como queria. . .
Lilinda e Peixoto acomodam-na com jeito.
—A senhora tem alguma irmã que deseje trabalhar?
—Como assim? – inquire Lilinda, surpresa.
—Alguma jovem professora, por exemplo? Deixei os encargos no colégio, jubilada desde anteontem. Minha diretora, porém, solicita que indique a minha substituta. . .
Emocionada, a visitante fala do diploma conseguido à custa de muito esforço e do velho sonho de ingressar nos trabalhos do ensino público. . .
Depois de dois meses sobre o encontro expressivo, a senhora Peixoto entrava no educandário, cercada de simpatia.
A bondade gerara a bondade, e uma cadeira de carinho e repouso trouxera outra de serviço e educação.