—A Espiritualidade ajuda de mil modos. Nós é que, muitas vezes, somos ingratos e não compreendemos.
Era Sebastião Mendes, zelador do templo de Espiritismo Cristão, a falar para um novo espírita.
—Veja você como me tornei adepto do Espiritismo e por que busco servir nesta casa. Há cinco anos eu frequentava assiduamente um bar no centro da cidade, onde me fiz amigo íntimo de Fulgêncio, o Fulgêncio de Abreu. Chegava e quase sempre batíamos prosa miúda num reservado. Imagine o meu pavor quando, ao procurá-lo em nosso cantinho, não encontrei senão um quadro horroroso! Fulgêncio fora assassinado. O cadáver estava de costas no piso. Grande colar de sangue no pescoço. . . O rosto contraído numa terrível expressão. Gritei. Muita gente acudiu. . . Verificamos que o pobre rapaz fora asfixiado com fina corda, além de haver recebido forte pancada no crânio. . . Fui o primeiro acusado e sofri pesadas humilhações na polícia. . . No dia seguinte, recobrei a liberdade, mas o quadro do amigo morto não me saía da cabeça. . . Em toda parte, via a testa, os lábios, os olhos esbugalhados, o colar de sangue. . . A polícia continuou investigando e prendendo, depois de verificar que o homicídio envolvia um caso de mulher. . . Mas, de minha parte, nada mais soube senão que me achava quase louco. . . Não comia, não dormia, agarrado à impressão. . . Uma colega de serviço indicou-me o Espiritismo para que eu fortalecesse as ideias. Que eu frequentasse as reuniões de estudo, que recebesse passes e buscasse ajudar aos mais necessitados, angariando auxílio para mim próprio. Segui o conselho.
Abracei as tarefas de nosso templo. Tentava aprender. Mastigava leituras. Ruminava palestras ouvidas. Esforçava-me para ser útil, de algum modo, aos mais necessitados do que eu. Melhorei. Voltou a paz. Depois de alguns meses, estava bom. . . e espírita convicto. . .
—Por mais estranho que possa parecer, conheci muito o Fulgêncio, no bar. . .
—Ah! conhecer? – tornou Mendes, com olhos brilhantes.
—Pois é. No ano passado, reparei que um senhor de meia-idade passou a vir às nossas reuniões.
Muito solitário, muito triste. Preocupado. Sofredor. Entrava, ouvia e saía sem dizer palavra. Depois de várias noites, interpelei-o com carinho. Estaria enfermo, cansado? E ele apenas perguntou: "Que fazer quando a consciência está condenando a gente?" Respondi-lhe que devia orar e desabafar com alguém, para começo de alívio. Com grande surpresa para mim, o homem afastou-se calado. Saiu sem despedir-se. E não mais apareceu. Depois de duas semanas, vi o retrato dele nos jornais, com extensa reportagem. O tal senhor confessava a autoria de um crime pelo qual estava sendo condenado um inocente.
—Mas não me diga!. . .
—E sabe qual era o crime?