Sérgio Murilo chegou a casa, depois do baile carnavalesco.
Excitado.
Tomou o pijama e caminhou para o banheiro.
Chovia. . .
A garoa fria entrava pelo basculante aberto.
Trancou-se.
Queria água quente e ascendeu o gás.
Enquanto esperava mais calor, tomou o lança-perfume e passou a sonhar, sonhar. . .
Sim, era casada. . .
Confessara que tinha o esposo e dois filhinhos, mas beijara-o loucamente, freneticamente.
Levara-a de carro até à residência e, no dia seguinte, terça-feira gorda, seria o encontro real.
Zélia! E a jovem senhora fantasiada encheu-lhe a imaginação. . .
—Amanhã, amanhã. . . – dizia baixinho, aspirando o éter.
Nisso, lembrou Sônia, a outra.
Sim, era casada igualmente.
Recordava-se!
Quando lhe dissera que não podia continuar, ela havia ficado em desespero.
E ingerira formicida em alta dose.
Quem poderia acreditar?
Todos diziam que Sônia tinha outros.
Outros e o marido. . . Leandro, o corredor.
Revia, agora, Leandro em pensamento. . .
O infeliz marido de Sônia enlouquecera, após a morte dela, e sofrera um colapso quando em tratamento, no hospício.
Leandro. . . e sorriu, a sós. . .
A mãezinha de Sérgio, senhora espírita, que não lhe conhecia as aventuras, dissera-lhe, certa vez: "Meu filho, não sei o que se passa, mas soube que você está sendo seguido por um homem desencarnado, em atitudes vingadoras. . . soube disso, em sessão, através do nosso benfeitor espiritual, quando perguntei por sua dor de cabeça. . . nada mais soube senão que se chama Leandro. . . Penso tratar-se de algum inimigo de outras existências!. . . "
—Pobre mãe! – pensava Sérgio – "outras existências", boa saída! Certamente o médium conhecia-lhe o caso e enganava a pobre velha.
Isso fora no ano passado.
Leandro estava morto, coberto de terra.
A realidade era só isso.
E a realidade, agora, não era Sônia, mas Zélia. . .
—"Amanhã", repetia enlevado.
Mas voltava a imagem de Leandro. . .
Por que pensar em Leandro, quando seria Zélia?
Buscava Zélia, tentava reter a figura de Zélia, esperava Zélia, mas o reflexo de Leandro crescia sempre. . .
Parecia tê-lo perto, segurando-lhe a bisnaga ao pé do nariz. . . Coisa estranha!. . .
Enorme lassidão passou a invadir-lhe o corpo.
Lembrou-se do gás, mas não se pode mexer.
Sim, via agora Leandro. . .
Leandro estava à frente dele e gargalhava.
Leandro, louco. . .
Estava morto ou vivo?
—Amanhã nem Sônia, nem Zélia. . . Você estará comigo! Comigo!. . . - gritava-lhe a sombra. . . . . . . . . . . . .
Na manhã seguinte, falava-se em suicídio na vizinhança.
E, ao choro de uma velhinha, grande rabecão removeu um cadáver para o necrotério.