O médium Filgueiras era espírita de grande serenidade.
Certa feita, um amigo, que ele não via desde muito, visita-lhe a casa e, depois das saudações habituais, dá notícias do próprio pessimismo.
Declara-se ausente de toda atividade doutrinária. Continua espírita de convicção, mas afastou-se do trabalho mediúnico, da leitura, das sessões, das preces.
Inquirido por Filgueiras, começou a explicar-se:
— Imagine você que minha infelicidade começou quando o meu sócio conseguiu furtar-me quase tudo o que eu possuía. Foi terrível desastre…
— Mas podia ser pior! — falou Filgueiras, preenchendo a pausa da conversação.
— Em seguida, estabeleci-me com pequena loja; no entanto, meu único empregado ateou fogo a tudo, após roubar-me…
— Podia ser pior… — atalhou Filgueiras.
— O azar não ficou aí, pois, quando me viu sem qualquer recurso, a companheira me abandonou, buscando aventuras inconfessáveis…
— Podia ser pior…
— Depois disso, minha única filha, aquela que ainda se mantinha ao meu lado, ouviu as insinuações de um homem que a seduziu, desprezando-me com amargas palavras…
— Podia ser pior…
— Por fim, meu irmão, a única pessoa que ainda me dispensava proteção e carinho, foi assassinado por um salteador que escapou à cadeia.
— Mas podia ser pior… — acentuou Filgueiras, calmo.
O outro sorriu, mal-humorado, e objetou:
— Ora essa! Que podia ser pior? Dois ladrões me acabam com os negócios, dois malandros me acabam com a família e um assassino me acaba com o único irmão… Que podia ser pior, Filgueiras?
O prestimoso médium abanou a cabeça e respondeu calmamente:
— Podia ser pior, sim, meu amigo! Podia ser você o autor de tantos crimes; entretanto, cá está conversando comigo, de consciência purificada e mãos limpas. Sofrer dos outros é, de algum modo, trilhar o caminho em que Jesus transitou, mas fazer sofrer os outros é outra coisa…
O amigo silenciou e, ao despedir-se, rogou a Filgueiras o benefício de um passe.
(Psicografia de Francisco C. Xavier)