Almas em Desfile

Capítulo III

Podia ser pior



O médium Filgueiras era espírita de grande serenidade.

Certa feita, um amigo, que ele não via desde muito, visita-lhe a casa e, depois das saudações habituais, dá notícias do próprio pessimismo.

Declara-se ausente de toda atividade doutrinária. Continua espírita de convicção, mas afastou-se do trabalho mediúnico, da leitura, das sessões, das preces.

Inquirido por Filgueiras, começou a explicar-se:

— Imagine você que minha infelicidade começou quando o meu sócio conseguiu furtar-me quase tudo o que eu possuía. Foi terrível desastre…

— Mas podia ser pior! — falou Filgueiras, preenchendo a pausa da conversação.

— Em seguida, estabeleci-me com pequena loja; no entanto, meu único empregado ateou fogo a tudo, após roubar-me…

— Podia ser pior… — atalhou Filgueiras.

— O azar não ficou aí, pois, quando me viu sem qualquer recurso, a companheira me abandonou, buscando aventuras inconfessáveis…

— Podia ser pior…

— Depois disso, minha única filha, aquela que ainda se mantinha ao meu lado, ouviu as insinuações de um homem que a seduziu, desprezando-me com amargas palavras…

— Podia ser pior…

— Por fim, meu irmão, a única pessoa que ainda me dispensava proteção e carinho, foi assassinado por um salteador que escapou à cadeia.

— Mas podia ser pior… — acentuou Filgueiras, calmo.

O outro sorriu, mal-humorado, e objetou:

— Ora essa! Que podia ser pior? Dois ladrões me acabam com os negócios, dois malandros me acabam com a família e um assassino me acaba com o único irmão… Que podia ser pior, Filgueiras?

O prestimoso médium abanou a cabeça e respondeu calmamente:

— Podia ser pior, sim, meu amigo! Podia ser você o autor de tantos crimes; entretanto, cá está conversando comigo, de consciência purificada e mãos limpas. Sofrer dos outros é, de algum modo, trilhar o caminho em que Jesus transitou, mas fazer sofrer os outros é outra coisa…

O amigo silenciou e, ao despedir-se, rogou a Filgueiras o benefício de um passe.



(Psicografia de Francisco C. Xavier)