Almas em Desfile

Capítulo VI

Quinze minutos



I


Aristeu Leite era antigo lidador da Doutrina Espírita.

Assíduo cliente das sessões.

Dono de belas palestras. Edificava maravilhosamente os ouvintes.

Bom leitor. Correspondente de instituições distintas.

Mantinha com veemência o culto do Evangelho no lar.

Extremamente caridoso. Visitava, cada fim de semana, vários núcleos beneficentes.


II


Naquela sexta-feira foi para casa, exultante.

Vivera um dia pleno de trabalho, coroado à noite pela oração ao pé dos amigos.

Entrou. Serviu-se de pequena porção de leite e, logo após, dirigiu-se ao quarto de dormir, onde a esposa e as filhinhas repousavam.

Preparou-se para o sono.

Sentia, porém, necessidade de meditação e voltou à sala adjacente.

Abriu pequeno volume e releu este trecho:


“O cristão é testado, a cada instante, em sua fé, pelos acontecimentos naturais do caminho.

“Por isso mesmo, a oração e a vigilância, recomendadas pelo Divino Mestre, constituem elementos indispensáveis para que estejamos serenos e valorosos nas menores ações da vida.

“Em razão disso, confie na Providência Maior, busque a benignidade e seja otimista.

“A caridade, acima de tudo, é infatigável amor para todos os infelizes.

“Por ela encontraremos a porta de nossa renovação espiritual.

“Acalme-se, pois, sejam quais forem as circunstâncias e ajude a todos os seres da Criação, na certeza de que estará ajudando a si mesmo.”


Aristeu fechou o livro, confortado, e refletiu. “Estou satisfeito. Vivi bem o meu dia. Continuarei imperturbável. Auxiliarei a todos. Estou firme. Louvado seja Deus.”

Sem dúvida, sentia-se mais senhor de si.

Realizava-se. E, em voo mais alto de superestimação do próprio valor, acreditou-se em elevado grau de ascensão íntima.

Nesse estado dalma, proferiu breve oração e consultou o despertador. Uma e quinze da madrugada.

Apagou a luz e recolheu-se.


III


Penetrava de leve os domínios do sono, quando acordou sobreexcitado.

Alguém pressionava de manso a porta.

A esposa despertou trêmula.

Aterrada, não conseguia sequer falar.

Aristeu, descontrolado, pôde apenas balbuciar: — Psiu, psiu… Ladrão em casa.

Lembrou-se, num átimo, de antigo revólver carregado, em gaveta de seu exclusivo conhecimento.

Deslizou, à feição de gato.

E porque o rumor aumentasse, disparou dois tiros contra o suposto intruso.

Dispunha-se a continuar, quando voz carinhosa exclamou assustadiça:

— Meu filho! Meu filho! Sou eu, seu pai! Sou eu! Sou eu!…

Desfez-se o tremendo engano.

O genitor do chefe da casa viera de residência contígua. Possuindo as chaves domésticas, não vacilara, aflito, em vir rogar ao filho socorro médico para a esposa acamada, com febre alta.

Algazarra.

Vizinhos em cena.

Meninas em choro de grande grito.

Aristeu, envergonhado, abraçava o pai, saído incólume, e explicava aos circunstantes o acontecido.

Enquanto revirava pequena farmácia familiar, procurando um calmante, deu uma olhadela no relógio.

Uma e meia da manhã.

Entre os votos solenes e a ação intempestiva que praticara, havia somente o espaço de quinze minutos…



(Psicografia de Francisco C. Xavier)