O templo espírita tinha dimensões pequenas. Mas os amigos arranjaram um microfone. E Neves da Cruz, o orador convidado, falou para grande multidão. Gente por toda parte, entupindo portas e abafando janelas. A maior parte dos ouvintes enfrentava a noite, do lado de fora.
Depois de belas considerações em alta voz, Neves terminou:
— Caridade, meus amigos! Todos podemos dar. Os Mensageiros Divinos acompanham todos aqueles que servem com amor. Fugir à caridade é cair na avareza. Viver na preguiça é cair no tédio. E avareza e tédio fazem as doenças sem cura.
Muito aplaudido, Neves retirou-se para o lanche em casa de amigos. E, depois do lanche, o recolhimento no hotel, para a viagem no dia seguinte. Fazia calor e, sem sono, desceu à calçada e pôs-se a ler sob a luz da marquise.
Nisso, passa um velho esfarrapado e pede, estendendo a mão magra como graveto de carne viva:
— Uma esmola pelo amor de Deus!
Neves enfia a mão gorda e quente no bolso do paletó, e, sentindo-se antecipadamente na posse da oferta, diz o mendigo:
— Que os bons Espíritos o acompanhem…
O provável doador, no entanto, só encontra uma nota de cem cruzeiros como dinheiro trocado, e desiste.
Vendo que a mão vinha vazia, o ancião completou, revoltado:
— E nunca o alcancem…
Notando que estava sendo censurado, Neves torna a mergulhar os dedos no bolso, e o pedinte falou, novamente encorajado:
— Que os bons Espíritos o acompanhem e nunca o alcancem com doenças…
Cem cruzeiros, porém, no conceito do Neves, era muito, e a mão voltou sem nada.
Ao perder a esperança, o velho acrescentou:
— Que possam ser curadas.
— Mas isso é uma injúria! — disse Neves, irritado. — Quem ensinou o senhor a pedir assim, rogando pragas?
E o velho:
— Hoje, na casa espírita, um homem falou que os bons Espíritos acompanham as pessoas caridosas e que falta de caridade faz as moléstias sem cura.
Neves, ruborizado, sem dizer palavra, meteu a mão no bolso, arrancou a cédula de cem cruzeiros e deu-a ao velho.
(Psicografia de Francisco C. Xavier)