Almas em Desfile

Capítulo XIII

O livre-pensador



Vital Cesarini, muito conhecido pela distinção e pelas ideias liberais, entretinha-se em animada conversação com o seu amigo João Fagundes, num café, e o assunto era a juventude transviada.

— Graças a Deus — dizia João — consegui que meu filho se interessasse pela Doutrina Espírita e, com isso, está mais ponderado, mais responsável.

— Não temos necessidade de religião para consertar a mocidade — afirmava Cesarini. — Em casa, somos livres-pensadores e meu Jairo é um modelo… Bacharelou-se e é hoje alto funcionário do banco, sem trazer-me qualquer problema. E que pureza de costumes, “seu” João! A gente perto dele é uma espécie de pecador que precisa estar prevenido.

— Oh! isso é uma felicidade…

— Sem dúvida.

— Seu filho frequenta cinemas, teatros?

— Absolutamente.

— Fuma?

— Nunca usou um cigarro.

— Tem namoradas?

— Tem vinte e seis anos, não tem caso algum.

— É vegetariano?

— Tem pavor à carne, nunca provou um bife.

— É calmo dentro de casa?

— Nunca lhe ouvi a menor expressão de cólera. É delicado, limpo, maneiroso…

— Não sai à noite?

— Somente para trabalhar, em serões de serviço.

Nisso, porém, alguém surge à mesa.

Cesarini descobre-se e apresenta:

— É o diretor do banco em que meu filho trabalha.

Senta-se o recém-chegado e, enquanto aceita o café, mostrando o semblante triste, fala, discreto:

— Sr. Cesarini, venho de sua residência, onde fui procurá-lo para importante assunto. Ainda assim, não sei se posso falar-lhe aqui…

— Esteja à vontade — respondeu Cesarini, ansioso —, estou às suas ordens.

— Seu filho — informou o amigo —, conforme inquérito silencioso que terminamos hoje, acaba de dar enorme desfalque no banco, assinando cheques falsos no valor integral de um milhão e duzentos mil cruzeiros.



(Psicografia de Francisco C. Xavier)