Vital Cesarini, muito conhecido pela distinção e pelas ideias liberais, entretinha-se em animada conversação com o seu amigo João Fagundes, num café, e o assunto era a juventude transviada.
— Graças a Deus — dizia João — consegui que meu filho se interessasse pela Doutrina Espírita e, com isso, está mais ponderado, mais responsável.
— Não temos necessidade de religião para consertar a mocidade — afirmava Cesarini. — Em casa, somos livres-pensadores e meu Jairo é um modelo… Bacharelou-se e é hoje alto funcionário do banco, sem trazer-me qualquer problema. E que pureza de costumes, “seu” João! A gente perto dele é uma espécie de pecador que precisa estar prevenido.
— Oh! isso é uma felicidade…
— Sem dúvida.
— Seu filho frequenta cinemas, teatros?
— Absolutamente.
— Fuma?
— Nunca usou um cigarro.
— Tem namoradas?
— Tem vinte e seis anos, não tem caso algum.
— É vegetariano?
— Tem pavor à carne, nunca provou um bife.
— É calmo dentro de casa?
— Nunca lhe ouvi a menor expressão de cólera. É delicado, limpo, maneiroso…
— Não sai à noite?
— Somente para trabalhar, em serões de serviço.
Nisso, porém, alguém surge à mesa.
Cesarini descobre-se e apresenta:
— É o diretor do banco em que meu filho trabalha.
Senta-se o recém-chegado e, enquanto aceita o café, mostrando o semblante triste, fala, discreto:
— Sr. Cesarini, venho de sua residência, onde fui procurá-lo para importante assunto. Ainda assim, não sei se posso falar-lhe aqui…
— Esteja à vontade — respondeu Cesarini, ansioso —, estou às suas ordens.
— Seu filho — informou o amigo —, conforme inquérito silencioso que terminamos hoje, acaba de dar enorme desfalque no banco, assinando cheques falsos no valor integral de um milhão e duzentos mil cruzeiros.
(Psicografia de Francisco C. Xavier)