Bezerra de Menezes, já devotado à Doutrina Espírita, almoçava, certa feita, em casa de Quintino Bocaiuva, o grande republicano, e o assunto era o Espiritismo, pelo qual o distinto jornalista passara a interessar-se.
Em meio da conversa, aproxima-se um serviçal e comunica ao dono da casa:
— Doutor, o rapaz do acidente está aí com um policial.
Quintino, que fora surpreendido no gabinete de trabalho com um tiro de raspão, que, por pouco, não lhe atingiu a cabeça, estava indignado com o servidor que inadvertidamente fizera o disparo.
— Manda-o entrar — ordenou o político.
— Doutor — roga o moço preso, em lágrimas —, perdoe o meu erro! Sou pai de dois filhos… Compadeça-se! Não tinha qualquer má intenção… Se o senhor me processar, que será de mim? Sua desculpa me livrará! Prometo não mais brincar com armas de fogo! Mudarei de bairro, não incomodarei o senhor…
O notável político, cioso da própria tranquilidade, respondeu:
— De modo algum. Mesmo que o seu ato tenha sido de mera imprudência, não ficará sem punição. Percebendo que Bezerra se sentia mal, vendo-o assim encolerizado, considerou, à guisa de resposta indireta:
— Bezerra, eu não perdoo, definitivamente não perdoo…
Chamado nominalmente à questão, o amigo exclamou desapontado:
— Ah! você não perdoa!
Sentindo-se intimamente desaprovado, Quintino falou, irritado:
— Não perdoo erro. E você acha que estou fora do meu direito?
O Dr. Bezerra cruzou os braços com humildade e respondeu:
— Meu amigo, você tem plenamente o direito de não perdoar, contanto que você não erre…
A observação penetrou Quintino como um raio.
O grande político tomou um lenço, enxugou o suor que lhe caía em bagas, tornou à cor natural, e, após refletir alguns momentos, disse ao policial:
— Solte o homem. O caso está liquidado.
E para o moço que mostrava profundo agradecimento:
— Volte ao serviço hoje mesmo, e ajude na copa.
Em seguida, lançou inteligente olhar para Bezerra, e continuou a conversação no ponto em que haviam ficado.
(Psicografia de Francisco C. Xavier)