Amizade

Capítulo XIII

Diálogo imprevisto



O devoto, ao ver Jesus em sonho, exclamou perplexo:

— Senhor! Senhor!… Há tanto tempo, aguardo este encontro e somente hoje…

O Eterno Benfeitor valeu-se da reticência e indagou:

— Como assim, se ainda hoje fugiste de mim, quatro vezes, em tua própria casa?

E ante o devoto espantado, comentou brandamente:

— Quando te encolerizaste contra o avô que te exigia mais apreço, quando negaste apoio ao irmão perdulário que voltava a buscar-te em penúria, quando não perdoaste ao filho que te desacatou os pontos de vista e quando condenaste a filha que te menosprezou o nome e os conselhos, foi a mim que o fizeste.

Diante do Mestre, observou o crente comovido:

— Senhor, que desejas dizer? Em que lição de tua bondade posso entender os ensinamentos a que me buscas o raciocínio?

— Lembro-me de haver dito — falou Jesus que qualquer bênção doada pelos homens aos pequeninos seria sempre a mim que o fariam… (Mt 25:40)

— Mestre — anotou o devoto — eu não tenho pequeninos em casa…

Jesus, porém, afagou as mãos do amigo que perguntava e explicou:

— Sim, teu avô, à frente do mundo é um homem de grandes posses dispondo de enorme influência, mas, por dentro do coração, é um menino faminto de atenções, a carregar dinheiro por permissão de Deus; teu irmão é um companheiro dono de nobres conhecimentos, no domínio das palavras brilhantes, entretanto, nos recessos dele mesmo, é um petiz desajustado em matéria de impulsos afetivos; teu filho é hoje um amigo de cérebro laureado pelas ciências da Terra, contudo, no imo de si próprio, é um pequenino sedento de fé e segurança, perante as Leis de Deus; e tua filha, embora professora e mulher feita, perante as criaturas humanas, ainda é, no íntimo, verdadeira criança necessitada de proteção…

— Senhor! Senhor!… gritou o crente, buscando alcançar Jesus, cuja figura se lhe fazia distante. Foi então que o devoto acordou na manhã repleta de sol e começou a pensar.