Neio Lúcio
—Vamos! Farei de ti delicado pote de laboratório. O analista alegrar-se-á com teu concurso valioso.
—Oh! Não, não quero! Eu, num laboratório, tolerando precipitações químicas? Por favor, não me toques para semelhante fim!
—Desejo dar-te forma por amor, não por ódio. Sofrerás o calor do forno para que te faças belo e útil . . . Entretanto, porque te recusas ao que proponho, transformar-te-ei numa caprichosa ânfora destinada a depósito de perfumes.
—Oh! Nunca! Nunca! . . . - exclamou o barro isto não! Estaria exposto ao prazer dos inconscientes. Não estou inclinado a suportar essências, através de peregrinações pelos móveis de luxo.
—Bem, converter-te-ei, então, num prato honrado e robusto. Comparecerás à mesa de meu lar. Ficarás conosco e serás companheiro de meus filhinhos.
—Jamais! Bradou o barro, na indisciplina isto seria pesada humilhação . . .
Transportar arroz cozido e aguentar caldos gordurosos na face? Assistir, inerme, às cenas de glutonaria em tua casa? Não, não me submetas! . . .
—Modificaremos o programa ainda uma vez. Serás um vaso amigo, em que a límpida água repouse. Ajudarás aos sedentos que se aproximarem de ti.
Muita gente abençoar-te-á a cooperação. Despertarás o contentamento e a gratidão nas criaturas! . . .
—não, não! Protestou a argila não quero! Seria condenar-me a tempo indefinido nas cantoneiras poeirentas ou nas salas escuras de pessoas desclassificadas. Por favor, poupa-me! Poupa-me! . . .
—Que será de ti quando te conduzirem ao forno? Não passarás de matéria endurecida e informe, sem qualquer utilidade ou beleza. Sem sacrifício e sem disciplina, ninguém se eleva aos planos da vida superior.
—Não aceito sacrifício, nem disciplina . . .
Antes que pudesse prosseguir, passou o enfornador arrebanhando a argila pronta, e o barro desobediente foi também conduzido ao forno em brasa.
Decorrido algum tempo, a lama vaidosa foi retirada e ó surpresa! Não era pote de laboratório, nem ânfora de perfume, nem prato de refeição, nem vaso para água e, sim, feio pedaço de terra requeimada e morta, sem qualquer significação, sendo imediatamente atirada ao pântano.
Assim acontece a muitas criaturas no mundo. Revoltam-se contra a vontade soberana do Senhor que as convida ao trabalho de aperfeiçoamento, mas, depois de levadas pela experiência ao forno da morte, se transformam em verdadeiros fantasmas de desilusão e sofrimento, necessitando de longo tempo para retornarem às bênção da vida mais nobre.