Há dois mil anos...
Versão para cópiaNas catacumbas da fé e no circo do martírio
Ana acabava de chegar a casa, depois de cumprir algumas obrigações no Forum Olitorium , quando, encontrando Lívia mais a sós, lhe disse confidencialmente:
— Senhora, hoje a noite uma nova voz se levantará no santuário das catacumbas, para as pregações da nossa fé. Amigos nossos me avisaram esta manhã, que, já há alguns dias, se encontra na cidade um emissário da igreja de Antioquia, chamado João de Cleofas, portador de significativas revelações para nós outros, os cristãos desta cidade…
Lívia deixou transparecer um clarão de íntimo contentamento nos olhos, exclamando:
— Ah! sim… havemos de ir hoje às catacumbas. Tenho necessidade de comungar com os nossos irmãos de crença, nas mesmas vibrações da nossa fé! Além disso, preciso agradecer ao Senhor a misericórdia das suas graças imensas!…
E elevando um pouco a voz, como se desejasse comunicar à amiga o santo júbilo de suas esperanças mais íntimas, exclamou com terno sorriso a lhe irradiar no semblante calmo:
— Ana, desde a morte de Calpúrnia, noto que Públio está mais sereno e mais esclarecido… Nestes últimos dias, tem-me dirigido a palavra com a ternura de outros tempos, havendo-me afirmado, ainda ontem, que seu coração me reserva doce surpresa para amanhã, depois da sua vitória suprema na vida pública. Sinto que é muito tarde para que seja novamente feliz neste mundo, mas, em suma, estou intimamente satisfeita, porque nunca desejei morrer em desarmonia com o companheiro que Deus me concedeu para as lutas e alegrias da vida. Acredito que nunca me perdoará o crime de infidelidade que julga haver eu praticado há vinte e cinco anos, mas choro de contentamento ao reconhecer que Públio me sente redimida, ante a severidade de seus olhos!…
E chorava, comovida, enquanto a velha criada lhe afiançava com ternura:
— Sim, minha senhora, talvez tenha ele reconhecido as suas abnegações santificantes no lar, nestes longos anos de sacrifícios abençoados.
— Agradeço a Jesus tamanha misericórdia — replicou Lívia, sensibilizada. Suponho mesmo que não estou longe de partir para o mundo das realidades celestes, onde todos os sofredores hão-de ser consolados…
E depois de ligeira pausa, continuou:
— Ainda ontem, quando orava junto à cruz singela, lá no quarto, ouvi uma voz que me anunciava o Reino de Jesus para muito breve.
Ouvindo-a, Ana lembrou-se subitamente de Simeão e das horas que antecederam os seus sacrifícios, mergulhando-se em dolorosas cismas. Suas recordações remontavam ao passado longínquo, quando a voz de Lívia novamente a despertou nestes termos:
— Ana — dizia com as heroicas decisões da sua fé —, não sei como serei chamada pelo Messias, mas, na hipótese da minha breve partida, peço-te continuares nesta casa, no teu apostolado de trabalho e sacrifícios, porque Jesus há-de abençoar-te os labores santificantes.
A antiga serva dos Lêntulus queria dar novo rumo à conversação pungente e exclamou com a serenidade criteriosa que lhe conhecemos:
— Senhora, sabe Deus qual de nós partirá primeiro. Esqueçamos, hoje, este assunto para pensar tão somente nas suas santificadas alegrias.
E, como para encerrar a angustiada impressão daquela palestra íntima, rematou perguntando, confidencialmente:
— Então, iremos hoje, de fato, às catacumbas?
— Sim. Fica combinado. À noitinha, partiremos para as nossas orações e carinhosas lembranças do Messias Nazareno. Tenho necessidade desse desafogo espiritual, após os longos meses que estive retida junto da minha nobre Calpúrnia; além disso, desejo pedir aos nossos irmãos que orem comigo por ela, testemunhando ao mesmo tempo, ao Senhor, meu sincero agradecimento pelas suas graças divinas…
Ao partirmos, peço-te me atives a memória, pois quero levar ao novo apóstolo uma espórtula destinada à igreja de Antioquia.
Se, amanhã, Públio vai receber o supremo galardão do homem do mundo, quero rogar a Jesus não lhe abandone o coração intrépido e generoso, para que as vaidades da Terra não o inibam de buscar, algum dia, o reino maravilhoso do Céu!
Assim entendidas, separaram-se na azáfama dos misteres domésticos. E enquanto o senador, durante todo o dia, tomava providências numerosas para que nada faltasse ao brilho pessoal do seu grande triunfo no dia imediato, Lívia passava as horas de alma voltada para o Cristo, em preces fervorosas.
À noitinha, consoante combinaram, lá se foram à secreta reunião das práticas primitivas do Cristianismo.
Todos os servos graduados do palácio viram-nas sair, sem preocupação nem surpresa. Em todo o longo período da moléstia de Calpúrnia, Lívia e Ana nunca mais haviam fixado a sua presença no interior do lar e não seria de estranhar que ambas houvessem deliberado buscar a residência dos Sevérus, naquela noite, de onde, possivelmente, não voltariam senão no dia seguinte, depois de confortarem o espírito abatido de Flávia, no desdobramento de seus fadigosos encargos domésticos.
Foi assim que as horas passaram, tranquilas e descuidadas; e quando o senador se aproximou dos aposentos da esposa, antegozando as profundas alegrias esperadas para o dia seguinte, presumiu, no pesado silêncio ali reinante, a significação do seu calmo repouso, nas asas leves e cariciosas do sono. Imaginando que Lívia descansava na paz soberana da noite, Públio Lêntulus recolheu-se ao seu gabinete particular, com o cérebro referto de radiosas esperanças, no propósito de se penitenciar de todos os seus erros do passado.
Lívia, porém, em companhia de Ana, aproveitara-se das primeiras sombras da noite para atingir as catacumbas.
Passava das dezenove horas, quando ambas se ocultavam entre as pedras abandonadas que davam acesso aos subterrâneos, onde se amontoava a velha poeira dos mortos.
Num vasto espaço abobadado, que servia outrora às assembleias das cooperativas funerárias, reunia-se grande número de pessoas em torno da figura simpática e generosa do culto pregador, que chegara da Síria distante. A um canto, erguia-se improvisada tribuna, para onde, daí a minutos subia João de Cleofas, dentro do halo de doçura que lhe aureolava a singular individualidade.
O apóstolo de Antioquia trazia à cabeça os primeiros cabelos brancos e toda a sua figura estava saturada de forte magnetismo pessoal, que ligava intimamente a sua personalidade a quantos se lhe aproximavam, levados pela doce afinidade da crença e dos sentimentos profundos.
Todos os presentes pareciam empolgados por sua palavra sedutora e impressionante, que se fez ouvir por quase duas horas sucessivas, caindo no coração do auditório como orvalho sublime da eloquência celeste. Conceitos elevados, proféticas observações, ressoavam pelas arcadas silenciosas e sombrias, fracamente iluminadas pela claridade de algumas tochas.
De fato, a assembleia tinha razão de se eletrizar com aquele doloroso e sublime profetismo, porque João de Cleofas pronunciava profunda alocução, mais ou menos nestes termos:
— Irmãos, seja convosco a paz do Cordeiro de Deus, Nosso Senhor Jesus-Cristo, na intimidade de vossa consciência e no santuário do vosso coração!…
O santo patriarca de Antioquia, nas suas preces e meditações de cada dia, recebeu numerosas revelações do Messias, ordenando a vinda de um mensageiro ao ambiente de vossos trabalhos na capital do mundo, a fim de anuncia-vos grandes coisas…
Pelas revelações do Espírito Santo, os cristãos desta cidade impiedosa foram escolhidos pelo Cordeiro para o grande sacrifício. E eu vos venho anunciar nossa breve entrada no Reino de Jesus, em nome dos seus apóstolos bem-amados!…
Sim, porque aqui onde todas as glórias divinas foram escarnecidas e humilhadas pela impenitência das criaturas, se hão de travar os primeiros grandes embates das forças do bem e do mal, preludiando o estabelecimento definitivo, no mundo, da divina e eterna mensagem do Evangelho do Senhor!
Na última reunião geral dos crentes de Antioquia, manifestaram-se as vozes do Céu, em línguas de fogo, como aconteceu nos dias gloriosos do cenáculo dos apóstolos, depois da divina ressurreição do nosso Salvador; e o vosso servo, aqui presente, foi escolhido para emissário dessas notícias confortadoras, porque as vozes celestes nos prometem o Reino do Senhor, em breves dias…
Amados, acredito que estamos em vésperas dos mais atrozes testemunhos da nossa fé, pelos sofrimentos remissores, mas a cruz do Calvário deverá iluminar a penosa noite dos nossos padecimentos…
Eu também tive a felicidade de ouvir a palavra do Senhor, nas horas derradeiras da sua dolorosa agonia, à face deste mundo. E que pedia ele, meus queridos, senão o perdão infinito do Pai para os algozes implacáveis que o atormentavam? Sim, não duvidemos das revelações do Céu… Verdugos inflexíveis rondam nossos passos e eu vos trago a mensagem do amor e da fortaleza em Nosso Senhor Jesus-Cristo!
Roma batizará sua nova fé com o sangue dos justos e dos inocentes; mas, também importa considerar que o Cordeiro imáculo de Deus Todo Poderoso se imolou no madeiro infamante, para resgatar os pecados e aviltamentos do mundo!…
Andaremos, talvez, nestas vias suntuosas, como em novas ruas de uma Jerusalém apodrecida, cheia de desolação e de amargura… Clamam as vozes celestes que, aqui, seremos desprezados, humilhados, vilipendiados e vencidos; mas, a vitória suprema do Senhor nos espera além das palmas espinhosas do martírio, nas claridades doces do seu Reino, inacessível ao sofrimento e à morte!…
Lavaremos com o nosso sangue e as nossas lágrimas a iniquidade destes mármores preciosos, mas, um dia, irmãos meus, toda esta Babilônia de inquietação e de pecado ruirá, fragorosamente, ao peso de suas misérias ignóbeis… Um furacão destruidor derrubará os falsos ídolos e confundirá as pretensiosas mentiras dos seus altares… Tormentas dolorosas do extermínio e do tempo farão chover sobre este Império poderoso as ruínas da pobreza e do mais triste esquecimento… os circos da impiedade hão-de desaparecer sob um punhado de cinzas, o Fórum e o Senado dos impenitentes hão-de ser confundidos pela suprema justiça divina, e os guerreiros orgulhosos desta cidade pecadora rastejarão um dia, como vermes, pelas margens do mesmo Tibre que lhes carreia a iniquidade!…
Então, novos Jeremias hão-de chorar sobre os mármores, à piedosa luz da noite… os suntuosos palácios destas colinas soberbas e donosas cairão em penoso torvelinho de assombros e, sobre os seus monumentos de orgulho, de egoísmo e vaidade, gemerão os ventos tristes das noites silenciosas e desertas…
Felizes todos aqueles que chorarem agora, por amor ao Divino Mestre; venturosos todos os que derramarem seu sangue pelas sublimes verdades do Cordeiro, porque no Céu existem as moradas divinas para os bem-aventurados de Jesus…
Falava a voz suave e terrível do emissário da igreja de Antioquia e suas palavras ressoavam no profundo silêncio das abóbadas ermas.
Cerca de duas centenas de pessoas ali se encontravam, ouvindo-o atentamente.
Quase todos os cristãos presentes choravam, embevecidos. No íntimo das almas pairava uma exaltação suave e mística, fazendo-lhes sentir as doces emoções de todos aqueles apóstolos anônimos, que tombaram nas arenas ignominiosas dos circos, para cimentar com sangue e lágrimas a edificação da nova fé.
Depois das profecias singulares e dolorosas, que encheram todos os olhares de clarões indefiníveis de alegria interior, na antevisão do glorioso Reino de Jesus, João foi consultado por numerosos confrades a respeito de vários assuntos de interesse geral para a marcha e desenvolvimento da nova doutrina, tal como acontecia nas primitivas assembleias do Cristianismo nascente, e a todos atendia com as mais francas expressões de bondade fraterna.
Interpelado, por um dos presentes, quanto ao motivo de sua alegria radiosa, quando as revelações do Espírito Santo anunciavam tão grandes provações e tantos padecimentos, o generoso emissário respondeu com sublimado otimismo:
— Sim, meus amigos, não podemos esperar senão o sagrado cumprimento das profecias anunciadas, mas devemos considerar com júbilo que se Jesus permite aos ímpios a realização de monumentos maravilhosos, como os desta cidade suntuosa e apodrecida, que não reservará ele, na sua infinita misericórdia, aos homens bons e justos, nas claridades do seu Reino?
Aquelas respostas consoladoras caíam na alma da numerosa assembleia, como bálsamo dulcificante.
Palavras de amor e saudações afetuosas eram trocadas entre todos, com as mais doces demonstrações de júbilo e fraternidade.
Lívia e Ana tinham um clarão de alegria íntima a lhes brilhar nos olhos calmos.
Ao fim da reunião, todos se levantaram para as preces singelas e espontâneas das primitivas lições do Cristianismo, em suas fontes puras.
A voz do emissário de Antioquia, ainda uma vez, se fez ouvir, brilhante e clara:
— Pai Nosso, que estais nos Céus, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso Reino de misericórdia, seja feita a vossa vontade, assim na Terra, como nos Céus… (Mt
Todavia, nesse instante, a palavra meiga e comovedora foi abafada por sinistro tinir de armaduras.
— É aqui, Luculo!… — gritava a voz estentórica do centurião Clódio Várrus, que avançava, com os seus numerosos pretorianos, para a massa atônita dos cristãos indefesos, constituída, na sua maioria, de mulheres.
Alguns crentes mais inflamados começaram então a apagar as tochas, provocando as trevas para a confusão e o tumulto, mas João de Cleofas descera da tribuna com a sua figura radiosa e impressionante.
— Irmãos — gritou com voz estranha e vibrante no seu apelo, como que saturado de extraordinário magnetismo —, recomendou o Senhor que jamais colocássemos a luz sob o alqueire! Não apagueis a claridade que deve iluminar o nosso exemplo de coragem e de fé!…
A esse tempo, os dois centuriões presentes já haviam articulado as suas forças, em comum, organizando os cinquenta homens que tinham vindo, sob suas ordens, para a hipótese de uma resistência.
Viu-se, então, o apóstolo de Antioquia caminhar com desassombro, sob o pasmo silencioso dos presentes, dirigindo-se a Luculo Quintílius, estendendo-lhe os braços pacificamente e solicitando com empenho:
— Centurião, cumpre a tua tarefa sem receio, porque eu não vim a Roma senão para as glórias do sacrifício.
O preposto do Império não se comoveu com essas palavras e, depois de brandir ao rosto do missionário os copos de sua espada, em dois tempos amarrou-lhe os braços, impossibilitando-lhe os movimentos.
Dois jovens crentes, dando largas ao seu temperamento ardoroso e sincero, revoltados com a crueldade, desembainharam as armas, que reluziram à claridade pálida daquele interior de penumbra, avançando para os soldados num gesto supremo de defesa e resistência, mas João de Cleofas advertiu ainda uma vez, com a sua palavra magnética e profunda:
— Meus filhos, não repitais neste recinto a cena dolorosa da prisão do Messias. Lembrai-vos de Málcus (Jo
Houve, então, na assembleia, um movimento de quietude e de assombro. A coragem serena do apóstolo contagiara todos os corações.
Nos grandes momentos da vida, há sempre uma vibração espiritual que flui doutros mundos, para conforto dos míseros viajores da jornada terrestre.
Observou-se, desse modo, o inaudito e inesperado. Todos os presentes imitaram o apóstolo valoroso, entregando os braços inermes para o sacrifício.
No seu doloroso momento, Lívia enchera-se de uma coragem que nunca havia possuído. Diante da sua figura nobre e da sua indumentária de patrícia detiveram-se, longamente, os olhares significativos dos verdugos. Naquela assembleia, era ela a única mulher que ostentava as insígnias do patriciado romano.
Clódio Várrus cumpria sua tarefa algo respeitoso e, daí a minutos, a pesada caravana estava a caminho da prisão, dentro das sombras espessas da meia-noite.
O cárcere onde os cristãos iam passar tantas horas ao relento, em angustiosa promiscuidade, que, de algum modo, representava para eles suave consolo, ficava anexo ao grande circo, sobre cujas proporções gigantescas somos obrigados a deter nossas vistas, dando ao leitor uma fraca ideia da sua grandeza.
O Circo Máximo ficava situado justamente no vale que separa o Palatino do Aventino, erguendo-se, ali, como uma das mais belas maravilhas da cidade invicta. Edificado nos primórdios da organização romana, suas proporções grandiosas se haviam desenvolvido com a cidade e, ao tempo de Domício Nero, tal era a sua extensão, que ocupava 2190 pés de comprimento, por 960 de largura, terminando em semicírculo, com capacidade para trezentos mil espectadores comodamente instalados. De ambos os lados, corriam duas ordens de pórticos, superpostos, ornados de colunas preciosas e coroadas de terraços confortáveis. Naquele luxo de construções e demasia de ornamentos, viam-se tascas numerosas e inúmeros lugares de devassidão, a cuja sombra dormiam os miseráveis e repousava a maioria do povo, embriagado e amolecido nos prazeres mais hediondos. Seis torres quadradas, denotando as mais avançadas expressões de bom gosto da arquitetura da época, dominavam os terraços, servindo de camarotes luxuosos às personalidades mais distintas, nos espetáculos de grande gala. Largos bancos de pedra, dispostos em anfiteatro, corriam por três lados, localizando-se, em seguida, em linha reta, o espaço ocupado pelos cárceres, de onde saíam os cavalos e carros, bem como escravos e prisioneiros, feras e gladiadores, para os divertimentos preferidos da sociedade romana. Sobre os cárceres, erguia-se o suntuoso pavilhão do Imperador, de onde as mais altas autoridades e áulicos acompanhavam o César nos seus entretenimentos. A arena era dividida longitudinalmente por uma muralha de seis pés de altura, por doze de largura, erguendo-se sobre ela altares e estátuas preciosas, que ostentavam bronzes finos e dourados. Bem no centro dessa muralha, imprimindo um traço majestoso de grandeza ao ambiente, levantava-se, à altura de cento e vinte pés, o famoso obelisco de Augusto, dominando a arena colorida de vermelho e de verde, dando a impressão de relva deliciosa que se tingisse subitamente de flores de sangue.
Os míseros prisioneiros daquela caçada humana foram atirados a uma larga dependência dos Cárceres, nas primeiras horas da madrugada.
Os soldados os despojaram, um a um, dos objetos de valor, ou das pequenas importâncias em dinheiro que traziam consigo. As próprias senhoras não escaparam ao esbulho humilhante, sendo roubadas nas suas joias mais preciosas. Apenas Lívia pelo respeito que inspiravam suas vestes, foi poupada ao exame infamante.
Num gabinete privado, Clódio Várrus dava ciência ao seu superior, Cornélio Rúfos, do êxito da diligência que lhe fora cometida aquela noite.
— Sim — exclamava Cornélio satisfeito —, pelo que vejo, a festa de amanhã correrá a inteiro contento do Imperador. Essa primeira caçada de cristãos era essencial ao glorioso feito das grandes homenagens aos senadores.
Mas, escuta — continuava ele mais discretamente, referindo-se à Lívia —, quem é essa mulher que traz a toga das matronas da mais alta classe social?
— Ignoro — respondeu o centurião, assaz pensativo. — Aliás, muito me admirei de encontrá-la em tal ambiente, mas cumpri severamente as vossas ordens.
— Fizeste bem.
Todavia, como se estivesse adotando intimamente uma providência nova, Cornélio Rúfos sentenciou:
— Deixá-la-emos aqui até amanhã, até o momento do espetáculo, quando, então, poderá ser posta em liberdade.
— E porque não a libertamos desde já?
— Ela poderia, na sua condição de nobreza, provocar algum movimento de protesto contra a decisão de César e isso nos colocaria em péssima situação. E como essas miseráveis criaturas serão atiradas às feras, na qualidade de escravos e condenados à última pena, nos derradeiros divertimentos da tarde, não convém nos comprometermos perante a sua família. Retendo-a aqui, satisfazemos os caprichos de Nero e, soltando-a em seguida, não nos incompatibilizaremos com os que gozam dos favores da situação.
— É verdade; essa é a solução mais razoável. Contudo, por que motivo essas criaturas serão condenadas como escravos, quando deveriam morrer como cristãos, pois tão somente essa é a causa de sua justa condenação? A razão de sua morte não está na humilhante doutrina que professam?
— Sim, mas temos de ponderar que o Imperador não se sente ainda com bastante força para enfrentar a opinião dos senadores, dos edis e de várias outras autoridades, que, certamente, desejariam advogar a causa destes infelizes, em seu próprio desprestígio e no de seus mais íntimos conselheiros… Mas, não duvido de que essa perseguição aos adeptos da odiosa doutrina do Crucificado será oficializada em breves dias, tão logo os poderes imperiais estejam mais fortemente centralizados.
Esperemos, pois, mais algum tempo e, até lá, fortifiquemos o prestígio de Nero, porque o detentor do poder deve representar sempre o melhor dos amigos.
Enquanto isso ocorria, todos os cristãos se dividiam em grupos, no interior do cárcere, trocando as mais íntimas impressões sobre o angustioso transe.
Em dado momento, todavia, abriu-se uma porta, por onde surgiu a figura detestável de Clódio, exclamando, ironicamente:
— Cristãos, não há clemência de César para os que professam as perigosas doutrinas do Nazareno. Se tendes alguns negócios materiais a resolver, lembrai-vos de que é muito tarde, porquanto poucas horas vos separam das feras da arena, no circo.
Novamente, a pesada porta se fechou sobre a sua figura, enquanto os míseros condenados se surpreendiam amargamente com a notícia inquietante e dolorosa.
Através das grades reforçadas, podiam observar os movimentos dos numerosos soldados que os guardavam, dando guarida, nos primeiros instantes, às mais angustiosas conjeturas. Depressa, porém, voltara-lhes a calma e os prisioneiros se aquietaram, com humildade. Alguns faziam preces fervorosas, enquanto outros trocavam pensamentos em voz baixa.
Os carcereiros não tardaram a separar as mulheres, instalando-as em dependência contígua, onde cada grupo de crentes ficou de alma voltada para Jesus, nos instantes supremos em que aguardavam a morte.
De manhãzinha, mal o sol havia surgido de todo nas amplitudes do formoso firmamento romano, vamos encontrar Ana e Lívia em conversação quase serena, a sós, numa espécie de biombo dos muitos existentes na espaçosa sala reservada às mulheres, enquanto numerosas companheiras aparentavam descansar, estremunhadas.
— Senhora — exclamava a serva, algo preocupada —, noto que vos tratam aqui com simpatia e deferência. Porque não pleiteardes imediatamente a vossa liberdade? Não sabemos o que de sinistro e terrível nos ocorrerá nas horas penosas deste dia!…
— Não, minha boa Ana — respondeu Lívia, tranquila —, deves ficar certa de que minhalma está convenientemente preparada para o sacrifício. E ainda que me não sentisse conformada, não deverias apresentar-me semelhante alvitre, porque Jesus, sendo embora o mestre de todos os mestres e Senhor do Reino dos Céus, não pleiteou sua liberdade junto aos algozes que o atormentavam e oprimiam…
— Isso é verdade, senhora. Mas, acredito que Jesus saberia compreender o vosso gesto, porque tendes ainda um esposo e uma filha… — acentuou a velha empregada, como a lhe recordar as obrigações humanas.
— Um esposo? — retrucou a nobre matrona, com heroica serenidade. — Sim, agradeço a Deus a paz que me concedeu, permitindo que Públio me demonstrasse a sua contrição nestes últimos dias. Para mim, só essa tranquilidade era essencial e necessária, porque o esposo, na sua feição humana, eu o perdi há longos vinte e cinco anos… Debalde sacrifiquei todos os impulsos de minha mocidade para lhe provar o meu amor e a minha inocência, em contraposição à calúnia com que humilharam meu nome. Por um quarto de século tenho vivido com as minhas orações e as minhas lágrimas… Angustiosa tem sido a minha saudade e dolorosíssimo o triste degredo espiritual a que fui relegada no plano dos meus afetos mais puros.
Não creio possa reviver para mim, no coração do velho companheiro, a confiança antiga, cheia de felicidade e ternura…
Quanto à filha, entreguei-a a Jesus, desde os dias de sua infância, quando me vi obrigada à terrível separação do seu afeto. Afastada de sua alma por imposição de Públio, tive de sufocar os mais doces entusiasmos do coração materno. Sabe o Senhor de minhas ansiosas angústias, nas noites silenciosas e tristes em que lhe confiava meus amargurosos padecimentos. Além disso, Flávia tem hoje um marido que procurou isolá-la ainda mais do meu pobre espírito, receoso da minha fé, qualificada por todos de demência…
E depois de ligeira pausa, na sua confidência dolorosa, acentuou com serena tristeza:
— Para mim, não pode haver o reflorescimento das esperanças aqui na Terra… Só aspiro, agora, a morrer em paz confortadora com a minha consciência.
— Mas, senhora — retornou a criada com veemência —, hoje é o dia da maior vitória do vosso esposo…
— Não me esqueci dessa circunstância. Faz, porém, vinte e cinco anos que Públio segue rumo oposto ao meu caminho e não será demais que, buscando ele hoje a suprema recompensa do mundo, como triunfo final dos seus desejos, busque eu também não a vitória do Céu, que não mereci, mas a possibilidade de mostrar ao Senhor a sinceridade da minha fé, ansiosa pelas bênçãos lucificantes da sua infinita misericórdia.
Depois, minha querida Ana, é muito grato ao coração sonhar com o seu Reino santificado e misericordioso… Vermos, de novo, as mãos suaves do Messias abençoando-nos o Espírito, com os seus gestos amplos de caridade e de ternura!…
Lívia tinha um clarão divino nos olhos, que se molhavam em lágrimas espontâneas, como se houvesse caído sobre o seu coração o orvalho do Paraíso.
Via-se, claramente, que suas ideias não estavam na Terra, mas, sim, flutuando num mundo de radiosidades suavíssimas, cheio de recordações carinhosas do passado e saturado de ternas esperanças no amor de Jesus-Cristo.
— Sim — continuava falando, como se fora tão somente para a sua própria alma, na intimidade do coração —, ultimamente, muito me tenho lembrado do Divino Mestre e de suas palavras inesquecíveis… Naquela tarde inolvidável de suas pregações, ainda era crepúsculo e o céu estava recamado de estrelas, com se as luzes do firmamento desejassem também ouvi-lo… As ondas do Tiberíade, que se apresentavam, frequentemente, tão rumorosas ao fustigo do vento, vinham, silenciosas, desfazer-se num leque de espumas, de encontro às barcas da praia, numa doce expressão de respeito, quando se faziam ouvir na paisagem os seus divinos ensinamentos! Tudo se aquietava de manso; era de ver-se o sorriso carinhoso das criancinhas, à claridade terna dos seus olhos de pastor dos homens e da Natureza…
Nos meus anseios, minha boa Ana, desejava adotar todos aqueles petizes maltrapilhos e famintos, que surgiam nas assembleias populares de Cafarnaum; mas, meu propósito materno de amparar aquelas mulheres desprezadas e aquelas crianças andrajosas, que viviam ao desamparo, não podia realizar-se neste mundo… Todavia, suponho que hei-de realizar os ideais de minha alma, se Jesus me acolher nas claridades do seu Reino…
A velha serva chorava emocionada, ouvindo estas expansões carinhosas e comovedoras.
Depois de longa pausa, continuou como se desejasse bem aproveitar as derradeiras horas:
— Ana — disse com enérgica tranquilidade —, ambas fomos chamadas ao testemunho sagrado da fé, nas horas que passam e que devem ser gloriosas para o nosso Espírito. Perdoa-me, querida, se algum dia te ofendi o coração com alguma palavra menos digna. Antes que Simeão te entregasse à minha guarda, já eu te amava ternamente, como se foras minha irmã ou minha própria filha!…
A serva chorava constrangida, enquanto Lívia, carinhosa, continuava:
— Agora, querida, tenho um derradeiro pedido a fazer-te…
— Dizei, senhora — sussurrou a serva, com os olhos rasos de lágrimas —, antes de tudo, sou vossa escrava.
— Ana, se é verdade que temos de testemunhar ainda hoje a nossa fé, eu desejava comparecer ao sacrifício como aquelas criaturas desamparadas, que ouviam as consolações divinas junto do Tiberíade. Se puderes atender-me, troca hoje comigo a toga da senhora pela túnica da serva! Desejava participar do sacrifício com as vestes humildes e pobres da plebe, não porque me sinto humilhada perante as pessoas da minha condição, no momento ditoso do testemunho, mas porque, arrancando para sempre os derradeiros preconceitos do meu nascimento, daria à minha consciência cristã o conforto do último ato de humildade… Eu, que nasci entre as púrpuras da nobreza, desejava buscar o Reino de Jesus com as vestiduras singelas dos que passaram pelo mundo no torvelinho doloroso das provações e dos trabalhos!…
— Senhora!… — obtemperou a serva, hesitante…
— Não vaciles, se queres proporcionar-me a satisfação derradeira.
Ana não pôde recusar, ante os piedosos propósitos da generosa criatura e, num instante, na penumbra daquele improvisado recanto que as separava das demais companheiras, trocaram a toga e a túnica, que eram tão somente uma espécie de manto, sobre a complicada indumentária da época, tendo Lívia adornado a toga de lã finíssima, agora no corpo da serva, com as joias discretas que trazia usualmente consigo. Depois de entregar-lhe dois anéis preciosos e um gracioso bracelete, apenas um adorno de valor lhe restava, mas Lívia, passando a mão pelo pescoço e acariciando um pequeno colar, com imensa ternura, exclamou com decisão para a companheira:
— Está bem, Ana, fica-me apenas este pequeno colar, em que trago o camafeu com o perfil de Públio, em alto relevo, e que é um presente dele no dia longínquo das nossas núpcias. Morrerei com esta joia, como se ela fora um símbolo de união entre os meus dois amores, que são meu marido e Jesus-Cristo…
Ana aceitou, sem protesto, todas as piedosas imposições da senhora e, em breves instantes, na sua antiga beleza virginal, o porte da serva humilde estava tocado de imponente nobreza, como se ela fosse uma soberana figura de marfim velho.
Para todos os prisioneiros, na terrível inquietação que os oprimia, embora as doces claridades interiores da prece que os integrava na precisa coragem moral para o sacrifício, as horas do dia passavam pesadas e vagarosas. João de Cleofas, com o resignado heroísmo do seu fervor religioso, conseguiu manter aceso o calor da fé em todos os corações: não faltaram os companheiros mais animosos que, na exaltação de sua confiança na Providência Divina, ensaiaram os próprios cânticos de glória espiritual, para o instante supremo do martírio.
No palácio do Aventino, todos os domésticos mais íntimos acreditavam na permanência de Lívia em casa da filha; mas, um pouco antes do meio-dia, Flávia Lentúlia veio ter com o pai, a fim de beijá-lo antes do triunfo.
Informada pelo senador, quanto aos seus projetos de restabelecer a antiga felicidade doméstica, com as mais expressivas demonstrações públicas de confiança e de amor pela esposa, Flávia, com grande surpresa para o pai, procurava a mãe para as manifestações de sua justificada alegria.
Angustiosa interrogação se estampou, desse modo, em todos os semblantes.
Depois de vinte e cinco anos, era a primeira vez que Lívia e Ana se ausentavam de casa de um dia para outro, provocando os mais justificados receios.
O senador sentiu o coração tocado de presságios angustiosos, mas os escravos já se encontravam preparados para conduzi-lo ao Senado, onde as primeiras cerimônias teriam início depois do meio-dia, com a presença de César. Observando-lhe a aflição e os olhares ansiosos e inquietos, Flávia Lentúlia buscou tranquilizá-lo com estas palavras, que dissimulavam as suas próprias aflições:
— Vai tranquilo, meu pai. Voltarei agora a casa, mas não me descuidarei das providências necessárias, porque, quando regressares, de tarde, com a auréola do triunfo, quero abraçar-te com a mamãe, entre as flores do vestíbulo, a fim de podermos ambas recebe-lo com as pétalas do nosso amor desvelado de todos os dias.
— Sim, filha — respondeu o senador com uma sombra de angústia —, permitam os deuses que assim seja, porque as rosas do lar serão para mim as melhores recompensas!…
E tomando a liteira, saudado por amigos numerosos que o esperavam, Públio Lêntulus demandou o Senado, onde multidões entusiásticas esfuziavam de alegria, em sinal de agradecimento pela farta distribuição de trigo com que as autoridades romanas haviam comemorado aquele evento, aplaudindo os homenageados com a gritaria ensurdecedora das grandes manifestações populares.
Da nobre casa política, onde os mais elegantes torneios de oratória foram proferidos para enaltecimento da personalidade do Imperador e antecedidos pela figura impressionante do César, que nunca desdenhou o fausto retumbante dos grandes espetáculos, na sua feição de antigo comediante, dirigiram-se os senadores para o famoso Templo de Júpiter, onde os homenageados receberiam a auréola de mirto e rosas, como os triunfadores, obedecendo à inspiração de Sêneca, que tudo envidava por desfazer a penosa impressão do governo cruel do seu ex-discípulo, que, afinal, decretaria também a sua morte no ano 66. No Templo de Júpiter, o grande artista que era Domício Nero coroou a fronte de mais de cem senadores do Império, sob a bênção convencional dos sacerdotes, demorando-se as cerimônias na sua complicada feição religiosa, por algumas horas sucessivas. Somente depois das 15 horas, saía do templo, em direção ao Circo Máximo, o grosso e desmesurado cortejo. A compacta procissão, tocada de aspecto solene, poucas vezes observado em Roma nos séculos posteriores, dirigiu-se primeiramente ao Fórum, atravessando pela massa formidável de povo, com o máximo respeito.
Para esclarecimento dos leitores, passemos a dar pálida ideia do maravilhoso cortejo, de conformidade com as grandes cerimônias públicas da época.
Na frente, vai um carro, soberba e magnificamente ornamentado, onde se instala molemente o Imperador, seguindo-se-lhe numerosos carros nos quais se aboletam os senadores homenageados, bem como os seus áulicos preferidos.
Domício Nero, junto de um dos favoritos mais caros, passa sobranceiro no seu traje vermelho de triunfador, com o luxo espalhafatoso que lhe caracterizava as atitudes.
Em seguida, numeroso grupo de jovens de quinze anos passa, a cavalo e a pé, escoltando as carruagens de honra e abrindo a marcha.
Passam, depois, os cocheiros guiando as bigas, as quadrigas, as séjuges, que eram carros a dois, a quatro e a seis cavalos, para as loucas emoções das corridas tradicionais.
Seguindo-se aos aurigas, quase em completa nudez, surgem os atletas, que farão os números de todos os grandes e pequenos jogos da tarde; após eles, vão os três coros clássicos de dançarinos, o primeiro constituído por adultos, o segundo dos adolescentes insinuantes, e o terceiro por graciosas crianças, todos ostentando a túnica escalarte apertada com uma cinta de cobre, espada ao lado e lança na mão, salientando-se o capacete de bronze enfeitado de penachos e cocares, que lhes completam a indumentária extravagante. Esses bailarinos passam, seguidos pelos músicos, exibindo movimentos rítmicos e executando bailados guerreiros, ao som de harpas de marfim, flautas curtas e numerosos alaúdes.
Depois dos músicos, qual bando de sinistros histriões, surgem os Sátiros e os Silenos, personagens estranhas, que apresentam máscaras horripilantes, cobertos de peles de bode, sob as quais fazem os gestos mais horrendos, provocando o riso frenético dos espectadores, com as suas contorções ridículas e estranhas. Sucedem-se novos grupos musicais, que se fazem acompanhar de vários ministros secundários do culto de Júpiter e outros deuses, levando nas mãos grandes recipientes à guisa de turíbulos de ouro e de prata, de onde espiralam inebriantes nuvens de incenso.
Seguindo os ministros, com adornos de ouro e pedras preciosas, passam as estátuas das numerosas divindades arrancadas, por um momento, dos seus templos suntuosos e sossegados. Cada estátua, na sua expressão simbólica, faz-se acompanhar de seus devotos ou dos seus variados colégios sacerdotais. Todas as imagens, em grande aparato, são conduzidas em carros de marfim ou de prata, puxados por cavalos imponentes, guiados delicadamente por meninos nobres de dez a doze anos, que tenham pai e mãe vivos, e escoltados, com atenção, pelos patrícios mais em evidência na grande cidade.
Era tudo um deslumbramento de coroas de ouro, púrpuras, luxuosos tecidos do Oriente, metais brilhantes, cintilações de pedras preciosas.
Fecha o cortejo a última legião de sacerdotes e ministros do culto, seguindo-se-lhes a massa interminável do povo anônimo e desconhecido.
A formidável procissão penetra o Grande Circo com grande recolhimento, em observância às mais elevadas solenidades. O silêncio é apenas cortado pelas aclamações parciais dos diferentes grupos de cidadãos, quando passa a estátua da divindade que lhes protege as atividades e a profissão, na vida comum.
Depois de um volteio solene pelo interior do circo, as silenciosas figuras de marfim são depostas na edícula, junto aos Cárceres, sob os fulgores radiosos do pavilhão do Imperador e onde se fazem as preces e sacrifícios de nobres e plebeus, enquanto o César e seus áulicos, em companhia dos políticos homenageados naquela tarde, fazem numerosas e extraordinárias libações.
Terminadas aquelas cerimônias, desaparece igualmente, o silencioso recolhimento das multidões.
Começam, então, os jogos sob os olhares ávidos de mais de trezentos mil espectadores, que não se circunscrevem às massas compactas, comprimidas nas dimensões grandiosas do luxuoso recinto. Os palácios do Aventino e do Palatino, bem como os elegantes terraços do Célio, servem também de arquibancadas para a numerosa assistência, que não pode ver de mais perto o formidando espetáculo.
Roma diverte-se e todas as suas classes estão deslumbradas.
A competição dos carros é o primeiro número a ser apresentado, mas os aplausos entusiásticos somente se verificam quando morrem na arena os primeiros cocheiros e os primeiros cavalos espatifados.
Os jogadores distinguem-se pelas cores da túnica. Há os que se vestem de vermelho, de azul, de branco e de verde, representando vários partidos, enquanto a plateia se reparte em grupos exaltados e enlouquecidos. Gritam apaixonadamente os admiradores e os sócios de cada facção, traduzindo a sua alegria, o seu receio, a sua angústia ou a sua impaciência. Ao fim dos primeiros números, verificam-se desoladoras cenas de luta entre os adversários desse ou daquele partido, no seio da enorme assistência, havendo sérios tumultos, imediatamente degenerados em sanha criminosa, de onde são retirados, em seguida, alguns cadáveres.
Após as corridas, houve uma caçada fabulosa, levando-se a efeito terríveis combates entre homens e feras, nos quais alguns escravos jovens perderam a vida em trágicas circunstâncias, ante as aclamações delirantes das massas inconscientes.
O Imperador sorri, satisfeito, e continua nas suas libações pessoais, vagarosamente, junto de alguns amigos mais íntimos. Seis harpistas executam as melodias prediletas no pavilhão, enquanto os alaúdes fazem ouvir, igualmente, sons maviosos e claros.
Outros jogos passaram, vários, divertidos e terríveis, e, depois de algumas danças exóticas, executadas na arena, viu-se um áulico predileto de Domício Nero inclinar-se discretamente, falando-lhe ao ouvido:
— Chegou o instante, ó Augusto, da grande surpresa dos jogos desta tarde!…
— Entrarão, agora, os cristãos na arena? — perguntou o Imperador em voz baixa, com o seu impiedoso e frio sorriso.
— Sim, já foi dada ordem para que fiquem em liberdade na arena os vinte leões africanos, tão logo se apresentem em público os condenados.
— Bela homenagem aos senadores! — glosou Nero, sarcasticamente. — Esta festividade foi uma feliz lembrança de Sêneca, porque terei oportunidade de mostrar ao Senado que a lei é a força e toda a força deve estar comigo.
Poucos minutos faltavam para a apresentação do número surpreendente da tarde, quando Clódio Várrus aconselhava a um dos auxiliares de confiança:
— Aton — dizia ele circunspecto —, podes providenciar agora a entrada de todos os prisioneiros na arena, mas afasta com discrição uma mulher que lá se conserva com a toga do patriciado. Deixa-a por último, expulsando-a em seguida para a rua, porque não desejamos complicações com a sua família.
O soldado fez sinal, como quem havia guardado fielmente a ordem recebida, dispondo-se a cumpri-la e, daí a momentos, o numeroso grupo de cristãos, sob impropérios e apupos dos mais baixos servidores do Circo, encaminhava-se, impavidamente, para o sacrifício…
Em primeiro lugar, ia João de Cleofas, murmurando intimamente a sua derradeira prece.
No instante, porém, de se abrir a grande porta, através da qual se ouviam os rugidos ameaçadores das feras esfomeadas, Aton aproximou-se de Ana e, reparando-lhe a toga finíssima de lã, as joias discretas que lhe adornavam o porte enobrecido, bem como a delicada rede de ouro que lhe prendia graciosamente os cabelos, exclamou respeitosamente, admirado da nobreza de sua figura:
— Senhora, ficareis aqui, até segunda ordem!
A velha criada dos Lêntulus trocou significativo e angustioso olhar com a sua senhora, respondendo, todavia, com serena altivez:
— Mas, porquê? Pretendeis privar-me da glória do sacrifício?
Aton e seus colegas se surpreenderam com aquela atitude de profundo heroísmo espiritual, e aquele, depois de um gesto de dúvida, que exprimia vacilação da resposta que lhe competia dar, esclareceu respeitosamente:
— Sereis a última!
Aquela explicação pareceu satisfaze-la, mas Lívia e Ana, nesse instante decisivo de separação, trocaram entre si um amoroso olhar, angustiado e inesquecível.
Tudo, porém, fora obra de alguns segundos, porque a porta sinistra estava agora aberta e as armas ameaçadoras dos prepostos de Domício Nero obrigavam os prisioneiros a demandar a arena, como um bloco de condenados ao terror da última pena.
O venerável apóstolo de Antioquia entestou a fileira com serenidade valorosa. Seu coração elevava-se ao infinito, em orações sinceras e fervorosas. Em poucos instantes, todos os prisioneiros se encontravam reunidos à entrada da arena, saturados de uma força moral que, até então, lhes era desconhecida. É que, por detrás daquelas púrpuras suntuosas e além daqueles risos estridentes e impropérios sinistros, estava uma legião de mensageiros celestes fortalecendo as energias espirituais dos que iam sucumbir de morte infamante, para regar a semente do Cristianismo com as suas lágrimas fecundas. Uma estrada luminosa, invisível aos olhos mortais, abrira-se nas claridades do firmamento e, por ela, descia todo um exército de arcanjos do Divino Mestre, para aureolar com as bênçãos da sua glória os valorosos trabalhadores da sua causa.
Sob os aplausos delirantes e ensurdecedores da turba numerosa, soltaram-se os leões famintos, para a espantosa cena de impiedade, de pavor e sangue, mas nenhum dos apóstolos desconhecidos, que iam morrer no depravado festim de Nero, sentiu as torturas angustiosas de tão horrenda morte, porque o brando anestésico das potências divinas lhes balsamizou o coração dorido e dilacerado no tormentoso momento.
Fustigados pela angústia e pela aflição do instante derradeiro, ante o público sanguinário, os míseros sacrificados não tiveram tempo de se reunir na arena dolorosa. As feras famintas pareciam tocadas de horrível ansiedade. E enquanto se estraçalhavam corpos misérrimos, Domício Nero mandava que todos os coros de dançarinos e todos os músicos celebrassem o espetáculo com os cânticos e bailados de Roma vitoriosa.
Incluindo-se a considerável assistência que se aglomerava nas colinas, quase meio milhão de pessoas vibrava em aplausos ensurdecedores e espantosos, enquanto duas centenas de criaturas humanas tombavam espostejadas…
Ingressando na arena, Lívia ajoelhara-se defronte do grande e suntuoso pavilhão do Imperador, onde buscou lobrigar o vulto do esposo, pela derradeira vez, a fim de guardar no fundo d’alma a dolorosa expressão daquele último quadro junto da imagem íntima de Jesus Crucificado, que inundava de emoções serenas o seu pobre coração dilacerado no minuto supremo. Pareceu-lhe divisar, confusamente, na doce claridade do crepúsculo, a figura ereta do senador coroado de rosas, como os triunfadores e, quando seus lábios se entreabriram numa última prece misturada de lágrimas ardentes que lhe borbulhavam dos olhos, viu-se repentinamente envolvida pelas patas selvagens de um monstro. Não sentira, porém, qualquer comoção violenta e rude, que assinala comumente o minuto obscuro da morte. Figurou-se-lhe haver experimentado ligeiro choque, sentindo-se agora embalada nuns braços de névoa translúcida, que ela contemplou altamente surpreendida. Buscou certificar-se da sua posição, dentro do circo, e reconheceu, a seu lado, a nobre figura de Simeão, que lhe sorria divinamente, dando-lhe a silenciosa e doce certeza de haver transposto o limiar da Eternidade.
Naquele instante, dentro do camarim de honra do Imperador, Públio Lêntulus sentiu no coração inexprimível angústia. No turbilhão daquele ensurdecedor vozerio, o senador nunca sentira tão fundo desalento e tão amargo desencanto da vida. Horrorizavam-lhe agora aqueles tremendos espetáculos homicidas, de pavor e morte. Sem que pudesse explicar o motivo, seu pensamento voltou à Galileia longínqua, figurando-se-lhe divisar, , a suave figura do Messias de Nazaret, quando lhe afirmava: — Todos os poderes do teu Império são bem fracos e todas as suas riquezas bem miseráveis!…
Inclinando-se para o seu amigo Eufanilo Drúsus, Públio desabafou a penosa impressão discretamente:
— Meu amigo, este espetáculo de hoje me apavora!… Sinto, aqui, emoções de angústia, como jamais experimentei em toda a vida… Serão escravos destinados à última pena os que ora sucumbem, sob a crueldade das feras violentas e rudes?
— Não creio — respondeu o senador Eufanilo, segredando-lhe ao ouvido. — Corre o boato de que estes míseros condenados são pobres cristãos inofensivos aprisionados nas catacumbas!…
Sem saber explicar a razão do seu profundo desgosto, Públio Lêntulus lembrou-se repentinamente de Lívia, mergulhando-se, angustiado, nas mais penosas conjeturas.
Enquanto ocorriam esses fatos, voltemos a examinar a situação de Ana, logo após a entrada dos companheiros na arena do sacrifício. Certa de que Jesus lhe havia reservado o último lugar no penoso momento do martírio, a antiga serva mantinha o espírito valoroso em orações sinceras e ardentes. Seus olhos, porém, não abandonaram a figura de Lívia, que se afastava para um recanto da arena, onde se ajoelhara, chegando a fixar o grande leão africano que lhe desferira um golpe fatal à altura do peito. Nesse instante, a pobre criatura sentiu algo de enfraquecimento, ante as tremendas perspectivas do testemunho, mas, num relance, antes que suas ideias tomassem novo curso, Aton e mais um dos colegas acercaram-se, exclamando:
— Senhora, acompanhai-nos!
Observando que os soldados a faziam voltar ao interior, protestou com energia:
— Soldados, eu nada mais desejo, senão morrer igualmente, nesta hora, pela fé em Jesus-Cristo!
Mas, reparando-lhe a coragem indomável, o preposto do Império agarrou-a fortemente pelo braço e trazendo-a para uma passagem do interior dos cárceres, que comunicava com a via pública, Aton dirigiu-lhe a palavra, quase ameaçadora.
— Retirai-vos, mulher! Fugi sem demora, pois não desejamos complicações com a vossa família!
E, dizendo-o, fechava a porta ampla, enquanto a antiga criada de Lívia tudo compreendia agora. Angustiada, chegou imediatamente à conclusão de que a indumentária da senhora lhe salvara a vida no amargurado transe. Sentiu que o pranto lhe borbotava abundante dos olhos. Suas lágrimas eram bem um misto de inenarráveis sofrimentos morais e, no íntimo, inquiria a si mesma a razão pela qual não a admitira o Senhor à glorificação dos sacrifícios daquela tarde memorável e dolorosa.
Percebia o confuso rumor de mais de trezentas mil vozes, que se concentravam em gritos retumbantes de aplauso, aclamando a corrida sinistra das feras na sua caçada humana e, passo a passo, carregando consigo o peso torturante de uma angústia sem termos, buscou o palácio do Aventino, que não distava muito do circo ignominioso, lá penetrando desalentada e silenciosa.
Apenas alguns escravos mais íntimos faziam a guarda da residência dos Lêntulus, como de costume nos grandes dias de festas populares, das quais participavam quase todos os servos. Ninguém percebeu o retorno da serva, que conseguiu despojar-se da toga com a calma precisa. Alijou as joias preciosas do vestuário, das mãos e dos cabelos e, ajoelhando-se no aposento, deixou que as lágrimas dolorosas corressem livremente, ao influxo das orações amargas que elevava a Jesus, sob o peso de suas angustiosas mágoas.
Não chegou a saber quantos minutos infindos permaneceu naquela atitude súplice e dolorosa, entre rogativas ardentes e amarguradas conjeturas sobre o seu inesperado afastamento das torturas do circo, sentindo-se indigna de testemunhar ao Salvador a sua fé profunda e sincera, até que um rumor mais pronunciado lhe denunciava o regresso do senador.
Era quase noite e as primeiras estrelas brilhavam no azul do formoso céu romano.
Penetrando no lar com o espírito inquieto e desalentado, Públio Lêntulus atingiu o vestíbulo vazio, de alma opressa, sendo, porém, imediatamente procurado pelo servo Fábio Túlio, que, havia muitos anos, substituíra Comênio, arrebatado pela morte naquele cargo de confiança.
Acercando-se do senador que entrara só, dispensando a companhia dos amigos sob a alegação de que a esposa se encontrava gravemente enferma, exclamou o antigo serviçal com atencioso respeito:
— Senhor, vossa filha manda comunicar, por um mensageiro, que continua providenciando, a fim de que tenhais notícias da senhora, dentro do menor prazo possível.
O senador agradeceu com leve sinal de cabeça, acentuando suas penosas preocupações íntimas.
Ana, contudo, na soledade de suas preces, no cômodo que lhe era reservado, verificando o regresso do amo, compreendeu o triste dever que lhe corria naquele instante inesquecível, de modo a cientificá-lo de todas as ocorrências e, em breves minutos, Fábio voltava a procurá-lo nos seus apartamentos, a fim de participar-lhe que Ana lhe pedia uma entrevista em particular. O senador atendeu imediatamente à velha serva de sua casa, tomado de indefinível surpresa.
Olhos inchados de chorar e com a voz frequentemente entrecortada por emoções rudes e penosas, Ana expôs todos os fatos, sem omitir nenhum detalhe dos trágicos incidentes, enquanto o senador de olhos arregalados, tudo fazia por compreender aquelas confidências dolorosas, na sua incredulidade e no seu pavoroso espanto.
Ao fim do terrível depoimento, álgido suor lhe corria da fronte atormentada, enquanto as têmporas lhe batiam assustadoramente.
A princípio, desejou esmagar a criada humilde, como se o fizesse a uma víbora venenosa, tomado das primeiras comoções de revolta do seu orgulho e da sua vaidade. Não queria acreditar naquela confissão horrível e angustiosa, mas o coração lhe batia apressadamente e seus nervos se exaltavam em vibrações lancinantes.
Públio Lêntulus experimentou a dor mais terrível de sua misérrima existência. Todos os seus sonhos, todas as suas aspirações e carinhosas esperanças esboroavam-se penosamente, irremediavelmente, para todo o sempre, sob a maré sombria das realidades tenebrosas.
Sentindo-se o mais desventurado réu da justiça dos deuses, no momento em que presumia efetivar a sua suprema ventura, nada mais enxergou à frente dos olhos, senão a realidade esmagadora da sua dor sem limites.
Sob os olhares comovidos de Ana, que o observava receosa, levantou-se rígido e sem uma lágrima, com os olhos raiando pela loucura, tal a sua fixidez estranha e dolorosa, e como se fora um fantasma de revolta, de dor, de vingança e sofrimento indefiníveis, sem nada responder à serva atônita, que rogava silenciosamente a Jesus lhe serenasse as angustiosas mágoas, deu alguns passos como um autômato em direção à porta, que abriu de par em par e por onde entraram as brisas suaves e refrigerantes da noite…
Cambaleando de dor selvagem através do peristilo, caminhou, depois, resoluto, como se fosse disputar um duelo com as sombras, para defender a esposa caluniada e traída, martirizada pelos criminosos daquela corte de infâmia, dirigindo-se com rapidez, sem observar o desalinho de suas vestes, para o circo, onde a plebe rematava as paixões impiedosas do seu César desalmado.
Todavia, um espetáculo mais terrível deparou-se aos seus olhos agoniados, no insulamento da sua suprema angústia moral.
Embriagados nos baixos instintos da sua perversa materialidade, os soldados e o povo colocaram os restos sinistros do monstruoso banquete das feras, naquela tarde inesquecível, nas eminências de postes e colunas improvisados à maneira de tochas, e iluminavam todo o exterior do grande recinto com o incêndio tétrico dos fragmentos de carne humana.
Públio Lêntulus sentiu toda a extensão da sua impotência diante daquela demonstração suprema de horror e crueldade, mas avançou, cambaleante de dor, como ébrio ou louco, com espanto dos que o viam a pé, em tais lugares, contemplando boquiaberto as tochas sinistras feitas de cabeças disformes e combustas.
Dava largas aos pensamentos doridos de angústia e de revolta, como se o seu espírito não passasse de um tigre encarcerado no arcabouço do peito envelhecido, quando notou a presença de dois soldados ébrios, em luta por causa de um delicado objeto, que lhe chamou repentinamente a atenção, sem que conseguisse explicar o motivo do seu inesperado interesse por alguma coisa.
Era um pequeno colar de pérolas, do qual pendia precioso camafeu antigo. Seus olhos fixaram aquele objeto estranho e o coração adivinhou o resto. Ele o reconhecera. Aquela joia fora o presente de núpcias, feito à esposa idolatrada e somente agora se lembrava do apego carinhoso da mulher ao camafeu que lhe guardava o próprio perfil da juventude, recordando a única afeição da sua mocidade.
Postou-se à frente dos contendores, que se formalizaram imediatamente em atitude respeitosa, devida à sua presença.
Interpelado com severidade, um dos soldados esclareceu humilde e trêmulo:
— Ilustríssimo, esta joia pertenceu a uma das mulheres condenadas às feras, no espetáculo de hoje…
— Quanto quereis pelo achado? — perguntou Públio Lêntulus, sombriamente.
— Comprei-a de um companheiro por dois sestércios.
— Entregai-ma! — replicou o senador, em tom ameaçador e imperativo.
Os soldados entregaram-lhe o colar, humildemente, e o senador, revolvendo as vestes, retirou pesada bolsa de moedas de ouro, jogando-a aos contendores num gesto de nojo e de supremo desprezo.
Públio Lêntulus afastou-se do ambiente nefando, mal contendo as lágrimas que, agora, lhe subiam em torrente, do coração oprimido e dilacerado.
Apertando de encontro ao peito aquele adereço minúsculo, parecia tomado de força misteriosa. Afigurava-se-lhe que, conservando aquele último vestígio da “toilette” de sua mulher, arquivara, junto de si próprio e para sempre, alguma coisa da sua personalidade e do seu coração.
Longe das luzes sinistras que iluminavam macabramente em toda a extensão a via pública, o senador penetrou por uma viela cheia de sombras.
Depois de alguns passos, notou que à sua frente se elevava para o céu uma árvore gigantesca, que poetizava todo o ambiente, com a vetustez da sua majestade frondejante. Cambaleando, encostou-se ao tronco anoso, ávido de repouso e consolação. Contemplou as estrelas que matizavam de cintilações cariciosas todo o firmamento romano e lembrou-se de que, por certo, em tal momento a alma puríssima da companheira deveria repousar na paz sublime das claridades celestes, sob a bênção dos deuses…
Num gesto espontâneo, beijou o colar minúsculo, apertou-o com dedicado enlevo de encontro ao coração e, considerando o deserto árido da sua vida, chorou, como nunca o fizera em qualquer outra circunstância dolorosa da sua atribulada existência.
Num retrospecto profundo de todo o passado amarguroso, considerava que todas as suas nobres aspirações haviam recebido o escárnio dos deuses e dos homens. No seu orgulho desventurado, pagara ao mundo os mais pesados tributos de angústia e de lágrimas dolorosas e, na sua vaidade de homem, recebera as mais penosas humilhações do destino. Ponderava, tardiamente, que Lívia tudo fizera por torná-lo venturoso, numa vida de amor risonho, simples e despretensiosa. Recordou os mínimos incidentes do passado doloroso, como se o seu espírito estivesse procedendo a meticulosa autópsia de todos os seus sonhos, esperanças e ilusões, na caligem do tempo.
Como homem, vivera unido aos processos do Estado, que lhe roubavam os mais encantadores entretenimentos da vida doméstica e, como esposo, não tivera energia bastante para armar-se contra as calúnias insidiosas. Como pai, considerava-se o mais desgraçado de todos. De que lhe valia, então, a auréola do triunfo, se ela lhe chegava como intragável cálice de amargura? De que lhe valiam, agora, as vitórias políticas e a significação social dos títulos de nobreza, bem como a vultosa expressão da sua fortuna, sob a mão implacável do seu impiedoso destino neste mundo?
Perdiam-se as suas meditações em profundos abismos de sombra e de dúvidas amargas, quando lhe surgiu na mente atormentada a figura suave e doce do sublime profeta de Nazaret, com a riqueza indestrutível da sua paz e da sua humildade.
Na plenitude de suas , pareceu ouvir ainda as extraordinárias advertências que lhe dirigira com a voz carinhosa e compassiva, junto às águas marulhentas do Tiberíades. Recordando-se intensamente de Jesus, sentiu-se tomado por uma vertigem de lágrimas dolorosas, as quais, de alguma forma, lhe balsamizavam o deserto do coração. Ajoelhando-se sob fronde opulenta e generosa, qual o fizera um dia na Palestina, exclamou para os Céus, com os olhos marejados de pranto, lembrando-se da força moral que a doutrina cristã havia proporcionado ao coração da esposa, nutrindo-a espiritualmente para receber com dignidade e heroísmo todos os sofrimentos:
— Jesus de Nazaret! — disse com voz súplice e dolorosa — foi preciso perdesse eu o melhor e o mais querido de todos os meus tesouros, para recordar a concisão e a doçura de tuas palavras!… Não sei compreender a tua cruz e ainda não sei aceitar a tua humildade dentro da minha sinceridade de homem, mas, se podes ver a enormidade de minhas chagas, vem socorrer, ainda uma vez, meu coração miserável e infeliz!…
Penosa crise de lágrimas sobreveio a essa invocação tocada de uma franqueza rude, agressiva e dolorosa.
Figurou-se-lhe, todavia, que uma energia indefinível e imponderável o ajudava, agora, a atravessar o angustioso transe.
Terminada a súplica que lhe fluía do imo da alma lacerada, o orgulhoso patrício observou que a presença de inexplicável força modificava, naquele momento inesquecível, todas as disposições mais íntimas do seu coração e, conservando-se genuflexo, notou, com a visão interior do seu Espírito, que a seu lado começava a surgir um ponto luminoso, que se desenvolveu prodigiosamente, na dolorosa serenidade daquele penoso instante de sua vida, surpreendendo-se com o fenômeno que lhe sugeria ao pensamento as conjeturas mais inesperadas.
Por fim, aquele núcleo de luz tomava forma e, diante de si, viu a figura radiosa de Flamínio Sevérus, que lhe vinha falar na tormentosa noite de sua infinita amargura.
Públio reconheceu-lhe a presença, surpreendido e espantado, identificando-lhe os traços fisionômicos e as saudações acolhedoras, como quando se dirigia a ele, na Terra. Seu semblante era o mesmo, na doce expressão de serenidade, agora tocada de triste e amargurado sorriso. Ostentava a mesma toga de barra purpurina, mas não apresentava o aspecto marcial e imponente dos dias terrestres. Flamínio contemplou-o como se estivesse assomado de piedade infinita e de ilimitada amargura. Seu olhar penetrante de espírito lhe devassava os mais recônditos refolhos da consciência, enquanto o senador se aquietava, reverente, sensibilizado e surpreendido.
— Públio — disse-lhe carinhosamente a voz amiga do duende —, não te revoltes com a execução dos desígnios divinos, que hoje modificou todos os roteiros da tua vida!… Ouve-me bem! Falo-te com a mesma sinceridade e amor que nos une os corações, de há longos séculos!… Diante da morte, todas as nossas vaidades desaparecem… nas suas claridades sublimadas; nossos poderes terrenos são de uma fragilidade misérrima!… o orgulho, amigo meu, abre-nos além do túmulo uma porta de trevas densas, nas quais nos perdemos em nosso egoísmo e impenitência!… Volta a tua casa e sorve o conteúdo da taça travosa das provas rudes, com serenidade e valor espiritual, porque ainda estás longe de esgotar o cálice de tuas purificadoras amarguras, dentro das expiações redentoras e supremas… As grandes dores, sem remédio no mundo, hão-de abrir para o teu raciocínio um caminho novo, nos eternos horizontes da crença!… Nossos deuses são expressões de fé respeitável e pura, mas Jesus de Nazaret é o Caminho, a Verdade e a Vida!… Enquanto nossas ilusões sobre Júpiter nos levam a render culto aos mais poderosos e aos mais fortes, considerados como prediletos de nossas divindades, pela expressão valiosa dos seus ricos sacrifícios, os ensinos preciosos do Messias Nazareno nos levam a ponderar a miserabilidade de nossos falsos poderes à face do mundo, abraçando os mais pobres e os mais desventurados da sorte, como a impelir todas as criaturas a caminho do seu Reino, conquistado com o sacrifício e o esforço de cada um, em demanda da única vida real, que é a vida do Espírito… Hoje sei que perdeste, um dia, a tua sublime oportunidade, mas o Filho de Deus Todo Poderoso, na sua piedade infinita e infinito amor, atende agora ao teu apelo, permitindo que a minha velha afeição venha balsamizar as feridas dolorosas do teu coração atormentado!…
O senador deixou que todo o seu pensamento se perdesse na tempestade das mais abençoadas lágrimas de sua vida. Arfando nos soluços de sua compunção, suplicava, mentalmente:
— Sim, meu amigo e meu mestre, eu quero compreender a verdade e almejo o perdão das minhas faltas enormes!… Flamínio, inspiração de minha alma dilacerada, sê o meu guia na tormentosa noite do meu triste destino!… Vale-me com a tua ponderação e bondade!… Toma-me, de novo, pelas mãos e esclarece-me o coração no tenebroso caminho!… Que fazer para alcançar do Céu o esquecimento de minhas faltas?!…
A serena visão, como se se houvera comovido intensamente ao receber aquele apelo, tinha agora os olhos iluminados por piedosa e divina lágrima.
Aos poucos, sem que Públio pudesse compreender o mecanismo daquele fenômeno insólito, observou que a silhueta do amigo se diluía levemente na sombra, afastando-se da tela de suas contemplações espirituais; mas, ainda assim, percebeu que seus lábios murmuravam, piedosamente, uma palavra: — Perdoa!…
Aquela suave recomendação caiu-lhe nalma como bálsamo dulcificante. Sentiu, então, que seus olhos estavam agora abertos para as realidades materiais que o rodeavam, como se houvera acordado de sonho edificante.
Sentiu-se algo aliviado de suas profundas dores e levantou-se para retomar, com decidido valor, o fardo penoso da existência terrena.
Regressando a casa, por volta das vinte e duas horas, ali encontrou Plínio e Flávia, que o esperavam aflitos.
Vendo-lhe a fisionomia fundamente abatida e transfigurada, a filha, ansiosa, o abraçou, num transporte de ternura indefinível, exclamando em lágrimas:
— Meu pai, meu querido pai, até agora não nos foi possível obter qualquer notícia.
Públio Lêntulus, porém, fixou nos filhos o olhar triste e desalentado, enlaçando-os silenciosamente.
Em seguida, chamou-os ao gabinete particular, para onde determinou, igualmente, a vinda de Ana, e os quatro, em conselho de família, examinaram, emocionadamente, os inolvidáveis sucessos daquele dia de provações aspérrimas.
À medida que o senador transmitia aos filhos as revelações penosas de Ana, que lhe acompanhava as palavras extremamente comovida, via-se que Flávia e o esposo traduziam no rosto as emoções mais singulares e mais fortes, sob a angustiosa impressão daquela narrativa.
Ao fim do minucioso relato, Plínio Sevérus exclamou no seu orgulho irrefletido:
— Mas não poderíamos imputar toda a culpa dos fatos a esta mísera criatura que há tantos anos serve indignamente em vossa casa?
Assim se pronunciando, o oficial apontava a serva, que baixou a cabeça humildemente, rogando a Jesus lhe fortalecesse o espírito para o testemunho daquele momento, que adivinhava penoso para os sentimentos mais delicados do seu coração.
Públio Lêntulus pareceu participar da opinião do genro; contudo, afigurou-se-lhe que as palavras de Flamínio ainda lhe ressoavam no ádito da consciência e respondeu com firmeza:
— Filhos, esqueçamos os julgamentos apressados e, se bem reconheça a falta de Ana aceitando as vestes de sua senhora, quero venerar nesta serva a memória de Lívia, para sempre. Companheira fiel dos seus angustiosos martírios de vinte e cinco anos consecutivos, ela continuará nesta casa com as mesmas regalias que lhe foram outorgadas por sua benfeitora. Apenas exijo que o seu coração saiba guardar os nossos lúgubres segredos desta noite, porque desejo honrar publicamente a memória de minha mulher, depois do seu tremendo sacrifício naquela festividade da infâmia.
Plínio e Flávia observaram-lhe, surpresos, a generosidade espontânea para com a criada que, por sua vez, agradecia a Jesus a graça do seu esclarecimento.
O senador pareceu profundamente modificado naquele choque terrível, experimentado por suas fibras espirituais.
Neste comenos, interveio Plínio Sevérus, esclarecendo:
— A vários amigos nossos que aqui estiveram para cumprimentar-vos, declarei que, em vista do nosso luto por minha mãe, não comemoraríeis o vosso triunfo político na data de hoje, informando mais, no intuito de justificar vossa ausência, que a senhora Lívia se encontrava gravemente enferma, em Tíbur, para onde fora em busca de melhoras, notícias essas que, aliás, eram recebidas pelos nossos íntimos com o máximo de naturalidade, porque a vossa consorte nunca mais frequentou a sociedade desde a volta da Palestina, sendo compreensível que todos os nossos amigos a considerassem doente.
O senador ouviu, com interesse, essas explicações, como se houvera encontrado solução para o angustioso problema que o oprimia.
Ao cabo de alguns momentos, depois de examinar a possibilidade da execução da ideia que lhe aflorara no cérebro dolorido, exclamou mais animado:
— Tua ideia, meu filho, neste particular, veio trazer-me a perspectiva de solução razoável para a angustiosa questão que me acabrunha.
Cumpre-me defender a memória de minha mulher — continuava o senador, de olhos úmidos —, e, se fora possível, iria lutar corpo a corpo com a mentalidade infame do governo cruel que atualmente nos conspurca as melhores conquistas sociais; mas, se eu fosse bradar pessoalmente a minha indignação e a minha revolta, na praça pública, seria tachado de louco; e se fosse desafiar Domício Nero seria o mesmo que tentar a imobilidade das águas do Tibre com o galho de uma flor. Neste sentido, pois, saberei agir nos bastidores políticos, para derrubar o tirano e seus asseclas, ainda que isso nos custe o máximo de tempo e paciência.
Agora, o que me compete urgentemente é prestar todas as homenagens possíveis aos sentimentos imáculos da companheira arrebatada nos torvelinhos da insânia e da crueldade.
Plínio e Flávia escutavam-no, silenciosos e comovidos, sem lhe perturbarem o curso rápido das palavras, enquanto ele prosseguia sensatamente:
— Há mais de dez anos que a sociedade romana via em minha pobre companheira uma enferma e uma demente. E já que os nossos amigos foram avisados de que Lívia se encontrava em Tíbur, talvez aguardando a morte, partirei para lá ainda esta noite, levando Ana em minha companhia…
E como se estivesse tomado por uma ideia fixa, com aquela preocupação de homenagear a morta inesquecível, Públio Lêntulus continuou:
— Nossa casa em Tíbur está agora desabitada, porque, há mais de vinte dias, Filopátor foi a Pompeia, obedecendo a determinações minhas… Chegarei lá com Ana, levando uma urna funerária que, para todos os efeitos, encerrará os restos da minha pobre Lívia… Nossos servos devem partir amanhã, igualmente, quando então mandarei mensageiros a Roma, cientificando-lhes, do acontecimento por satisfazer as pragmáticas da vida social!… Em Tíbur, prestaremos à memória de Lívia todas as homenagens, transladando, em seguida, publicamente, as cinzas para aqui, onde farei celebrar as mais solenes exéquias, na visitação pública, testemunhando, assim, embora tardiamente, minha veneração pela santa criatura que se sacrificou por nós a vida inteira…
— Mas… e a incineração? — perguntou Plínio Sevérus, prudentemente, ao conjeturar o êxito possível do projeto.
O senador, porém, não hesitou, resolvendo o assunto com a habitual energia das suas decisões:
— Se essa cerimônia requer a presença dos sacerdotes, saberei conduzir-me junto ao ministro do culto, na cidade, alegando o desejo de tudo fazer no mais reduzido círculo da minha intimidade familiar.
O que resta, tão somente, é esperar, de vocês que me ouvem, silêncio tumular sobre as providências dolorosas desta noite, a fim de não ferirmos as suscetibilidades do preconceito social.
Surpreso com aquela energia em tão penosas circunstâncias, Plínio Sevérus fez-lhe companhia naquelas horas avançadas, para a compra da urna mortuária, que foi adquirida, em poucos minutos, de um comerciante que nada indagou do estranho cliente, atendendo à circunstância da sua posição social e política, bem como à vultosa importância da compra, efetuada com significativas vantagens para o seu interesse.
Naquela mesma noite Públio Lêntulus e Ana se dirigiram com alguns escravos para a cidade de repouso dos antigos romanos, vencendo em algumas horas as sombras espessas dos caminhos e chegando com a possível tranquilidade, de modo a ambientar as derradeiras homenagens à memória de Lívia.
Todas as providências foram adotadas com profunda surpresa para todos os servos, que não ousavam discutir as ordens recebidas, e mesmo para os patrícios da cidade, que sabiam doente a esposa do senador, mas ignoravam o doloroso episódio da sua morte.
Flávia e Plínio foram chamados no dia seguinte, satisfazendo-se a todos os imperativos de ordem social, naquela penosa representação de condolências.
Um donativo mais rico e mais generoso de Públio Lêntulus ao culto de Júpiter conquistava-lhe a plena autorização do clero tiburtino, no referente à sua decisão de incinerar o cadáver da esposa na intimidade da família, sendo a memória de Lívia homenageada com todos os cerimoniais do antigo culto dos deuses, invocando-se a proteção dos manes e divindades domésticas.
Numerosos portadores foram expedidos a Roma e daí a dois dias a urna funerária chegava à sede do Império, penetrando pomposamente no palácio do Aventino, onde a esperava um soberbo catafalco.
Durante três dias sucessivos, as cinzas simbólicas de Lívia estiveram expostas à visitação do povo, tendo o senador mandado distribuir vultosos donativos, em alimentos e dinheiro, à plebe que viesse prestar as últimas homenagens à memória da sua morta querida. Longas romarias visitaram a residência, dia e noite, dando-lhe o aspecto imponente de um templo aberto a todas as classes sociais. Toda a nobreza romana, inclusive o cruel Imperador, se fez representar nas pompas daquelas exéquias, que eram como que uma expressão de remorso e uma tentativa de reparação da parte do esposo amargurado. Públio Lêntulus considerava que, somente assim, poderia agora penitenciar-se, publicamente, a respeito de sua mulher, que voltava a ocupar o lugar de veneração no círculo numeroso de amizades aristocráticas da sua família.
Terminado o último número daquelas cerimônias, o senador fez questão de que a filha e o genro, bem como Agripa, passassem a residir no palácio do Aventino, em sua companhia, no que foi atendido, em caráter provisório, segundo asseverava Plínio à mulher, e, naquela mesma noite, com a alma dilacerada de saudade e de angústias transportou, em companhia de Ana, todos os objetos de uso pessoal da esposa para os seus aposentos particulares.
Terminada a tarefa, Públio Lêntulus exclamou para a serva, com singular interesse:
— Tudo pronto?
Recebendo resposta afirmativa, insistiu, como se faltasse ainda alguma coisa, referindo-se à cruz de Simeão, guardada cuidadosamente pela dedicação de Ana, como se mais ninguém pudesse apreciar a significação especial daquele tesouro:
— Onde está uma pequena cruz de madeira tosca, que minha mulher tanto venerava?
— Ah! é verdade!… — exclamou a serva, satisfeita por observar a modificação daquela alma austera.
E, retirando do seu quarto , entregou-lha com reverência afetuosa. O senador, então, colocou-a num móvel secreto. Todavia, quem lhe acompanhasse a existência amargurada, poderia vê-lo, todas as noites, na solidão do seu aposento, junto do precioso símbolo das crenças da companheira.
Quando as luzes do palácio se apagavam, de leve, e quando todos buscavam o repouso no silêncio da noite, o orgulhoso patrício retirava do cofre de suas lembranças mais queridas a cruz de Simeão e, ajoelhado qual o fazia Lívia, parava a máquina do convencionalismo mundano, para meditar e chorar amargamente.
— Mercado de legumes — Nota de Emmanuel.
— A maioria dos historiadores do Império Romano assinala as primeiras perseguições ao Cristianismo somente no ano de 64; entretanto, desde 58 alguns dos favoritos de Nero conseguiram iniciar o criminoso movimento, salientando-se que os cristãos da época, antes do grande incêndio da cidade, eram levados aos sacrifícios, na qualidade de escravos misérrimos, para divertimento do povo — Nota de Emmanuel
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