Quem é quem na Bíblia?
Autor: Paul Gardner
Elias, o profeta: Elias, que significa “meu Deus é Jeová”, reflete seu caráter, um homem totalmente dedicado ao Senhor. Devido a esse compromisso, Deus pôde usá-lo poderosamente. Sua biografia é uma das mais coloridas e excitantes da Bíblia. Sua história é contada no meio dos relatos dos reis de Israel e Judá, entre I Reis 17 e II Reis 2. Esses capítulos mostram três aspectos essenciais para se entender o papel deste profeta e seu ministério: os milagres, a mensagem e o próprio homem.
Os milagres de Elias
Os milagres que cercaram Elias compõem o mais vívido dos três aspectos de sua vida. Seja diante do filho da viúva, que ressuscitou dentre os mortos, ou do fogo que fez cair do céu, ou ao ser arrebatado para Deus, todos esses são quadros dos quais todas as pessoas se lembram. Por trás dessas maravilhas, entretanto, está a maneira harmoniosa em que o Senhor as utiliza para ensinar sobre a fé. Os milagres representam “sinais”, os quais desafiam os que os testemunham para um momento decisivo. Portanto, eles precisam decidir se ficarão a favor ou contra Deus. Isso é muito claro no evento do monte Carmelo (1Rs 18:16-46). Elias desafiou o povo: “Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal, segui-o” (1Rs 18:21). A princípio, os israelitas nada responderam. Quando ouviram o desafio do profeta aos sacerdotes de Baal, deram seu consentimento (1Rs 18:24). Elias trouxe o povo para o seu lado, quando solicitou ajuda para consertar o altar e jogar água sobre a lenha (1Re 18:30-35). Somente quando o fogo caiu do céu, contudo, foi que todos responderam com a confissão de fé: “O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!” (1Rs 18:39). Todos então participaram na captura dos sacerdotes pagãos. Assim, o sinal miraculoso desafiou o povo a responder com fé. Um milagre semelhante, no qual Elias fez cair fogo do céu para incinerar duas companhias de soldados enviadas para prendê-lo (2Rs 1:9-12), levou a uma confissão de fé no profeta como “homem de Deus” e a uma súplica por misericórdia por parte do capitão da terceira companhia que foi enviada (2Rs 1:13-14).
As atitudes demonstradas pela viúva de Sarepta (1Rs 17:7-24) também revelam que ela confiava plenamente na mensagem do profeta. Quando entregou a Elias seu último punhado de farinha e óleo, recebeu em retorno um suprimento inesgotável, que a manteve viva durante todo o tempo da seca. Quando o profeta restaurou a vida de seu filho, a acusação feita por ela: “Vieste a mim para trazeres à memória a minha iniqüidade e matares a meu filho?” (1Rs 17:18) transformou-se numa confissão de confiança na missão e no ministério do profeta: “Agora sei que tu és homem de Deus, e que a palavra do Senhor na tua boca é verdade” (1Rs 17:24).
Os últimos milagres de Elias ocorreram na companhia de seu sucessor espiritual, Eliseu (2Rs 2:1-12). O profeta fez o caminho inverso pelo qual os filhos de Israel entraram na Terra Prometida: da região montanhosa de Betel e Ai para a região de Jericó e finalmente para o Jordão. Assim como aquelas águas se dividiram para o povo ocupar a banda ocidental de Canaã, o mesmo aconteceu a fim de que Elias passasse para o lado oriental do rio. Quando Eliseu contemplou aquele grande milagre, rogou ao seu mestre: “Peço-te que haja porção dobrada de teu espírito sobre mim” (2Rs 2:9). Do outro lado do Jordão, como aconteceu com Moisés antes dele, foi concedida a Elias uma bênção especial, no momento de sua partida desta vida: subiu ao Céu num redemoinho. Seu sucessor então confessou o poder do Deus de Israel: “Meu pai, meu pai, carros de Israel, e seu cavaleiros!” (2Rs 2:12). Suas atividades posteriores demonstrariam a fé no Senhor de Elias que Eliseu agora possuía (2Rs 2:14).
A mensagem de Elias
Os milagres de Elias serviram para chamar muitas pessoas em Israel de volta a Deus. Sua mensagem, contudo, teve uma recepção diferente. Enquanto os prodígios inspiravam uma resposta dos israelitas desobedientes e mornos de todas as camadas sociais, a palavra do profeta era dirigida especificamente aos reis (e rainha também, como no caso de Jezabel) de Israel e Judá. Elias advertiu Acazias de que sua consulta a Baal-Zebube, o deus de Ecrom, concernente à doença que tinha no pé, constituía grave pecado, o qual seria punido com sua morte (2Rs 1:1-17). Acazias morreu sem demonstrar sinais de arrependimento. A única menção de Elias em Crônicas ocorre quando enviou uma mensagem ao rei Jeorão, de Judá (2Cr 21:12-20). O profeta advertiu o rei de que suas práticas pagãs e assassinas, mais semelhantes às de Acabe do que as dos seus predecessores em Judá, o levariam a uma morte horrível. A notícia de que esse monarca morreu de uma enfermidade extremamente dolorosa nas entranhas e de que seu falecimento não foi lamentado pelos súditos confirmou as palavras de Elias e também demonstrou a falta de arrependimento do rei de Judá.
O relacionamento de Elias com Acabe ilustra a mais significativa mensagem do profeta e a falta de arrependimento de um líder. Nenhum outro rei de Israel recebeu tantas advertências e também nenhum outro governante caiu tão profundamente no pecado. O ministério de Elias começou por meio de um aviso a Acabe, com respeito à seca (1Rs 17:1). Ainda assim, tudo o que esse rei fez foi enviar patrulhas para tentar capturar o profeta (1Rs 18:1-14). No final, dirigido por Deus (1Rs 18:15-19), Elias escolheu o tempo e o local para os dois se encontrarem. Em sua primeira explicação a Acabe sobre as razões da seca, o profeta deixou claro que era devido aos erros do próprio rei: “Eu não tenho perturbado a Israel, mas tu e a casa de teu pai. Deixastes os mandamentos do Senhor, e seguistes os baalins” (1Rs 18:18). O milagre no monte Carmelo provou a superioridade de Jeová sobre as falsas divindades. Embora fosse dirigida a todo o povo, Deus usou Elias para dar essa demonstração individual do poder divino para Acabe. Enquanto o rei corria em sua carruagem em direção a Jezreel para comemorar a vinda da chuva, o profeta o ultrapassou (1Rs 18:45-46). Apesar de tudo, a poderosa demonstração da fé de Elias ao reter e depois liberar as chuvas (Tg 5:17-18) não demoveu Acabe de sua falsa adoração.
A mensagem do profeta não causou nenhuma mudança no comportamento de Acabe. Influenciado por sua esposa Jezabel, que era da cidade de Tiro (1Rs 21:25), o rei continuou envolvido com a cultura cananita ao seu redor. Cobiçou a plantação de uvas de um súdito, em Jezreel (1Rs 21). Embora fosse um patrimônio dado à família de Nabote pelo próprio Deus, isso pouco significava para Acabe e muito menos para Jezabel, sua esposa. Ela garantiu que o rei teria o que desejava, sem se importar com a aliança entre o Senhor e seu povo. Nabote foi falsamente acusado e condenado à morte. Acabe apossou-se da vinha. Por tudo isso, Deus enviou uma mensagem de condenação transmitida por Elias. O rei em breve morreria. Jezabel também faleceria e os cães lamberiam o sangue de seus cadáveres. Era um julgamento terrível, pois significava que não descansariam com seus ancestrais, mas morreriam sem ser lamentados, além de amaldiçoados por Deus. De todos os reis para os quais Elias proferiu palavras de advertência, somente Acabe respondeu positivamente. Lemos que rasgou suas roupas, vestiu-se de saco e jejuou. Humilhou-se diante de Deus e o Senhor respondeu que retardaria a condenação até o reinado de seu filho (1Rs 21:27-29). Ainda assim, o castigo viria, conforme o profeta predissera. O rei foi morto e os cães lamberam seu sangue (1Rs 22:34-38). Jezabel também teve o mesmo destino (2Rs 9:30-37). Finalmente, toda a dinastia de Acabe foi exterminada por Jeú (2Rs 10). Exatamente como Deus dissera (1Rs 19:17), assim aconteceu.
Todas as mensagens de Elias se cumpriram. O verdadeiro propósito delas, entretanto, era mais do que um pronunciamento de condenação. O seu ministério profético levaria o povo ao arrependimento, numa época de apostasia nacional. Seus milagres proporcionaram ajuda visual que desafiava as pessoas, as quais não estavam preparadas para ouvir seus argumentos. A resposta que davam, contudo, contrastava com a recusa e com o coração endurecido da maioria dos líderes que ouviram as mensagens de Elias. As advertências sobre o juízo de Deus eram designadas para produzir arrependimento nos ouvintes e nas gerações posteriores, que lembrariam as palavras do profeta quando suas mensagens se cumprissem (2Rs 9:36-2Rs 10:10-17).
Elias, o homem
A questão da apostasia nacional introduz o terceiro aspecto da vida do profeta, preservado no texto bíblico: o homem Elias. Esse aspecto é dividido em duas partes: a sua solidão e o arquétipo do papel profético que ele desempenhou. O primeiro examina o relacionamento único entre Elias e Deus e entre o profeta e os que foram chamados para ouvir suas mensagens. O arquétipo profético começa com seu sucessor, Eliseu, e termina no Novo Testamento.
A solidão do profeta engloba todas as áreas de sua vida e ministério. Começa com sua origem, pois veio de Gileade, a leste do Jordão (1Rs 17:1). Assim, na capital e nas cidades principais do reino do Norte, seria considerado um provinciano. Provavelmente era tido por muitas pessoas como um fanático, procedente de uma região subdesenvolvida. Mesmo assim, é de tais lugares desprezíveis que Deus freqüentemente escolhe seus profetas e mensageiros, seja de Gileade seja da Galiléia. Esse exemplo muitas vezes serve de testemunho contra pessoas que se consideram superiores às outras; mas o Senhor não pode encontrar entre elas ninguém com fé suficiente para agir como mensageiro da Palavra de Deus.
No caso de Elias, seu ministério o colocou em contato com os que não tinham nenhuma consideração por sua maneira “simples” de cultuar apenas a Yahweh. Preferiam a sofisticada religião urbana dos cananeus, que integravam deuses de grandes e ricos centros comerciais, como Tiro. O monte Carmelo provavelmente era um santuário na fronteira entre a Fenícia e Israel. Assim, implicava a introdução de uma divindade pagã entre os israelitas como o deus principal. O chamado de Elias para confrontar essa impiedade foi o exemplo de um ministro solitário, que permaneceu firme contra o poder de centenas de oponentes apoiados pelo Estado (1Rs 18:19). A eficiência de Deus não foi comprometida pela desigualdade dos dois lados. Na verdade, tal disparidade serviu para mostrar de maneira ainda mais vívida o poder da fé em operação. A experiência, entretanto, poderia apenas aumentar o sentimento de solidão que Elias sentia. Esteve escondido por dois anos, sem nenhuma outra companhia a não ser a de uma viúva e seu filho (1Rs 17:1-24). Ainda que tivesse notícia de outros profetas de Yahweh (1Rs 18:13), estavam todos escondidos e não lhe deram nenhum apoio. Portanto, não é surpresa quando o profeta, temendo as represálias de Jezabel, fugiu para Horebe, a fim de salvar a própria vida (1Rs 19:1-8). Seu sustento miraculoso ali, por quarenta dias, evoca a imagem de Moisés em comunhão com Deus (Ex 24:18), mas também confirma a imagem de uma figura solitária separada do meio de um povo pecaminoso. Duas vezes o Senhor perguntou a Elias por que tinha ido ali e duas vezes ele respondeu com as mesmas palavras de ressentimento (1Rs 19:10-14; cf. Rm 11:2-3): “Tenho sido muito zeloso pelo Senhor Deus dos Exércitos. Os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derrubaram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada. Só eu fiquei, e agora estão tentando matar-me também”.
A solidão de Elias atinge seu clímax nessa cena. Até aquele momento estava acostumado a expressar a presença de Deus por meio da utilização de magníficos milagres de “efeitos especiais”. O Senhor, entretanto, mostrou ao profeta que a presença divina não se apóia em tais demonstrações de poder, mas na aparente fraqueza de palavras proferidas com brandura (1Rs 19:11-13). Dali em diante, seu ministério enfatizaria a palavra, em lugar da ação. Além disso, seu trabalho não seria solitário, mas desempenhado juntamente com outros profetas fiéis.
Tudo começou com a indicação de Eliseu, que levou o ministério adiante após o arrebatamento de Elias e incluiu a unção de Hazael e Jeú como reis da Síria e de Israel, respectivamente (1Rs 19:15-17). Esse cuidado em lidar com a solidão do profeta é evidente pelos personagens piedosos que surgem nos capítulos que seguem a cena do monte Horebe (1Rs 19). Diferentemente de I Reis 17:18, onde Elias trabalhou sozinho, de agora em diante suas atividades são intercaladas com outros eventos e profetas. O primeiro sinal foi o chamado de Eliseu (1Rs 19:19-21). Aparecem os servos de Deus anônimos que trabalham em I Reis 20. Elias reaparece no relato sobre a plantação de Nabote (1Rs 21:1-29), em consonância com as profecias de Micaías, filho de Inlá (1Rs 22:1-28), que confirmaram especificamente o que Elias já profetizara sobre a morte de Acabe. Em II Reis 1, o profeta reaparece com uma mensagem para Acazias, a qual pronunciou quando estava sozinho; mas, em II Reis 2, fazia-se acompanhar por Eliseu e encontrou grupos de profetas em Betel e Jericó. O ministério de Elias é um exemplo do que um indivíduo que obedece à Palavra de Deus pode realizar. Também é um exemplo de como a fé pública de uma pessoa torna-se o elemento catalisador e leva outros a ter a ousadia de também demonstrar publicamente a confiança em Deus.
Já notamos o simbolismo de Elias como sucessor de Moisés, o qual teve um encontro com Deus em Horebe e deixou esta vida de uma maneira especial. Elias também representa Josué e o povo de Israel, que atravessaram o rio Jordão a pé enxuto. Muito mais importante, porém, é o seu papel como um arquétipo profético. Embora já existissem profetas em Israel antes dele, ele desempenhou um papel especial. Seus milagres e sua mensagem foram levados adiante por Eliseu, o qual pediu porção dobrada do poder que Elias possuía e começou seu ministério repetindo o último milagre de seu mestre: a divisão das águas do rio Jordão (2Rs 2:14). A palavra de juízo de Elias para o reino do Norte foi assimilada pelos profetas Oséias e Amós, que também escreveram suas mensagens para Israel. Um século depois do ministério de Elias, eles proferiram a mesma palavra de juízo pelos pecados do povo e dos governantes. Essa mensagem também foi proferida para o reino do Sul, por figuras como Isaías e Jeremias. Até mesmo o último profeta do AT, Malaquias, prometeu o retorno de “Elias”, que ofereceria uma esperança para o arrependimento antes do juízo (Ml 4:5-6).
No NT essa profecia é lembrada e incorporada em parte com a vinda de João Batista (Lc 1:17). Este, também um solitário, chamou o povo ao arrependimento, junto às margens do rio Jordão. João recusaria a identificação (Jo 1:21-25), mas Jesus alegou que ele era o “Elias” que havia de vir (Mt 11:14; Mt 17:10-13; Mc 9:11-13). Posteriormente, algumas pessoas confundiriam Jesus com Elias (Mt 16:14; Mc 6:15; Mc 8:28; Lc 9:8-19). Cristo, no entanto, nunca reivindicaria essa identificação, embora ligasse seu ministério ao desse profeta, como alguém enviado aos que viviam fora de Israel (Lc 4:24-26). O próprio Elias reaparece na Transfiguração, juntamente com Moisés, como representante de todos os profetas que esperaram o advento do Messias (Mt 17:2-9; Mc 9:2-10; Lc 9:28-36). Elias conversaria com Jesus e o animaria a prosseguir no caminho de solidão e auto-sacrifício que o levaria à cruz (Lc 9:31). Assim, fica claro o quanto era equivocado o escárnio dos que na crucificação sugeriram que Ele chamava por Elias e que o profeta poderia livrá-lo (Mt 27:47-49; Mc 15:35-36). O sacrifício redentor de Cristo era o propósito pelo qual Elias realizara seu ministério enquanto esteve na Terra. Era o propósito de seu retorno simbólico, na figura de João Batista. E era também o alvo sobre o qual Elias conversou com Jesus, na Transfiguração. (Veja Profetas e Profecia.) R.H.