A problemática do sofrimento se apresenta, à luz do Espiritismo, com uma dimensão desconhecida pela maioria das doutrinas filosóficas e religiosas, ampliando a sua área de estudo e discussão.
As religiões ortodoxas resolveram a questão da Justiça Divina mediante a aplicação das penas e recompensas eternas.
Estabeleceram o conceito de punição eterna, engendrando uma forma de vingança celeste, na qual o amor, a compaixão, a benevolência e a própria justiça ficam à margem, desconsiderados.
O infrator, segundo esse critério, perde o direito à reabilitação.
Mesmo quando ignorante, psicopata ou simplesmente revel, ao tombar no erro é condenado sem remissão, caso morra em pecado.
Com a mesma atitude, num momento severa, noutro, torna-se ingênua, diante do medroso que se arrepende ou do astuto que diz submeter-se ao dogma ou aceitar o cristo como seu salvador, liberando-o, a passe de mágica, de todo o sofrimento e brindando-o com a perpétua felicidade, que é reservada ao justo, como se procedimentos díspares merecessem a mesma qualificação e recompensa.
A culpa assinala a consciência que se abre em chaga viva até a reparação do erro, a recomposição do campo energético agredido.
O arrependimento sincero ou os propósitos honestos de reabilitação não bastam para conceder o reequilíbrio no psiquismo e na emoção do delinquente.
Por isso, quanto mais esclarecido e lúcido o infrator, tanto maior o grau da sua responsabilidade.
O erro retém o seu autor nas próprias malhas, que este deve desfazer mediante a correção do que foi praticado.
Esse labor faculta dignificação, promovendo o indivíduo.
Liberado do mal praticado, adquire experiência e avança, estrada a fora, no rumo de novos patamares para a felicidade, sem retentivas a retaguarda.
Nem mesmo o perdão que a vítima concede ao seu malfeitor libera-o da consciência de culpa.
Ajuda-o, naturalmente, a sentir-se melhor consigo próprio e com aquele a quem prejudicou, estimulando-se, ele mesmo, para reparar o dano causado.
Mediante a concessão do amor e não o ódio em forma de revide, torna-se-lhe mais factível a vitória, recuperação moral, assim liberando-se do sofrimento.
A ilusão da posse, a presença das paixões primitivas, o egoísmo, agasalhados enquanto no corpo, transferem as chagas que geram para além da sepultura.
Desde que o homem é Espírito e este, energia, as suas mazelas permanecem impregnadas, produzindo as ulcerações alucinantes onde quer que este se encontre: no corpo ou fora dele.
Não provocando real alteração em ninguém, a morte apenas transfere os seres de posição e situação vibratória, mantendo-ps conforme são.
É natural que a troca de indumentária imposta pelo cessar do fenômeno biológico não lhe arranque as estratificações na área da energia, portanto, na sede da consciência.
O desencarnado desperta além das vibrações moleculares do corpo com as mesmas aptidões, ansiedades, engodos, necessidades cultivadas, boas ou más, voltando a assumir a postura equivalente ao grau de evolução em que estagie.
As sensações que lhe são predominantes na individualidade permanecem-lhe, quando atrasado, sensual, amante dos prazeres, vinculado aos pensamentos sinistros, licenciosos, egoísticos, fazendo-o experimentar a mesma densidade vibratória que lhe era habitual durante a conjuntura orgânica.
Rematerializa-se e passa a viver como se estivesse encarcerado no corpo somático, sofrendo-lhe todos os limites, conjunturas, condicionamentos, doenças, desgastes...
A mente, escrava das sensações, elabora formas ideoplásticas que o aturdem e infelicitam, tornando-lhe o sofrimento de difícil descrição.
Tenta o contato com os familiares e amigos que ficaram, e eles não se apercebem, o que lhe aflige dores morais superlativas, levando-o à loucura, à agressividade, ao desalento.
Em alguns momentos, esbraveja e exaure-se, entregando-se aos paroxismos do desespero e desmaia, para logo recomeçar, sem termo, até quando brilha na consciência entenebrecida o amor, que o desperta para outro tipo de sofrimento, o de remorso, do arrependimento que o conduz ao renascimento, para a recuperação sob os estigmas da cruz que traz insculpida na existência.
Enquanto não lhe chega esse socorro, une-se em magotes de desesperados, que constroem regiões dantescas, onde se homiziam e prosseguem sob o açodar das penas que o automatismo das leis de Deus, neles próprios, como em todos nós inscritas, impõem.
O sofrimento, nessas regiões, decorre dos atentados perpetrados com a anuência da razão.
Ninguém se evade das consequências dos seus atos, como planta alguma produz diferente fruto da sua própria estrutura fatalista.
O amor é a grande lei da vida.
É o amor que estabelece o critério de justiça com igualdade para todos, respondendo em reação conforme praticada a ação.
A conduta mental e moral cultivada durante a existência corporal propicia resultados correspondes, impregnando o ser com os hábitos que se transformam em experiências de libertação ou retenção, consoante a qualidade de que de revestem.
O prolongamento da vida após a morte física faz-se com as mesmas características, resultando as fixações como futuros critérios de comportamento.
Porque a mente viciada gera necessidades que não encontram correspondente satisfação, o sofrimento é a presença constante naqueles que se enganaram ou lograra prejudicar os outros.
Consciências encarceradas na ignorância das leis da vida, quando são chamadas ao sofrimento purificador, entregam-se à rebeldia e buscam fugir da colheita que lhes chega mediante o suicídio horrendo.
Para a própria desdita, mais dolorosa, encontram a vida que ultrajaram com o gesto desvairado, somando às novas dores a frustração por constatarem-se como indestrutíveis, e as aflições decorrentes do ato praticado, que produzem dilacerações no perispírito que passa, então, a sofrer males que não conduzia.
Além desses, estão na sua realidade espiritual, as consequências infelizes, tais: a dor dos familiares ou a revolta que neles se instala; o exemplo negativo, que estimula outras futuras defecções; os problemas que recaem sobre os que ficaram, produzindo-lhes sofrimentos inenarráveis, que se arrastam por decênios largos até o momento de retorno à Terra, com as marcas da deserção.
Noutros casos, buscando fugir às enfermidades degenerativas, outras pessoas recorrem à eutanásia, na ingênua perspectiva de sono eterno sem despertar, quando tudo fala de vida, de atividade, de progresso.
O letargo que buscam é povoado de pesadelos sombrios e presenças espirituais impiedosas, que lhes invectivam o ato e as atormentam sem descanso.
A morte, em hipótese alguma, faz cessar o sofrimento, porque, não anulando a consciência, faculta-lhe logicar e vivenciar o prosseguimento das experiências, e porque as percepções pertencem ao Espírito, continuam sendo transformadas as delicadas engrenagens da energia em sensações e emoções.
Daí a manifestação do sofrimento corrigindo os erros e conduzindo o infrator à reparação.
Ninguém pense em morrer para libertar-se, caso não se libere antes do fenômeno de alterações biológicas pelo processo da morte.
A ilusão que se permite os indivíduos, conceituando a vida como um acidente biológico, à a grande responsável pelos disparates que lhes engendram dor e sofrimento.
Somente a conscientização, a verdadeira individualização permitem uma vida saudável, na Terra e além dela, quando ocorre o fenômeno da morte, em natural processo final de ciclo biológico.
Prosseguindo o ser, além da disjunção cadavérica, com a consciência de si mesmo, é natural que permaneçam nele impressas as sensações e emoções amplamente vividas.
Omo efeito, aquelas que lhe constituíram bênção ou desarmonia predominam com mais vigor, dando curso à vida, embora noutra dimensão.
Nessa panorâmica, ressaltam as impressões grosseiras, de que não quis ou não de pôde libertar, gerando sofrimentos correspondentes, qual se permanecesse na esfera física.
Como é compreensível, as fantasias cultivadas e os desequilíbrios da insensatez geram, na área dos sentimentos, amarguras, que são complementadas pelos complexos resultados da consciência de culpa, em razão dos erros perpetrados e de tudo quanto de positivo ele houvera podido realizar e não logrou fazer.
A consciência que se apresenta culpada engendra mecanismos de reparação que se transformam em pesadelos de arrependimento desnecessário, assim permanecendo como látego inclemente a infligir-lhe punição.
O arrependimento deve constituir um despertar da responsabilidade que convida à reconstrução, à renovação, à ação reparadora sem aflição nem desdita.
O sofrimento no além-túmulo também assume condições chocantes, quando o desencarnado, por meio da perturbação do após-morte, entrega-se às ideoplastias do cotidiano, construindo psiquicamente um clima e uma realidade, nos quais se envolve, que lhe proporcionam o prosseguimento do estado orgânico com as suas difíceis conjunturas, agora em situação diferente, prolongando a ilusão carnal com todos os seus ingredientes perturbadores, que são resultado do apego à matéria, de que se não libertou realmente, apesar do fenômeno biológico da morte.
É indispensável a libertação dos condicionamentos materiais, disciplinado a mente e a vontade, de modo a adaptar-se de imediato à vida-além-da vida.
Somente assim o sofrimento pode ser evitado, especialmente se a existência corporal fez-se caracterizar pelas ações enobrecidas, atingindo a finalidade precípua da reencarnação, que é a busca da felicidade.
A educação moral e espiritual do ser é o instrumento seguro para libertá-lo do sofrimento na Terra, como no além-túmulo, facultando-lhe vida em abundância de paz. "Irmãos, tomai como exemplo, só sofrimento e na paciência, os profetas que falaram em nome do Senhor.
Eis que chamamos felizes aos que sofreram.