7. Mas vendo João que muitos fariseus e saduceus vinham ao seu mergulho, disse-lhes: geração de víboras, quem vos recomendou que fugísseis da ira vindoura ?
8. Dai pois frutos dignos de vossa reforma mental.
9. E não queirais dizer dentro de vós mesmos: Temos como pai a Abraão; porque vos declaro que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.
10. O machado já está posto à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não dá bom fruto, é cortada e lançada ao fogo".
7. Dizia então às multidões que saiam para ser mergulhadas por ele: "geração de víboras, quem vos recomendou que fugísseis da ira vindoura.
8. Dai pois frutos dignos de vossa reforma mental e não comeceis a dizer dentro de vós: Temos como pai a Abraão: porque vos declaro que destas pedras Deus pode suscitar filhos à Abraão.
9. O machado já está posto à raiz das árvores: toda árvore, pois, que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo.
10. Perguntava-lhe o povo: "Que havemos então de fazer"?
11. Respondeu-lhes: "Aquele que tem duas túnicas dê uma ao que não na tem; e aquele que tem comida, faça. mesmo".
12. Foram também publicanos para serem mergulhados e perguntaram-lhe: "Mestre, que havemos de fazer"!
13. Respondeu ele: "não cobreis mais do que aquilo que vos está prescrito".
14. Perguntaram-lhe também uns soldados: "E nós. que havemos de fazer"? Respondeu-lhes: "A ninguém façais violência, nem deis denúncia falsa: contentai-vos com o vosso soldo".
Aqui entram em cena os fariseus e o saduceus. Estudemos quem eram.
Na época de Jesus eram cerca de seis mil. Seu nome primitivo parece ter sido hassidim (os piedosos), mas entre si se tratavam como haberim (os companheiros). Os adversários os chamavam depreciativament "fariseus" (pherusin) que significa "os separados". Tratava-se da separação das coisas e pessoas" impuras" (ou seja, dos pagãos e dos judeus infiéis, que não davam muita importância às observ âncias legais). Além de obedecer rigorosamente à Torah, seguiam à risca a Mishna (tradição selecionada pelos escribas, compreendendo tanto a tradição jurídica (halacha) quanto à histórica (hagada).
"as almas são imortais; as almas dos justos passam, depois desta vida, em outros corpos, e as dos maus sofrem tormentos que duram sempre".
c) no livre arbítrio, embora não total, mas limitado pelo "destino" em certos pontos.
A separação, levada ao exagero, tornou os fariseus um grupo antipatizado. Além disso, tendo perdido a sinceridade inicial e cedendo às fraquezas humanas levavam a observância às coisas externas, muito atentos a que fossem vistos e aplaudidos pelos homens. Daí terem passado à história como protótipos dos que dão valor apenas às exterioridades, sem nenhum aprofundamento, e como sinônimo de hipócritas (a palavra hipócrita significa literalmente "ator", ou seja, aquele que representa uma peça de teatro" escondido" (crites) "debaixo" (hipo) de uma personalidade diferente da sua personalidade real).
Com efeito, além das 613 prescrições do código "mosaico", havia numerosas outras tradições que escravizavam os fariseus. Vários tratados do Talmud e o 6. º seder, assim como o último, intitulado Tehar ôth da Mishna, compreendendo 12 tratados, enumeram as "infrações" possíveis. O receio de errar paralisava-lhes o espírito, e a religião tornava-se mesquinho formalismo. O homem passava a julgar-se um justo por suas próprias forças, obra de suas mãos, porque jejuava às segundas e quintas feiras e cumpria a lei... Isso o levava a presunção, ao amor próprio, ao orgulho, fomentando de fato a hipocrisia, por se julgarem muito melhores e superiores aos outros.
SADUCEUS - Seu nome é provavelmente originário de Sadoc, sumo sacerdote da época de David (2SM
Lucas, que é mais preciso nos pormenores, coloca na boca de João, como dirigida à multidão, a reprimenda que Mateus esclarece ter sido específica para os fariseus e saduceus, que tinham ido procurá-lo à margem do Jordão.
Chama-os englobadamente "geração (filhos) de uma víbora", serpente muito comum às margens do Mar Morto. A víbora é cheia de astúcia e veneno; ao invés de abrigar-se sob as areias, como alhures, fugia às enchentes imprevisíveis do Jordão vivendo sobre as árvores. A isso alude João, quando indaga quem lhes havia ensinado a fugir da "ira vindoura", isto é, da ação do carma, que lhes era devido por seus erros e enganos. E pede-lhes não palavras e confissões (simples "arrependimento"), mas frutos, isto é, obras que lhes comprovem a reforma mental.
Depois, desilude-os quanto à esperança de obter vantagens só por seus títulos de "filhos de Abraão".
Vem isto esclarecer que não basta estar filiado a esta ou aquela doutrina religiosa, não bastam os privil égios de raça, mas só o merecimento é que vale, o merecimento pessoal, individual.
Alude a seguir às pedras, das quais Deus pode suscitar filhos a Abraão. A frase, para os que conhecem as leis da evolução, nada tem de absurda: todos os seres humanos já passaram, na fieira dos milênios, pelo estágio do mineral, das "pedras", e chegamos ao estado atual. E a evolução prossegue sempre. Os pagãos conheciam essa transformação, e a expressaram na "história de Deucalião e Pirra" (Deucalião era casado com Pirra. Julgando Zeus que os homens da idade de bronze estavam viciados, resolveu inundar a Terra com um dilúvio. Dele só escapariam os dois justos Deucalião e Pirra. A conselho de Prometeu, construíram uma "arca", onde passaram nove dias sobre as águas, desembarcaram nas montanhas da Tessália. Chegou a eles Hermes, da parte de Zeus, oferecendo que escolhessem o que quisessem. Pediram que lhes dessem companheiros. Receberam a ordem de jogar por cima de suas costas "os ossos de sua mãe". Pirra julgou isso uma impiedade, mas Deucalião compreendeu que se tratava de "pedras", que são os ossos da "mãe" Terra. As pedras que Deucalião lançava tornavam-se homens e as que Pirra lançava tornavam-se mulheres. Ovídio, Metamorfoses, I, 125-415).
Continuando, aparece em frase vigorosa e imagem de rara felicidade literária, a figura do lenhador, com o machado já em posição de derrubada, para desarraigar as árvores que não produzem bons frutos, a fim de transformá-las em lenha. Não há tempo a perder: é hora de apressar-se, para que não seja tarde demais.
Lucas prossegue, exemplificando os ensinamentos de João, dando-nos três respostas típicas : a) ao povo - ajudar e servir, distribuindo o que for supérfluo, com os que necessitam. Para que duas túnicas, se só vestimos uma de cada vez? e tendo uma guardada em casa, veremos sem remorsos alguém que está nu a nosso lado? e tendo comida, deixaremos o nosso próprio eu em outro corpo a morrer à míngua?
b) aos publicanos (cobradores de impostos) - não cobrar mais do que está prescrito, isto é, limitar-se à justiça.
c) aos soldados - não fazer violência nem dar denúncia falsa, assim como satisfazer-se com o que ganha.
São, como vemos, ações externas, da personalidade, o mínimo que se pode exigir de quem deseje progredir.
Embora nada disso constitua ascensão espiritual, todavia é a preparação para ela: o andaime não é a casa, mas sem aquele, esta não se ergueria do chão.
O que João pede é: a) divisão fraterna dos bens; b) justiça nas cobranças; c) energia sem violência; d) não caluniar ninguém; e) conformar-se sem ganância.
Aos humildes (povo, pecadores, soldados) dirige-se com brandura, bem diversa das invetivas contra os poderosos (saduceus) e os vaidosos (fariseus). Apresenta os conceitos de dever, sem exagerar nos direitos, sem prejudicar ninguém, sem abusos. Em resumo: caridade e justiça, como pregava Isaías: "dividir o pão com o faminto, abrigar os pobres sem teto, vestir os nus, não furtar-se aos deveres diante dos irmãos" (IS
Há muita gente que procura iludir aos outros e a si mesmos, no caminho do progresso e da evolução espiritual. Os hipócritas (fariseus), em sua espiritualidade formalista externa, de rituais complicados e minuciosos, julgando-se superiores, correm pressurosos para serem os primeiros a usufruir as vantagens religiosas, a fim de receber os elogios do povo. E os que estão em posição de proeminência (saduceus), embora materialistas de convicção, ambicionam ser tidos como rigorosos no cumprimento da lei, para não perderem suas posições de mando e influência.
Ambas essas classes são severamente repreendidos por João, a quem não interessa "agradar", mas sim pregar a Verdade prestes a chegar. Sua tarefa de Precursor estava acima das conveniências humanas.
Não lhe importava angariar adeptos e bajuladores, nem número de criaturas nem a elevada posição social, ou religiosa, dos discípulos: sua missão era despertar os amadurecidos que aguardavam, no imo do coração, a voz de comando. O Arauto não se deixava levar de "respeitos humanos", mas falava abertamente, embora soubesse que estava sujeito a ser abandonado, e depois combatido e perseguido pelos grandes do mundo e da religião. Mas a Verdade tinha que ser proclamada desassombradamente, apesar das dolorosas consequências terrenas que pudessem advir daí.
O momento crucial estava à porta: o machado que derrubaria as vaidades ilusórias já estava à raiz das árvores, e se não houvesse sinceridade nos grandes, os pequeninos, humildes e ignorantes perante o mundo viriam tomar-lhes o lugar: embora "pedras", ainda presas da letra, se transformariam em" filhos de Abraão", em eleitos no "reino dos céus". Os rebeldes e fingidos seriam lançado no fogo do carma da "ira vindoura".
Mas todos os que demonstram real arrependimento e boa vontade eficiente de trilhar a nova senda, esforçando-se de alma e corpo, esses serão aproveitados, desde que substituam os erros do egoísmo pela caridade, da usura pela generosidade, do abuso pela benevolência, da violência pela cordialidade, da crítica acerba pela compreensão, da ambição desmedida pela conformação resignada.