Sabedoria do Evangelho - Volume 4

CAPÍTULO 21

CONVERSA COM OS IRMÃOS



JO 7:2-9


2. Estava próxima a festa dos judeus, a das cabanas.


3. Disseram-lhe então seus irmãos: "Parte daqui e vai para a Judeia, para que também teus discípulos vejam as obras que fazes,


4. pois ninguém faz nada em segredo e procura ele mesmo estar em público. Se fazes essas coisas, manifesta-te ao mundo".


5. Pois nem seus irmãos acreditavam nele.


6. Disse-lhes, então, Jesus: "Minha época ainda não está presente; mas vossa época está sempre presente.


7. O mundo não pode odiar-vos, mas a mim odeia, porque eu testifico a respeito dele, que suas obras são más.


8. Subi vós a esta festa; eu não subo a esta festa, porque meu tempo ainda não está completado".


9. Tendo-lhes dito isto, ficou na Galileia.

Estamos em fins de setembro ou princípios de outubro do ano 30, já que a festa dos Tabernáculos (em hebraico hag hasseqot, "festa da cabanas": em grego skênopêgía ou heortê skênôn, "festa das tendas") era celebrada entre 14 e 21 de Tishri, ou seja, mais ou menos entre 1 e 8 de outubro. Constituía uma das três grandes solenidades em que os israelitas eram obrigados a ir a Jerusalém.

A festa foi estabelecida e regulamentada em Êxodo (23:15-16 e 34:22), no Levítico 23:34-3, no Deuteronômio 16:13-3 e em 2. º Esdras 8:14-3 e tinha duplo objetivo: agradecer as colheitas do ano (EX 23:16) e comemorar a longa estada dos israelitas no deserto, onde habitavam em tendas (LV 23:43). Durante os oito dias eram feitas ofertas especiais (NM 29:12-38).

Os homens dirigiam-se a Jerusalém carregando ramos de oliveiras, mirta, palmeiras, cidra ou salgueiro, cantando a palavra Hosanna (Salmo 118:25) "salva agora" ou "salva-nos, te pedimos", seguida da expressão "Bendito o que vem em nome de YHWH" (Salmo 118:26).

Durante os dias da festa (todos eles "feriados"), os israelitas saíam do conforto de seus lares, indo habitar em cabanas improvisadas nos campos, nas praças, nas ruas ou nos terraços das casas (NM 8:14-: 17). No templo, o altar dos holocaustos era molhado com água da fonte de Siloé, implorando-se boas chuvas. Realizavam-se procissões, sendo a cidade enguirlanada de flores e luzes e alegrada com música.

No tempo de Flávio Josefo (Ant. Jud. 7. 4.
1) era considerada a "maior e mais santa festa do ano" (heortê sphroda parà tois hebraiois hagiôtátê kai megístê).

Ora, num ambiente desses, e evidente que surgiam muitas desordens, tumultos, aglomerações ruidosas e ocasiões para propagandas políticas e religiosas. Os irmãos de Jesus acharam que essa era a "época ideal" para que ele se manifestasse ao mundo (kósmôi).

Quais seriam esses "irmãos"? Cremos devam ser excetuados Tiago e Judas (Tadeu) que O seguiam, restando Simão (seria esse o "zelotes"?) e José, todos nominalmente citados em Mateus (Mateus 13:55). Mas desses falam, sem declarar-lhes os nomes também os outros (cfr. MT 12:46, MT 12:47; MC 3:31, MC 3:32; LC 8:19, LC 8:20; JO 2:12) citando ainda "irmãs" (Cfr. MT 3: . 56 e MC 6:3).

O raciocínio deles (dos que "não criam nele") é bem humano: Jesus teimou em prosseguir com sua campanha, contrariando-lhes a opinião "sensata" (cfr. MC 3:21-31-35) e parecia realmente possuir a capacidade de "levantar" as multidões e de realizar curas espetaculares; por que, então, ficar restrito a uma provinciazinha sem expressão? por que não aproveitar seus dotes, e, ao invés de permanecer "escondido" (en kryptôi) não "falar abertamente (en parrêsíai) diante das grandes multidões que subiam a Jerusalém, a capital do país? Nesses conselhos transparece, sem dúvida, a vaidade deles: ter "na família" um elemento que se destaca, que chama sobre si a atenção e, por natural reflexo, sobre todos eles, enaltecendo-os diante do povo.

Mas Jesus recusa ir à festa e afirma que o momento não é oportuno: "minha época ainda não está presente" (oúpô párestin). Eles, todavia, podem ir a Jerusalém quando quiserem, pois a "época deles está sempre presente".

A afirmativa de Jesus é categórica, não deixando margem a dúvidas, nem permitindo insistências: "não subo" (ouk anabaínô), conforme se lê em aleph, D, pi, a, b, c, e, ff2, na 5ulgata na tradução siríaca curetoniana, em Jerônimo,, Epifânio, João Crisóstomo, etc. Bem melhor que oúpô anabaínô ("não subo ainda"), evidente correção de B, L, delta, W, N, theta, f e g, provavelmente para afastar qualquer ideia de que Jesus estivesse dissimulando ou mentindo.

Com o mesmo objetivo, certos hermeneutas envidam esforços, para explicar que a expressão ouk anabaínô eis tên heortên taútên exprime "não vou em comitiva a esta festa". Confessamos não perceber absolutamente esse "sentido oculto" em palavras tão claras. No versículo 10 (veja o próximo capítulo)

é que aparece esse sentido, quando o evangelista afirma que Jesus foi à festa "não abertamente" (ou phanerôs), "mas às ocultas" (allà en kryptôi).

De fato, não era interessante para Jesus chamar sobre Si a atenção das autoridades, que tão grande mávontade demonstravam a Seu respeito. Ora, se acompanhasse os galileus na marcha, não conseguiria chegar incógnito a Jerusalém: todos os Seus conterrâneos O conheciam de sobra e, orgulhosos Dele, seriam os primeiros a anunciar-Lhe a presença, provocando talvez tumultos e discussões extemporâneas.

Por isso Ele não partiu. Com a comitiva, seguiram para o sul Seus irmãos, afim de cumprir suas obriga ções. Mas Ele permaneceu na Galileia. No entanto, seu atraso não foi além de quatro dias.

Pormenores aparentemente sem importância, fatos corriqueiros, situações comuns, revelam, se ocorridos com Avatares, ensinamentos e lições sublimes.

Começa o evangelista anunciando a proximidade da festa dos "judeus" (os religiosos que ainda vibram na personalidade). Essa festa, diz João, era "a dos Tabernáculos" (tendas ou cabanas). O significado simbólico desse termo é-nos revelado por Pedro (2. ª Pe 1:13-14) e por Paulo (2. ª Cor. 5:1,4), referindose à permanência do Espírito na carne, como que estando a habitar em "tendas" ou "tabernáculos de viagem". Compreendemos, então, que uma alusão direta à "festa dos Tabernáculos", com as palavras exatamente nesta ordem: "a festa dos judeus, a dos Tabernáculos", encerra uma lição: tratava-se de uma comemoração religiosa de seres encarnados, ainda moradores nos "tabernáculos de carne".

Além disso confirmando tal interpretação vemos que essa festa celebrava precisamente a estada demorada dos israelitas no "deserto", isto é, a longa e repetida demora no deserto das encarnações terrenas.

Por ocasião dessas solenidades, os veículos personalísticos sugerem sempre à individualidade uma aparição espetacular que impressione as massas: se o Espírito tanto fala das belezas do reino, e tanto se aprofunda nos arcanos, e tão espetaculares maravilhas realiza em seus êxtases, por que tudo isso não é executado perante as multidões, para que seja glorificado por todos? Por que não "manifestar-se ao mundo"?

A resposta do Espírito é profunda, dividindo-se em três partes.

Em primeiro lugar, assegura que sua época não está presente, embora para as personagens esteja sempre presente, pois vivem em seu próprio ambiente, na Terra. O "tempo", para o Espírito, é difeSABEDORIA DO EVANGELHO rente. Enquanto as personagens transitórias estão presas a "dias, meses, tempos e anos" (GL 4:10), isto é, se prendem a datas e comemorações prefixadas, o Espírito estabelece seus passos de acordo com sua escala evolutiva (na definição perfeita de Pietro Ubaldi, Grande Síntese, cap. 29: "tempo é o ritmo evolutivo"). A personagem marca seus dias em preto e vermelho no calendário e a eles se submete, o Espírito consulta, ao invés, as necessidades da subida, o momento oportuno, sem dar importância a datas fixas.

Em segundo lugar, esclarece que as personagens jamais são odiadas pelo "mundo", porque a ele se conformam, já que a ele pertencem de fato e de direito, até mesmo pelos materiais que dele retiraram para construir seus veículos físicos. Já ao Espírito, o mundo aborrece, chegando até a odiá-lo, porque o Espírito "testifica que suas obras são más"; demonstra o erro de suas crenças e convenções, o derruba seus ídolos de ouro; prova a falacidade de suas ilusões mais caras, a transitoriedade de seus bens mais sólidos, a sem-valia de suas glórias mais heróicas. Ora, o mundo persegue de morte os que lhe patenteiam as fraquezas, que justamente ele considera sua força, as mentiras que são julgadas verdades, os enganos fantasiosos que são louvados como realidades "palpáveis".

Em terceiro lugar, o Espírito declara que não atenderá às exigências das personagens, já que não precisa sujeitar-se às religiões organizadas ("Judeia"); e por isso ele permanecerá no "Jardim Fechado" ("Galileia") da espiritualidade superior a todas as religiões. Para que precisa de estradas o avião?


A essas festas estão presas as personagens encarnadas, com sua adoração externa a um deus exterior, mas o Espírito unido ao Deus Interno é livre, pois "onde há o Espírito de Deus, aí há liberdade"

(2. ª Cor. 3:
17) e não submissão a regras, preceitos e preconceitos humanos.

A razão dada é real: não subo A ESSA FESTA (o Mestre não diz que não subiria a Jerusalém). E não foi mesmo: foi a Jerusalém, mas NÃO PARA A FESTA: lá esteve para divulgar Seu ensino ao povo; não carregou, ramos de árvores, mas levou as flores perfumadas de Seu coração amoroso; não fez sacrifícios de animais, mas ofereceu Seu próprio serviço como holocausto agradável; não participou da festa, mas condoeu-se das trevas da ignorância e acendeu Sua luz, mesmo com risco de ser assassinado, porque ficava mais visado na escuridão reinante.

Esse é o caminho do Espírito, essa sua tarefa entre as criaturas escravizadas às personagens efêmeras, mas que grande orgulho provocam nos seres iludidos pelo desconhecimento das Realidades Espirituais.