Sabedoria do Evangelho - Volume 5

CAPÍTULO 14

LUZ DO MUNDO



JO 8:12-20


12. Então Jesus falou-lhes de novo, dizendo: "Eu sou a luz do mundo: quem me segue, de modo algum andará nas trevas, mas terá a luz da vida"

13. Disseram-lhe pois os fariseus: "Tu dás testemunho de ti mesmo: teu testemunho não é verdadeiro".

14. Respondeu Jesus e disse-lhes: "Embora eu dê testemunho de mim mesmo, meu testemunho é verdadeiro, porque sei donde vim e para onde vou; mas vós não sabeis donde venho nem para onde vou 15. Vós escolheis segundo a carne eu não escolho ninguém.

16. E se escolho, minha escolha é verdadeira porque não sou só, mas eu e quem me enviou,

17. e na vossa lei foi escrito que o testemunho de dois homens é a verdade.

18. Eu sou o testemunho de mim mesmo e o Pai que me enviou testifica a meu respeito".

19. Eles lhe perguntaram: "Onde está teu Pai"? Respondeu Jesus: "Não vedes nem a mim nem a meu Pai. Se me vísseis, também veríeis meu Pai"

20. Proferiu essas palavras na câmara do tesouro no templo; e ninguém o prendeu porque ainda não chegara sua hora.



Aqui aparece o segundo EU SOU, enfaticamente proferido pelo Cristo, a modo de esclarecimento a Seu respeito. Ei-los na ordem em que aparecem no Evangelho de João:
1. Eu sou o Pão da Vida ou o Pão Vivo (6:35);

2. Eu sou a Luz do mundo (8:12);

3. Eu sou a Porta das Ovelhas (10:7);

4. Eu sou o Bom Pastor (10:11);

5. Eu sou a Ressurreição da Vida (11:25);

6. Eu sou o Caminho da Verdade e da Vida (14:6); e 7. Eu sou a Vinha verdadeira (15:1).

Examinemos as comparações com a LUZ.

O Salmista (27:
1) escreve: "YHWH é minha Luz" e Isaias (42:6 e 49:
6) faz YHWH dizer que porá o Messias "como Luz dos gentios".

No Novo Testamento, o sacerdote Simeão (LC 2:32) afirma que o recém-nascido Jesus "é a Luz para guiar os gentios", e Mateus atribui a Jesus a profecia de Isaías (Isaías 9:2): "Nasceu uma Luz para os que estavam sentados na região sombria da morte". O próprio Mestre ensina que a luz deve ser colocada à vista para iluminar a todos (MT 5:15-16) e mais, que Seus discípulos são "A Luz do mundo" (MT 5:14), isto é, o mesmo título que atribui a si mesmo neste passo.

Em seu Evangelho, João escreveu (1:
4) que "a Vida é a Luz dos homens"; e ao falar de Si mesmo, o Cristo confirma que "a Luz veio a este mundo" (JO 3:19); cada vez que estou neste mundo, sou a Luz do mundo" (JO 9:5); e mais tarde: "ainda por um pouco a luz está dentro de vós - en humin (JO 12:35). E na primeira epístola (1:
5) ensina-nos esse evangelista que "Deus é Luz".

Os judeus, desde alta antiguidade, utilizavam a luz no culto, rememoranduoa nuvem luminosa que os guiara no deserto (EX 13:21). Desde Moisés, permanecia perenemente acesa a lâmpada no santuário (EX 27:20 LV 24:2, LV 24:4), além do candelabro de sete braços (Êx 25:37, NM 8:2) com minuciosa descrição.

Eis a descrição: "Farás um candelabro de ouro puro lavrado, com seu pedestal, e sua haste, seus cálices, maçãs e açucenas, formando com ele uma só peça. Seis braços sairão de seus lados, três de um lado e três de outro.

Num braço haverá três copos em forma de flor de amendoeira, com uma maça e uma açucena; na outro braço haverá três copos em forma de flor de amendoeira, com uma maçã e uma açucena e assim em cada um dos seis braços que saem do candelabro. No próprio candelabro haverá quatro copos em forma de flor de amendoeira, com suas maçãs e suas açucenas: uma maçã sob os dois primeiros braços que saem do candelabro, formando uma só peça com a haste; uma maçã sob os outros dois braços e outra maçã sob os dois últimos braços, igual para os seis braços que saem do candelabro. Essas maçãs e braços formarão uma só peça com a haste, sendo tudo obra lavrada de ouro puro" (EX 25:21-36).

Salomão colocou, no Templo que construiu sobre o Monte Moriah, em Jerusalém, dez desses candelabros, cinco de cada lado do tabernáculo (1RS 7:49-1RS 7:2CR. 4:7).

Depois de declarar solenemente que "é a LUZ do mundo", acrescenta que jamais estará em trevas aquele que O siga, tal como ocorria com a nuvem luminosa durante a travessia do deserto em relação aos israelitas. Mas, além da garantia de ter seu "caminho" iluminado, é ainda assegurado que terá em si mesmo "a luz da vida" ou "a luz-Vida" pois já fora dito que "a Vida é a Luz dos homens" (JO 1:4).

Essas afirmativas desagradam aos ouvintes que objetam não poder acreditar num testemunho proferido a favor de si mesmo. Como em JO 5:31 (ver vol.
3) dá o Mestre a garantia da veracidade de Suas expressões, pelo fato de ter a consciência desperta em todos os planos, e portanto de conhecer-Se perfeitamente, sabendo de onde vem e para onde vai, o que é ignorado por todos os presentes, que não O conhecem. Observemos que todos os profetas sempre deram testemunho de si mesmos, quando se apresentaram, sendo feita a comprovação da veracidade de suas assertivas pelos frutos que produziam e pelo acerto de suas palavras. Eles mesmos, porém, só se baseavam na força interna que os impulsionava a falar ou a agir. O consenso externo pode testificar a santidade ou não de alguém, mas o "recado" que o profeta recebe para transmitir e a lição que o mestre sabe para ensinar, só podem ser garantidas pela própria autoridade sua pessoal e pelo conjunto de obras e palavras de atitudes e sentimentos que manifesta. Além disso, a voz do verdadeiro Mestre e do verdadeiro Profeta ecoa dentro do coração dos evoluídos que "sentem" a legitimidade ou não do que é dito.

Aqui aparece novamente o verbo krino, que significa "separar, triar, distinguir, escolher", podendo, por extensão, expressar "decidir, resolver, explicar, interpretar, opinar", e mais: "julgar (no sentido de" avaliar, estimar, apreciar") atribuir e adjudicar". (ve: -. vol. 2 e vol. 3). Neste trecho, o sentido "escolher" cabe perfeitamente aos conceitos expendidos: o vulgo geralmente discrimina e escolhe de acordo com as aparências do corpo físico, com a beleza, a elegância, as maneiras e atitudes, o modo de vestir e de falar. No entanto, os mestres de modo geral não escolhem ninguém, mas aguardam e acolhem os que espontaneamente os buscam.

Vem aí a pergunta das personagens, que só dão valor às exterioridades e as coisas palpáveis: "onde está teu pai"? Embora alguns hermeneutas queiram supor que a pergunta se refere a Deus, acreditamos mais designasse mesmo o pai terreno requerido para comparecer ao agrupamento a fim de confirmar ou não as afirmativas de seu filho; seu pai fora invocado como testemunha pelo próprio orador, onde estava ele para ser inquirido?

A resposta é desconcertante e desanimadora, porque constitui um enigma para as personagens, ignaras da Grande Realidade: "Não vedes nem a mim nem ao Pai. Se me vísseis, também veríeis ao Pai". No âmbito do corpo físico, isso é irreal: quem vê o filho não está vendo o pai, pois são seres destacados.

Mas o Espírito é, concomitantemente, a própria centelha do Pai à qual damos o nome de Filho. Como a Centelha é interna (Cristo Interno) e espiritual, jamais pode ser vista com os olhos carnais. Essa mesma frase será repetida, mais tarde, a Filipe (JO 14:9). As traduções correntes trazem, ao invés de "ver"," conhecer". Mas o original grego não é gignôscô, e sim eídô, que significa "ver". Os tradutores evitaram esse verbo porque não penetraram o sentido espiritual do trecho; não compreenderam que era o Cristo Interno invisível, que falava, e julgaram que era a pessoa física de Jesus. Ora, essa pessoa física estava diante deles, sendo vista por eles; logo, não podiam traduzir eídô por "ver", pois seria, no entender deles, um contrassenso, e escolheram um sinônimo, "conhecer". Por aí vemos como os tradutores torcem o sentido do texto, para adaptá-lo à sua mentalidade intelectualista e racional, e não obedecem ao que diz o original, mas "traem" o sentido, tornando perigoso fiar-se na simples leitura das traduções.

Ora, o original diz claramente: "Não me VEDES", e isso desnorteou os ouvintes (que se afastaram) e os tradutores que todos julgavam ser Jesus que estava falando...

O término abrupto desse discurso, aqui resumido, em que o evangelista se limita a esclarecer o local da entrevista, dá-nos a sensação de que os ouvintes, desesperançados de entender se afastaram, dispersandose pelos arredores, numa descrença total. O local apontado é o "gazofilácio", isto é, a câmara do tesouro. Ora, aí ninguém podia penetrar. Parece evidente tratar-se das "proximidades" da câmara, mas do lado de fora, no pórtico do ádrio das mulheres, onde ficava a abertura por onde eram lançadas as ofertas, como novamente veremos no "óbulo da viúva" (LC 21:2), onde se juntava sempre pequena aglomeração curiosa, que os ricaços adoravam, por ver comentadas suas doações materiais.

A anotação de que não foi preso "porque não chegara sua hora" é aqui repetida (cfr. JO 7:30, vol. 4), como indicação de que nada ocorre sem que soe a hora preestabelecida pela determinação da vontade da Vida.

As lições vão assumindo cada vez maior profundidade simbólica, ampliando o campo de conhecimentos iniciáticos. A cada novo episódio ou lição, mais um passo é dado à frente, tornando-se, inclusive, mais difícil a compreensão e, portanto, a interpretação dos textos.

A afirmativa de SER A LUZ, conforme vimos, é abundante e variada nas Escrituras judaicas e sobretudo em o Novo Testamento. No entanto, a sequência da frase traz aqui nova revelação: o Cristo que fala, usa a mesma expressão que em MT 5:14 usara a respeito dos discípulos. Não há distinção entr "Vós sois a Luz do Mundo" e "Eu sou a Luz do mundo". Igualdade plena. Ora, não eram as personagens encarnadas dos discípulos que constituíam a luz do mundo mas exatamente o Cristo Interno, que era O MESMO, quer em Jesus, quer em Seus discípulos, quer em qualquer criatura. Todos os que se unificam com o Cristo se tornam, ipso facto, LUZ para o mundo, isto é, para seus veículos.

E a continuação confirma: "quem me segue não andará nas trevas, mas terá a Luz da Vida". Trata-se, pois, de seguir, não fisicamente, pois o físico transitório não interessa ao Espírito, mas seguir nos passos da evolução espiritual. Não é uma imitação de atos físicos, mas uma vivência de essência mística.

Os que souberem repetir o caminho iniciático do Mestre-Modelo, "não andarão nas trevas", porque terão em si mesmos a "Luz da Vida" ou a Luz viva. A unificação com o Cristo interno equivale ao acender-se da Luz em si mesmo. E ninguém que tenha em si mesmo a luz poderá jamais andar em trevas.

As trevas só podem cercar uma lâmpada apagada, nunca uma lâmpada acesa porque a lâmpada tem a luz em si. Ora, se a criatura acendeu em si mesma a luz crística, não conseguirá, nem que o queira, andar nas trevas, porque ela eles objetavam e perguntavam, embora sempre o fizessem manifestando que a mesma iluminará o ambiente circundante. Daí ter escrito João (1JO 3:6): "Todo o que permanece (em Cristo) não erra" e (1JO 5:18): "Todo o que nasceu de Deus (fez seu segundo nascimento unindo-se a Deus) não erra".

As palavras são do Cristo, do Cristo Cósmico que é o mesmo Cristo Interno dentro de cada um de nós.

Quem O segue, com Ele unificando-se, participa de Sua luz, acende em si sua própria luz" e portanto se torna capaz de iluminar por si mesmo, tornando-se isento de qualquer erro.

A objeção dos ouvintes é material, proveniente do raciocínio discursivo, como não pode deixar de ser.

Essas objeções e perguntas parecem feitas por adversários (fariseus, doutores, saduceus). No entanto, João diz apenas "os judeus", isto é, os "religiosos apegados ainda às religiões ortodoxas", literalmente," os adoradores". Às vezes as objeções eram dos próprios discípulos chamados (que já eram, como vimos atrás, 516 a frequentar a Escola Iniciática "Assembleia do Caminho"), nem todos evolutivamente adiantados para penetrarem a fundo o sentido e a realidade dos ensinos. Talvez perguntassem e objetassem com intenção de aprender. Todavia, fariseus e doutores costumavam mesclar se aos discípulos, pois Jesus falava de público, e também eles objetavam e perguntavam, embora sempre o fizessem manifestando má vontade e superioridade cheia de empáfia. Aqui, a objeção é típica dos fariseus: o testemunho de um só homem não tem valor.

A resposta do Cristo é de molde a fazer-nos compreender que não era Jesus que falava, mas o Cristo: "sei donde vim e para onde vou", coisa que as criaturas humanas são incapazes de saber em plena consciência. E logo a seguir vem a confirmação, com a assertiva profundamente verdadeira, de que os homens só podem estabelecer o veredicto para a escolha, baseando-se nos atributos externos da matéria, isto é, da carne. Só a aparência, a superfície, os "rictus" faciais, são percebidos e analisados e computados para uma escolha. Aviso importante para as Escolas Iniciáticas: jamais basear a escolha dos elementos para galgar passos superiores, nas aparências exteriores!

Já com o Cristo não ocorre assim. Luz vital do Cosmo, luz vital de cada criatura, habitante do âmago mais profundo, essência última, o Cristo impulsiona tudo de dentro, obrigando a evoluir ("o amor de Cristo nos impulsiona", 2. ª Cor. 5:14). Tudo o que atinge o ponto crítico de maturação é impelido a prosseguir para o próximo passo, seguindo à frente. Essa "escolha" acertada da hora precisa de "elevar" a criatura, só pode ser executada com segurança absoluta pelo Cristo Interno e pelo Pai, pois conhecem melhor a criatura do que ela própria se conhece. Jesus, porém, mesmo em Sua qualidade Incontestável de Mestre, mas Espírito humano, a ninguém escolhe, pois não veio para isso (JO 3:17-12:47), mas para salvar o que estava perdido (MT 18:11), isto é, para reorientar no rumo certo o que se havia extraviado da rota evolutiva. E quando o homem já se acha unido ao Cristo Interno e portanto com o Pai, já são duas pessoas a testemunhar, o que satisfaz à exigência da lei (DT 19:15).

A pergunta feita a "Jesus" a respeito do pai dele, só podia referir-se a José o carpinteiro. Mas como não é Jesus que está falando, mas o Cristo, a resposta desnorteia os ouvintes, que pensavam estar falando a um homem igual a eles, e Quem lhes estava a responder era o Filho de Deus, o Cristo Divino.

Considerada sob esse ponto-de-vista: a resposta é de suma beleza e verdade: "não vedes nem a mim nem a meu Pai". Quem dos humanos pode "ver" o Cristo? Só quem com Ele já se unificou. E quem pode "ver" o Pai? Só quem se unificou com o Cristo. Por isso diz: "se me vísseis, veríeis o Pai".

Só a unificação permite à criatura "ver" o Cristo experimentalmente, fundindo-se na Luz, vivendo o Cristo, mergulhando na Consciência Cósmica, inflamando-se no incêndio de Amor que abrasa sem consumir, que purifica sem desgastar, que abrasa sem aniquilar.

A verdade, conforme vemos, é de profundidade absoluta, e só interpretando-a "em Espírito" pode ser entendida. Ao ser revelada pela primeira vez, traz todo o sabor de lição nova e estonteante: só unificandonos, "veremos" o Cristo, e vendo-O, veremos o Pai que é UNO com Ele, e portanto também veremos o Espírito. Daí ter ensinado que Ele, o Cristo, é o Caminho da Verdade (Pai) e da Vida (Espírito Santo).

Mais uma observação: diz-nos o evangelista que essas palavras foram proferidas na "câmara do tesouro" no Templo, isto é, no ádito mais recôndito do coração, onde reside o Cristo, o máximo tesouro de nossas vidas. Já escrevemos (vol.
2) e o recordamos atrás que quando o sentido é obscuro ou absurdo, parecendo-nos um erro, aí se oculta algo de simbólico. Para as personagens intelectualizadas, temos que esclarecer que na câmara do tesouro (gazolifácio, como dão as traduções correntes, usando um termo incompreensível) ninguém podia penetrar, e naturalmente o evangelista quis dizer "próximo" à câmara. Mas para as individualidades intuitivas já podemos expor a realidade: o evangelista está certo: é mesmo "na câmara do tesouro (coração) do templo (corpo humano)", que o Cristo pro clama a grande verdade até então oculta. Embora também seja verdade o que se diz: nenhum "profano" podia (nem pode) penetrar nessa "câmara do tesouro", se antes não tiver percorrido os passos da" Escola do Caminho".

Por aí, verificamos que os objetantes também não são "externos" (fariseus e doutores), mas os próprios veículos personativos com o intelecto à frente, que não aceitam as realidades do Espírito. Tão comum ouvirmos o intelecto objetar que "não entende" e que "quer ver" com os olhos físicos! Não precisaremos procurar muito longe de nós mesmos essa incredulidade por falta de capacidade espiritual de intuição.