Por João, sabemos que SEIS DIAS antes da festa da Páscoa, ou seja, sábado, dia 1 de abril do ano 31, Jesus estava em Betânia, na casa de Simão, o leproso, tomando parte numa ceia.
Quem era esse Simão? Supõem alguns que seja o mesmo Simão o fariseu que convidou Jesus a jantar (LC
131) que o epíteto "leproso" deve ter sido mantido como recordação de prístina enfermidade curada por Jesus, tal como Mateus continua a denominar-se "coletor-de-impostos" mesmo após abandonar a profissão. Outros sugerem que Simão deve ser o pai de Lázaro, já que a família estava aí reunida: Marta servia à mesa, Lázaro estava presente e Maria ungiu-lhe o corpo. E o evangelista sublinha: "Lázaro, o morto (1) que Jesus despertou dos mortos".
(1) Lázaros, sintático, B, L, W, X, itálicos (a, aur., c, e, rl), siríacas (peschitto e palestinense), coptas (saídica e boaírica), Diatessaron, Crisóstomo, Nonnus.
700, 892, 1009, 1010, 1071, 1079, 1195, 1216; 1230, 1241, 1242, 1344, 1365, 1546, 1646, (2148 sem ho), 2148c, 2174, lecionários bizantinos, itálicos (b, d, i, ff2), Vulgata, siríacas (sinaítica e harcleense), coptas (boáirica, achmímica e sub-achmímica), gótica: armênia, geórgia e Chrônica Paschalis.
Mateus fala em "perfume caríssimo", enquanto Marcos e João definem "’nardo autêntico". O nardo (nardostachys jatamansi), da família das valerianas, era planta que provinha da Índia. Plinio (Hist.
Nat. 13
Uma contradição forte, porém, deparamos. Mateus e Marcos asseveram que o perfume foi derramado na cabeça, enquanto João diz que o foi nos pés, que Maria enxugou com os cabelos dela. Como explicar o fato, já que João estava presente à ceia, que descreve com pormenores silenciados pelos outros?
Terá havido confusão com a cena da "pecadora" (LC
Pelas palavras de Jesus a posterióri, e por serem duas testemunhas a afirmar a unção na cabeça, aceitamos essa versão como verdadeira, embora a dúvida não possa ser historicamente resolvida.
Em decorrência da quebra do precioso vaso de alabastro e do perfume que escorreu, recendendo pela casa toda, alguns dos discípulos (João limita o protesto a Judas) lamentaram o "desperdício", já que podia ter-se vendido aquela preciosidade, distribuindo o produto pelos mendigos. Trezentos denários era o salário de um trabalhador durante um ano!
Mas Jesus levanta Sua voz em defesa de Maria, como o fizera com a "pecadora" (LC
Depois, vem a justificação do ato: "ela me ungiu o corpo (logo não foram apenas os pés) para o sepultamento (entaphiásmon). E a seguir a profecia: "onde quer que esta boa-nova seja difundida, no mundo inteiro, será narrado o que ela fez, em sua memória" (é o hebraico zikkârôn e o arameu dukerânâ, a comemoração de um fato ou de uma pessoa).
Nessa defesa, Marcos registrou belíssima frase de Jesus: "Ela fez o que pode"! Mais tivesse podido, mais teria feito.
João acusa Judas, abertamente, de ladrão: carregava o dinheiro do grupo, porque estava a seu cargo a guarda da caixinha (glôssóxomon, que exprimia primitivamente uma caixeta, onde se guardavam as linguetas da flauta, cfr. 2CR. 24:8-10).
Muito mais importante o episódio no setor das iniciações.
Jesus mesmo o revela: "o perfume serviu para preparar o corpo para os ritos do sepultamento (entaphiásmon).
Por isso, Maria realizou "uma bela ação" (kalòn érgon ergázomai).
Interessam-nos aqui apenas as ações fundamentais. Observamos que o trio de Betânia estava novamente reunido, executando um ritual iniciático, como se, da outra Escola, tivessem querido seus membros colaborar com Jesus na conquista do 5° grau. Surge um pormenor de grande importância: passase a cena SEIS dias antes da grande imolação de Jesus, que ocorrerá no SÉTIMO dia após a unção prévia.
Então, em resumo: SEIS dias antes do Sacrificio, que será sangrento (diferente do de Lázaro), o mesmo grupo sacerdotal reunido (Lázaro, Marta e Maria), na mesma cidade de Betânia, embora na residência de Simão, e sem outras testemunhas que os discípulos do colégio apostólico, sendo já aqui Lázaro, o morto que regressou dos mortos, o assistente, Marta a diaconissa (servia, Martha diêkónei) e Maria a celebrante, esta unge o corpo de Jesus, derramando sobre Sua cabeça uma libra de nardo autêntico, proveniente da Índia, onde Jesus provavelmente passara alguns anos de Sua juventude (cfr. Nicolau Notovitch, "A Vida Desconhecida de Jesus"). Era, pois, algo de especial e de específico, que chegara da região dos Mestres de Sabedoria.
Cerimônia tocante, comovedora e sublime. E quando é objetado pelos que não sabiam do rito, que poderia ter sido o perfume vendido para dar-se o dinheiro aos mendigos, Jesus ergue a voz tentando explicar a realidade do que ocorrera em relação ao simbolismo.
Unamos as frases dos três narradores: "Deixai-a. Por que lhe causais dissabor? Realizou em mim uma bela ação (érgon é a palavra específica do trabalho espiritual). Ela fez o que pode: ungiu meu corpo (temos a impressão de que o nardo escorreu da cabeça, por todo o corpo, até os pés, que então Maria enxugou com seus cabelos) preparando-o antecipadamente para o sepultamento".
Com efeito, o nardo era adstringente, da família das valerianas, e portanto anestésico ou analgésico.
E essa preparação foi antecipada, porque não houve tempo de ungi-lo após a crucificação. Tendo sido pregado na cruz às 15 horas, seu corpo foi retirado do madeiro antes das 18 horas, permanecendo portanto pouco mais de duas horas na cruz. E logo a seguir, às pressas, para que não se ferisse o sábado que começava às dezoito horas, foi colocado no túmulo virgem de José de Arimateia, sem tempo para qualquer preparação próxima com unguentos.
A unção com nardo deu a Seu corpo uma vibração particular, fortalecendo as células epidérmicas e mesmo penetrando no derma, para que pudesse suportar as dores e ferimentos que Lhe iam ser causados pelos maus tratos, flagelações e ferimentos contuso-perfurantes que O atormentariam nos dias tristes que estavam por chegar. Nada sabemos, mas talvez essa unção com nardo autêntico é que tenha provocada, no sudário, que ainda hoje se conserva em Turim, a impressão, em negativo fotográfico, das marcas do corpo de Jesus, por inteiro.
Outra frase de Jesus, que merece atenção: "deixa-a, para que o conserve para o dia de meu sepultamento".
Conservar o que? Parece que o corpo. Não pode compreender-se aí outro sentido. Havia mister que o corpo pudesse suportar tudo, resistindo a todas as feridas e pancadas. Que sabemos nós das propriedades do nardo legitima? E da absorção que as células podem fazer dessa essência aromática, conservando-a em si durante sete dias? De qualquer forma, o ritual é de suma beleza. E que se trata de um ritual, o próprio Jesus se encarregou de salientar, explicando a finalidade do ato de Maria.
E até hoje, dois mil anos depois, jamais falhou Sua profecia: onde quer que se pregue a Boa Nova, esse gesto de Maria é narrado para sua maior glória: ter colaborado no supremo sacrifício de Jesus, fazendo tudo o que podia para ajudá-Lo.
Permita-nos o Pai ter sabedoria suficiente para penetrar a fundo esses ensinos tão elevados e sublimes!