Sabedoria do Evangelho - Volume 7

CAPÍTULO 32

JUDAS É INDICADO



MT 26:21-25


21. E, comendo eles, disse: "Em verdade vos digo que um dentre vós me entregará".

22. E muito tristes começaram a dizer-lhe um a um: Acaso sou eu, Senhor?

23. Respondendo ele, disse: "Quem comigo mete a mão no prato, esse me entregará.

24. O filho do homem vai, como está escrito sobre ele; mas coitado desse homem por quem o filho do homem é entregue: era-lhe melhor se não houvesse nascido esse homem".

25. Respondendo Judas, o que o entregaria, disse: Acaso sou eu, Rabbi? Disse-lhe: "Tu o disseste".

MC 14:18-21


18. E estando eles reclinados à mesa, Jesus disse: "Em verdade digo-vos que um dentre vós me entregará, um que come comigo".

19. Começaram a entristecer-se e a dizer-lhe um a um: Acaso serei eu?

20. Ele disse-lhes: "Um dos doze, que se serve comigo no prato;

21. pois o filho do homem vai, como dele está escrito; mas coitado desse homem por quem o filho do homem vai ser entregue: bom lhe era se não tivesse nascido esse homem".

LC 22:21-23


21. "Contudo, eis a mão de quem me entrega está comigo à mesa;

22. porque o filho do homem, segundo foi determinado, vai; mas coitado desse homem por quem será entregue".

23. E eles começaram a perguntar entre si quem deles seria, que iria fazer isso.

JO 13:21-32


21. Tendo Jesus dito isso, agitou-se no espírito e testificou e disse: "Em verdade, em verdade vos digo, que um de vós me entregará".

22. Olhavam os discípulos uns para os outros, perquirindo a respeito de quem ele falara.

23. Estava reclinado à direita de Jesus um dos discípulos dele, o que Jesus amava.

24. A esse então, Simão Pedro acenou com a cabeça, inquirindo a respeito de quem ele falara.

25. Reclinando-se ele, assim, sobre o peito de Jesus, disse-lhe: "Senhor, quem é"?

26. Respondeu Jesus: "É aquele a quem eu der o pedaço de pão mergulhado (no vinho). Tendo mergulhado, então, o "pedaço de pão", pegou e deu a Judas, filho de Simão Iscariotes.

27. E depois do pão, então, entrou nele o antagonista. Disse-lhe pois Jesus: "O que fazes, faze-o depressa".

28. Nenhum "os que se reclinavam à mesa soube para que lhe dissera isso.

29. Pois eles julgavam, já que Judas tinha a bolsa, que Jesus lhe dissera: compra o de que precisamos para a festa, ou para que aos mendigos desse algo.

30. Tomando, então, o pedaço de pão, ele saiu logo; era noite.

31. Quando, pois, saiu, disse Jesus: "Agora o filho do homem é transubstanciado e Deus é transubstanciado nele;

32. se Deus é transubstanciado nele, também Deus o transubstanciará em si, e o transubstanciará imediatamente".



O estudo deste trecho é de importância capital para a compreensão plena dos ensinos dados no Grande Drama do Calvário.

Estavam reunidos à mesa, ainda comendo (esthiontôn autôn), quando revela aos demais discípulos que o drama tem início, pela entrega da vítima, que é Ele mesmo, nas mãos do clero organizado, para o sacrifício. E esse ato será realizado por um dentre os doze. O gesto está iminente, tanto que os verbos estão, o primeiro no futuro imediato (paradôsei, entregará), os outros no presente do indicativo (paradídotai, é entregue) e no presente do particípio (paradidoús, que temos que traduzir pelo futuro do pretérito, entregaria).

João, por estar mais próximo, salienta em sua narrativa que Jesus "agitou-se em espírito" (etaráchthê tôi pneúmati) e assegurou como testemunho da verdade (kaì emartirêsen) que um dos doze o entregaria.

A revelação brusca faz cair o mal-estar em todos, como o salientou Agostinho (Patrol. Lat. vol. 35, col. 1
800) : "cada um estava seguro de si, mas duvidava de todos os outros". Ergue-se um vozerio de todos os lados: "serei eu"? Dentre todas as vozes faz-se ouvir a de Judas, que conhecia sua tarefa, mas não podia revelá-la. Tem que perguntar, para que seu silêncio não o denuncie (cfr. Jerônimo, Patrol. Lat. vol. 26, col. 195). Jesus o confirma: "tu o disseste"!

Alguns comentadores assinalam que todos se dirigem a Jesus denominando-O didáskale, e que Judas o diz Rabbi. Mas além da equivalência absoluta dos dois tratamentos, há que lembrar que os galileus utilizavam muito mais o idioma grego, ao passo que os judeus preferiam o aramaico.

A resposta ao grupo foi apenas indicação de que ali estava presente aquele de quem falara: esse o sentido de "mete comigo a mão no prato", coisa que Marcos traduz "come comigo" e Lucas "está comigo à mesa". Expressões equivalentes.

Mas ninguém ouve a resposta de Jesus a Judas. Nem Pedro que, indócil, quer saber quem é, e acena com a cabeça (é o sentido do grego neúô) para João, que se designa com um circunlóquio: "o discípulo que Jesus amava". A pergunta é feita em voz baixa. Jesus diz-lhe que vai dar um pedaço de pão (psomíon) mergulhado (bápsô, do verbo báptô) provavelmente no vinho: tão óbvio, que não era mister dizê-lo...

Molha o pão no vinho e passa-o a Judas, em deferência toda especial, pois aos outros dá apenas o pão seco e faz passar a taça de vinho, na qual todos bebem.

João assinala que, com o pão, "entrou nele o antagonista". Ao verificar que tudo correra de acordo com o previsto, Jesus dá-lhe ordem de desencadear os acontecimentos: "o que fazes, faze-o depressa". Diz João que "ninguém entendeu". Revelada a trama, ninguém protestou! Comportamento estranho! Judas recebeu o pão embebido em vinho, comeu-o e saiu. Já era noite fechada.

Nesse momento, Jesus anuncia a transubstanciação, que analisaremos no segundo comentário.

Avançamos, cada vez mais, para a realização do Grande Drama. Após o exemplo de humildade, é iniciada a refeição da ceia pascal anualmente celebrada.

A certa altura, sente o Mestre o aviso de Seu Eu profundo, que peremptório Lhe diz ter chegado sua hora. Seu espírito se agita, pois os veículos mais densos terão que passar por uma prova dura, difícil, quase sobre-humana, mas é NECESSÁRIO, e Jesus não titubeia, não hesita. Resolve ordenar o início, dar a partida do Ato Sacro, e fazer Suas últimas recomendações, antes de ser coagido a desaparecer do cenário físico.

Começa dizendo que "está determinado que o Filho do Homem vá", e Ele irá; mas lamenta profundamente o homem que tem a ingrata tarefa de entregá-Lo (1) às autoridades eclesiásticas para o sacrifício sangrento: esse homem sofrerá terríveis impactos, mas terá que cumprir sua obrigação até o fim, terá que beber o cálice até as fezes.

(1) Anotamos mais uma vez que o verbo empregado insistentemente paradídômi, é característico das cerimônias iniciáticas (cfr. vol. 4).

Os discípulos ficam preocupados. Mas o Mestre acrescenta: "esse homem está comendo conosco: é um dentre vós"! Maior preocupação os assalta e o peso da dúvida lhes penetra o ânimo. Embora soubessem o que estava para ocorrer, desconheciam qual o "escolhido" (o "clérigo") que deveria executar o gesto indispensável, tomando a posição de "antagonista" oficial de Jesus, para ser condenado durante milênios pela humanidade. Era um gesto que requeria força e heroísmo sem limites: precisavase de um voluntário disposto a sacrificar-se. Qual deles seria o escolhido?

Jesus aduz que "era melhor que esse homem não tivesse nascido", tal a dificuldade quase insuperável a vencer. E, com essa frase, mais uma vez revela abertamente a realidade da reencarnação, da qual já falara outras vezes, não insistindo mais no assunto porque era convicção profunda e arraigada em todos eles de que assim ocorre com as criaturas. Mas convenhamos que para dizer que "melhor fora que não tivesse nascido", era mister a certeza de que ele existia antes de nascer, e ter-lhe-ia sido muito melhor permanecer em estado de espírito, não se metendo numa dificuldade tão grande, não se sujeitando a um sofrimento tão atroz. De fato, se o espírito fosse criado por Deus no momento do nascimento, como ensinam certas seitas religiosas, a frase de Jesus constituiria uma blasfêmia contra Deus, pois isso seria uma crítica direta contra um ato divino! Jesus teria acusado Deus de ter criado um espírito, quando seria melhor que o não tivesse feito! Ora, não podemos admitir uma crítica desse teor, contra Deus, nos lábios de Jesus. A conclusão é que o espírito de Judas preexistia à encarnação (ao nascimento) e, mais ainda, que aceitara a difícil missão. Conhecendo-lhe as asperezas, Jesus confessa-se penalizado pelo que sofrerá e diz que melhor fora se não tivesse aceito e reencarnado, pois teria evitado as atrocíssimas dores futuras.

Todos se entristecem preocupados, e querem saber qual deles terá a triste incumbência. Judas, embora já o soubesse, também indaga, para ouvir a confirmação. A resposta de Jesus "tu o disseste", equivale a: "já o sabes, por que o perguntas?" Por isso não vemos aí o simples "sim".

Pedro, (a emoção) não resiste à curiosidade e acena com a cabeça para que João pergunte ao Mestre.

Jesus retruca-lhe que dará um pedaço de pão mergulhado no vinho, indicando o escolhido; recordemos que ainda hoje assim é dada a "comunhão" na igreja ortodoxa: um pedaço de pão mergulhado no vinho. Assim fortalecido, Judas sai.

Mas, para os profanos, a verdade tinha que ser encoberta pelo véu das coisas ocultas. Por isso, "discípulo que Jesus amava" fala que "o antagonista entrou nele junto com o pão". Realmente, neste ponto Judas inicia sua carreira de "antagonista": voluntária e espontaneamente se coloca no pólo oposto, para começar a receber os impactos de ódio e desprezo, a fim de que seu Mestre receba toda a onda de simpatia e de amor por parte da humanidade.

Mas que era uma coisa sabida e esperada, prova-o o fato de que nenhum dos discípulos protesta contra Judas. Ninguém o ataca. Ninguém o acusa. Ninguém se revolta. Ninguém o condena. Ninguém procura defender seu Mestre contra Judas. Todos aceitam passivamente calados o fato que, em quaisquer outras circunstâncias, forçosamente faria que todos se levantassem como um só homem para detê-lo de seu intento. Não. Nada disso ocorre: só o silêncio da aceitação.

Para justificar essa imóvel passividade dos discípulos, João escreve aquela frase incompreensível a quem quer que raciocine: julgaram que Jesus o mandara fazer compras (mas àquela hora da noite!) ou distribuir esmolas (mas de noite?). Evidente que se trata de uma desculpa na qual o narrador, em verdade, não foi muito feliz: basta um pingo de reflexão, para verificar-se que ela não convence, em absoluto. Mas era necessário dizer alguma coisa, para justificar a impassibilidade dos discípulos que assistiam à "acusação" e a aceitaram sem uma palavra de protesto. Nem o temperamental Pedro se rebelou! E no entanto, ficou sabendo com segurança de quem se tratava... Por que? Porque todos sabiam o que se passava.

Dado o passo inicial, Jesus anuncia que vai dar-se a transubstanciação. Analisemos as frases de João, cheias de sentido profundo.

"Agora o Filho do Homem é transubstanciado e Deus se transubstancia no Filho do Homem": o Cristo interno, a Divindade que em tudo habita, a Essência última de todas as coisas, encontra campo para expandir-se e manifestar-se plenamente no Filho do Homem, por sua aceitação total do sacrifício para subir um degrau na evolução, demonstrando o caminho à humanidade. Deus o permeia, o penetra, o infinitiza. E "se Deus se transubstancia" pela unificação mística "no Filho do Homem, também Deus transubstanciará o Filho do Homem em Deus". Ou seja, se Deus se transmuda em homem, o homem se transmuda em Deus; se Deus se expande no homem, o homem se expande em Deus; se Deus se torna homem, o homem se torna Deus.

E essa transubstanciação de Essência, de manifestação, de unificação total de tudo no Todo, não é para depois, no "céu": é AGORA: imediatamente, neste instante, Deus transubstanciará o Filho do Homem em Deus.

Realizada essa fase inicial da divinização do homem, pela humanização de Deus, é lançado o grande símbolo que permitirá a perpetuação desse ato por toda a humanidade nos séculos seguintes: o homem daí por diante poderá, quando o queira, transubstanciar-se também em Deus.

Vê-lo-emos no próximo capítulo.