Sabedoria do Evangelho - Volume 8

CAPÍTULO 16

1. ª NEGAÇÃO DE PEDRO



MT 26:69-70


69. Mas Pedro estava sentado fora, no pátio; e aproximou-se dali uma criada, dizendo: Também tu estavas com Jesus o galileu.

70. Ele, porém, negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes.

LC 22:55-56


55. Tendo, pois, acendido fogo no centro do pátio, sentaram-se ao redor, e Pedro estava sentado entre eles.

56. Vendo-o certa criada sentado junto ao fogo e observando, disse-lhe: Este também estava junto com ele. Mas ele negou, dizendo: Não o conheço, mulher.

MC 14:66-68


66. E estando Pedro em baixo, no pátio, chegou uma das criadas do Sumo-Sacerdote.

67. E vendo Pedro a aquecer-se, encarando, disse-lhe: Também tu estavas com o nazareno Jesus.

68. Mas ele negou, dizendo: Nem sei nem entendo o que dizes. E foi para fora, para o alpendre.

JO 18:17-18


17. Disse então a Pedro a criada, a porteira: Não és também tu dos discípulos deste homem?

Ele disse: Não sou.


18. Ora, estavam os servos e guardas fazendo um braseiro, porque fazia frio, e se aqueciam; também Pedro estava entre eles, em pé, aquecendo-se.



Já vimos que o palácio de Caifás, cujo portão abria para a rua, tinha um vestíbulo, ou alpendre, antes do pátio. No primeiro pavimento, acima do térreo, funcionavam as salas de audiência e de recepção.

Segundo a observação de João, testemunha ocular desse pormenor, provocado por ele quando solicitou da porteira que permitisse a entrada de Pedro, a primeira negativa se deu logo à porta.


Não apenas por curiosidade natural feminina, como por obrigação funcional de impedir o ingresso de elementos perigosos, ela faz a pergunta óbvia:

—És um dos discípulos dele?

A que Pedro, com o consentimento provável de João, teve que responder pela negativa, senão teria barrada a entrada e teria anulado o pedido de João em seu favor.


Mas não ficou satisfeita com a resposta, dada talvez com certa hesitação. Quando o pessoal acabou de entrar, a porteira trancou a portinhola e foi até o pátio. Os servos e guardas estavam sentado em redor de pequena fogueira (braseiro) improvisada, por causa do frio que fazia. Mas Pedro permanecia embara çado e inquieto entre eles, sentado, segundo os sinópticos, em pé, segundo João: ou seja, ora se sentava, ora ficava de pé impaciente. E a porteira, aproveitando os reflexos de luz do braseiro, o observa e encara fixamente, reafirmando:

—Você também estava com o nazareno Jesus.

Notemos de passagem, que o atributo "nazareno" está na boca de pessoa inculta, que não distinguia tecnicamente esse termo, do atributo "nazoreu".


Pedro descontrolou-se mais ainda, e preferiu sair para o alpendre, depois de tartamudear tímido:

—Não entendo o que estás dizendo.

Queria assim escapar aos olhos argutos da porteira, pois não resistiria mais tempo ao interrogatório, e fazia questão fechada de manter-se na, proximidade, do Mestre, para o que desse e viesse.

Ficou registrada a primeira negação de Pedro, em condições normais humanas. Não se tratava, em realidade, de renegar o Mestre, mas apenas de não ser cortado de Sua presença. A porteira não tinha, reconhecidamente, capacidade de julgá-lo nem autoridade para impedi-lo de ficar ao lado de Jesus.

Quando fosse interrogado pela autoridade legitimamente constituída, saberia dar seu testemunho público, mesmo à custa da vida. Mas por que entregar a cabeça ao cutelo logo no início, quando nada estava definitivamente resolvido?

Não foi covardia. Não foi "negação" ainda. Foi uma das mentiras convencionais, comuníssimas ainda hoje e que sempre existiram em todas as sociedades humanas. Como poderíamos, sem magoar profundamente um amigo, mandar dizer-lhe que estávamos em casa mas não poderíamos recebê-los?

Constitui até delicadeza a desculpa de que "Não estamos em casa". Quando empenhados numa tarefa com tempo marcado, para daí a vinte minutos, como interrompê-la para receber uma visita que vem apenas "conversar" para "passar o tempo"? E como, sem ferir-lhe a sensibilidade, dizer que "não podemos recebê-lo"? Mais caridoso fazer-lhe sentir que não estamos.

Esse foi o tipo de "negação" de Pedro, nesta primeira tentativa da porteira, de não deixá-lo entrar, e depois de pô-lo na rua.

Antes de lamentar hipocritamente a "defecção" de Pedro, preferimos agradecer-lhe o exemplo corajoso que nos dá, e que nos conforta, por ter agido como qualquer um de nós agiria nas mesmas circunstâncias.