Ele disse: Não sou.
Já vimos que o palácio de Caifás, cujo portão abria para a rua, tinha um vestíbulo, ou alpendre, antes do pátio. No primeiro pavimento, acima do térreo, funcionavam as salas de audiência e de recepção.
Segundo a observação de João, testemunha ocular desse pormenor, provocado por ele quando solicitou da porteira que permitisse a entrada de Pedro, a primeira negativa se deu logo à porta.
—És um dos discípulos dele?
A que Pedro, com o consentimento provável de João, teve que responder pela negativa, senão teria barrada a entrada e teria anulado o pedido de João em seu favor.
—Você também estava com o nazareno Jesus.
Notemos de passagem, que o atributo "nazareno" está na boca de pessoa inculta, que não distinguia tecnicamente esse termo, do atributo "nazoreu".
—Não entendo o que estás dizendo.
Queria assim escapar aos olhos argutos da porteira, pois não resistiria mais tempo ao interrogatório, e fazia questão fechada de manter-se na, proximidade, do Mestre, para o que desse e viesse.
Ficou registrada a primeira negação de Pedro, em condições normais humanas. Não se tratava, em realidade, de renegar o Mestre, mas apenas de não ser cortado de Sua presença. A porteira não tinha, reconhecidamente, capacidade de julgá-lo nem autoridade para impedi-lo de ficar ao lado de Jesus.
Quando fosse interrogado pela autoridade legitimamente constituída, saberia dar seu testemunho público, mesmo à custa da vida. Mas por que entregar a cabeça ao cutelo logo no início, quando nada estava definitivamente resolvido?
Não foi covardia. Não foi "negação" ainda. Foi uma das mentiras convencionais, comuníssimas ainda hoje e que sempre existiram em todas as sociedades humanas. Como poderíamos, sem magoar profundamente um amigo, mandar dizer-lhe que estávamos em casa mas não poderíamos recebê-los?
Constitui até delicadeza a desculpa de que "Não estamos em casa". Quando empenhados numa tarefa com tempo marcado, para daí a vinte minutos, como interrompê-la para receber uma visita que vem apenas "conversar" para "passar o tempo"? E como, sem ferir-lhe a sensibilidade, dizer que "não podemos recebê-lo"? Mais caridoso fazer-lhe sentir que não estamos.
Esse foi o tipo de "negação" de Pedro, nesta primeira tentativa da porteira, de não deixá-lo entrar, e depois de pô-lo na rua.
Antes de lamentar hipocritamente a "defecção" de Pedro, preferimos agradecer-lhe o exemplo corajoso que nos dá, e que nos conforta, por ter agido como qualquer um de nós agiria nas mesmas circunstâncias.