Sabedoria do Evangelho - Volume 8

CAPÍTULO 17

PRIMEIRO INTERROGATÓRIO



JO 18:19-23


19. Então o Sumo-Sacerdote interrogou Jesus a respeito de seus discípulos e a respeito de seu ensino

20. Respondeu-lhe Jesus: "Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada falei às escondidas.

21. Por que me interrogas? Pergunta aos ouvintes o que lhes falei, pois estes sabem o que eu disse".

22. Dizendo ele isso, um dos guardas presentes deu uma bofetada em Jesus, dizendo: Assim respondes ao Sumo-Sacerdote?

23. Respondeu-lhe Jesus: "Se falei mal, testifica sobre o ma!? mas se bem, por que me bates?"



João registra o primeiro interrogatório extraoficial de Caifás, na qualidade de sumo-sacerdote. E suas perguntas limitam-se a dois pontos essenciais:
1. º - Quanto aos discípulos, a fim de calcular o grau de periculosidade da revolução que se temia estivesse Jesus preparando contra os romanos. Esse item serviria para denunciá-lo a Pilatos, o Governador que representava o poderio de Roma e que, pouco antes, mandara crucificar milhares de sediciosos que se rebelaram contra o Império.

2. º - Quanto à doutrina, a fim de julgá-Lo quanto à lei mosaica, pois ensinos contrários à lei provocavam, também, condenação à pena máxima.

O Sumo-Sacerdote tinha o direito de fazer, por sua posição, a segunda pergunta. Mas não a primeira.

Sua autoridade era religiosa, não política. Daí ter o Mestre calado quanto à primeira, respondendo apenas à segunda.

E assim mesmo não responde diretamente: faz ver que, se respondesse ele, não seria acreditado. Portanto, que interroguem aqueles que o ouviram, pois Ele falara abertamente nas sinagogas e no templo, para que todos ouvissem. Nada falara às escondidas. Os ouvintes poderiam testificar e seriam acreditados.

O Sumo-Sacerdote deve ter-se sentido frustrado com a resposta inesperada e um guarda, grosseiro e ignorante, não entendendo nada, aplica-lhe, para captar-se a simpatia do chefe, uma bofetada, reclamando contra a resposta, que fora perfeitamente legítima e dentro da lei.

Jesus mantém-se calmo e pergunta-lhe delicadamente onde está o erro de Sua resposta. E se não há erro, por que ser espancado?A resposta calma e ponderada de Jesus, enfrentando um homem rude e encolerizado - acentua Pirot bem equivale a "dar a outra face", como fora ensinado (Mat...5:39).

Eis-nos no primeiro encontro entre a vítima do holocausto e o Sumo-Sacerdote que vai oferecê-la no altar do sacrifício.

As indagações do Hierofante oficial da religião mosaica são feitas pro forma, já que sobejamente eram conhecidos Seus discípulos - gente humilde e não belicosa nem armada - e Sua doutrina de perdão das ofensas e de benefícios prestados a todos.

Mas essa "prévia", em que se encontravam as duas autoridades máximas - a da religião oficial ortodoxa e a da Escola Iniciática fundamentalmente esotérica - revela de imediato a superioridade moral da segunda, que não se acovarda diante da primeira, enfrentando-a serenamente e ensinando-lhe qual a maneira correta de agir: sindicância entre os ouvintes e não perguntas ao réu.

Continuará sempre essa dualidade de autoridades morais. No reino das personagens, ocupa a primazia o Chefe da RELIGIÃO esotérica, visível, pública; no reino das individualidades, o hierofante é o Chefe do ESPIRITUALISMO esotérico, fechado, místico. Um governa, o outro orienta. Um age para fora, externamente, o outro vive para dentro, internamente. Um é considerado autoridade pelos homens, o outro só constitui autoridade para os Espíritos. E no campo do Antissistema, no pólo negativo, só o primeiro tem valor e acatamento: o outro ou é desconhecido, ou, se vem a conhecer-se, é perseguido.

Nas eras antigas, era sumariamente assassinado; nos dias de hoje, procuram destruí-lo com maledicências e calúnias.

O Sumo-Sacedote da RELIGIÃO (de qualquer das religiões) é aliado político da autoridade profana, senta-se a seu lado, recebe-lhe as homenagens e as restribui, exige de um lado e cede de outro, para não perder suas regalias, e possui um exército com uniformes especiais que o distingue das homens comuns. O Sumo-Sacerdote do reino de Deus só tem aliança com Seus Mestres Espirituais, vivendo oculto do grande público, desconhecido das autoridades profanas, regendo almas e dirigindo-as na Senda. Ai dele se lhe percebem a autoridade e o grau de elevação! Torna-se insuportável Sua luz para os que habitam nas trevas do Antissistema, e todos os meios lhes parecem válidos para derrubá-lo, pois Suas obras luminosas lhes ferem os olhos habituados à escuridão da materialidade.

Daí a necessidade de virem à Terra esses Sumos-Sacerdotes disfarçados, entre os homens vulgares, como homem vulgar, em que sobressaem fraquezas e defeitos, a fim de não ser descoberto. Mas, lamentavelmente, depois de algum tempo de atuação, acabam desconfiando. E, por via das dúvidas, todos os que colocam sua Luz mais visivelmente, são perseguidos sem piedade, procurando-se acirradamente e com precipitação, que Seus seguidores deles se afastem e que eles fiquem isolados e malvistos.

A técnica se repete através dos séculos sem variar, desde os mais antigos profetas até hoje.

Mas há que ponderar a resposta do Mestre, onde declara a pura verdade: "falei abertamente ao mundo, ensinando nas sinagogas e no templo onde se reúnem os judeus: nada falei às escondidas".

Todo o ensino de Jesus foi apresentado ao ar livre, nos locais de reunião oficialmente destinados a isso. E mesmo assim, conseguiu transmitir os segredos ocultos do conhecimento, que era velado em parábolas, em alegorias, em simbolismos. Depois, em casa, explicava aos discípulos da Assembleia do Caminho esses "mistérios". Mas sobre essas "conversas íntimas" não tinha que dar satisfações: a pergunta visava à doutrina pregada em público, às ideias divulgadas entre o povo, não às palestras particulares entre amigos, aos quais "era dado conhecer os mistérios do Reino de Deus" (MC 4:11; LC 8:10).

A lição é preciosa, e outros exemplos semelhantes encontramos registrados na História, dados pelos 1niciados e Adeptos das Escolas de Tebas, de Elêusis, de Heliópolis, etc., recusando-se a responder a respeito dos segredos das Escolas que dirigiam ou frequentavam.

Grande sempre tem sido a curiosidade ansiosa dos profanos em conhecer e penetrar os mistérios desse ensino, mas jamais seus cultores os manifestaram, mesmo se isso lhes custasse a vida do corpo físico.

Até hoje não se conhece um só exemplo de traição aos compromissos assumidos: aqueles que deles não eram dignos e que tentaram levantar uma ponta do véu eram de imediato julgados e afastados do Colegiado. E o que disseram, não constitui, na realidade, o SEGREDO oculto, mas apenas contrafações da Verdade.

E mesmo quando, por Seus poderes e por Seu conhecimento dos segredos da natureza, um Adepto é condenado a morrer, Ele se deixa assassinar, e não foge à morte, embora pudesse ser defendido por legiões "de anjos" e dela escapar mas essa maneira de agir constituiria uma revelação do que pode, e isso bastaria para ser uma tradição à Verdade que defende: Ele sempre deve aparecer como um homem comum, igual aos outros. Assim agiram todos durante milênios.

Quanto ao ensino público, esse foi realmente dado às claras. Portanto, qualquer das pessoas que tivesse ouvido a palavra de Jesus, poderia dizer o que foi ensinado.

Não é raro que alguém tenha que enfrentar situações semelhantes, em que autoridades, mesmo legalmente constituídas, pretendam forçar a revelação de segredos espirituais, religiosos e até místicos, usando de argúcia ou mesmo de violência: Jesus mostra-nos como agir. É só saber imitá-lo.