16, 25; 1JO
Muitos comentadores interpretam essas palavras como realizadas pelas perseguições dos imperadores romanos contra os cristãos. Esquecem, entretanto, que a igreja que assumiu abusivamente o título d "cristã" em Roma, conquistado a fio de espada, já se havia bandeado para o pólo do "mundo", e perseguiu com muito mais violência os lídimos cristãos, por eles classificados de "arianos"; e no espaço de poucos dias, no ano de 380 (após o edicto de Milão de 3 de agosto de 379 e o edicto de Tessalônica, publicado por Teodósio em 27 de fevereiro de
380) só na cidade de Roma massacraram cerca de 30. 000 verdadeiros seguidores de Cristo - ou seja, um número muito mais elevado do que os assassinados pelos imperadores durante três séculos.
Quando a igreja de Roma, aliando-se aos imperadores romanos Constante e sobretudo Graciano, em 378, abandonou o Espírito do Cristo e aliou-se ao mundo, com esse gesto triste passou a perseguir e matar friamente - sobretudo com a fogueira e a espada - todos aqueles que possuíam o verdadeiro Esp írito crístico: os místicos, os profetas (médiuns, que eles chamavam "feiticeiros"), os enviados e mensageiros celestes que encarnavam, para tentar abrir os olhos dos homens ambiciosos de posses e posições mundanas, que haviam usurpado o mando na sociedade cristã.
Os primeiros assassinados como "feiticeiros", cujo registro ficou na história (Cfr. Amiano Marcelino) foram Hilarius e Patrícius, no ano 370; a última foi Anna Goeldi supliciada em Glaris (Suíça) em 17 de junho de 1782. Foram 1412 anos de assassinatos de médiuns! Catorze séculos!
Todas essas matanças e perseguições, de que a história registra horrorizada a maldade manifestada na época da Inquisição e da conquista sobretudo do México e do Peru, atestam a nítida e inegável posição que a igreja, que se dizia "do Cristo", assumira contra o próprio Cristo; haviam esquecido que o Novo Mandamento era o amor mútuo, e não a matança fratricida de criaturas, que amavam com o coração o mesmo Cristo que vivia profanado nos lábios hipócritas e mendazes das autoridades eclesiásticas, durante o longo espaço de 1. 400 anos. Somente agora, com o papa João 23, é que se começou a perceber o absurdo de suas atitudes e, oficialmente, se adotou o "ecumenismo", embora esparsamente ainda continuem, por obra de elementos avulsos, as mesmas incompreensões e ataques.
O texto original apresenta o verbo miséô, que significa precisamente "odiar", e não apenas "aborrecer" . O ódio é o pólo oposto do amor pregado pelo Cristo, e esse ódio resolvia-se pela impiedosa destrui ção das formas físicas, a fim de tirar de seu caminho de conquista das vantagens materiais, todos aqueles que falavam nas prerrogativas do Espírito e na ilusão da matéria, constituindo uma acusação viva e irrespondível à cobiça dos homens que se haviam apoderado do mando.
Essa perseguição e esse ódio, que Cristo assinalou ser "sem motivo" (cfr. Salmos
Basílio (século IV) deixou escrito: "As doutrinas dos Pais são desprezadas, as especulações dos inovadores criam raízes na igreja... a sabedoria do mundo toma lugar de honra, derrubando a glória da cruz.
Os pastores foram expulsos e em seu lugar subentraram afrontosos lobos que maltratam o rebanho. As casas de oração já não encontram quem nelas se reuna e os desertos estão cheios de gente enlutada" (Epístola 90).
J. G. Davies ("As Origens do Cristianismo", pág. 252), apesar de absolutamente parcial em favor do catolicismo, comenta: "A crescente secularização da igreja, devida à incursão dos que eram movidos por interesses e dos pagãos semi-convertidos, levou muitos a protestar. Os cristãos (ele escreve os padres" !) do deserto, na verdade fugiam não tanto do mundo, quanto do mundo na igreja". E mais adiante, verificando a aversão das autoridades eclesiásticas a todos os que buscavam o verdadeiro Espírito do Cristo, escreve: "Assim, no período entre Nicéia e Constantinopla, enquanto o movimento (monástico) criava raízes sólidas, só gradualmente pôde ganhar para sua causa os principais dirigentes da igreja, que o podiam defender de seus detratores. Um pagão convertido, cerca de 360, perguntou: Explicaime, agora, o que é a congregação ou seita dos monges, e por que é ela objeto de aversão, mesmo entre os nossos" (in Consul. Zacch. et Apoll., III, 3).
Observe-se que, no vers. 24 não se fala em "sinais" (sêmeion), mas em "obras" (érga), realizadas neles, ou seja, nos homens do mundo, e que eram próprias para abrir-lhes os olhos à realidade. Mas em todos os tempos e climas, as obras espirituais que beneficiam as criaturas servem, em grande parte, para dar-lhes forças de continuar realizando suas conquistas mundanas e terrenas.
O fato de "testificar" de "dar testemunho" (martyrein) é várias vezes repetido por João como fundamental para alertar as consciências dos homens (cfr. JO
Novamente fala o Cristo no "Advogado" (paráclêtos), que repete ser o Espírito verdadeiro, e que procede do Pai, ou seja, "sai de dentro" (ekporeúetai) do Pai, onde tem origem.
Para finalizar, anotemos que o Cristo fala-nos "que estão com Ele desde o começo". Não cremos que essa afirmativa se refira apenas aos que O acompanharam, durante alguns anos, em Sua peregrinação física na Palestina, sentido que é adotado em outros passos do Novo Testamento: é a convicção muito humana de que mais vale a convivência de corpos, do que a união profunda do Espírito; no entanto, esta é muito mais importante que o contato de corpos (cfr. AT
Avisos preciosos que todos nós, sobretudo aqueles que, viciados por longos séculos de vivência no seio da igreja "oficial" romana, ainda sentem no subconsciente instintivo a tentação das posições de destaque, das posses materiais, (que garantem o amanhã!), dos títulos hierárquicos, dos templos de pedra grandes, ricos e solenes, da escala sacerdotal cheia de privilégios e exceções em flagrante diferenciação da massa ignara: "Amarram fardos pesados e insuportáveis e impõem sobre os ombros dos homens, mas eles não querem movê-los com o dedo deles" (MT
O "mundo" não pode admitir em seu seio, não pode aceitar, o espírito crístico de renúncia e de perdão.
Encontrando-se no pólo oposto, condena e persegue seus maiores adversários. Pertence e vive bem no pólo do ódio, em franca e confessada oposição ao pólo do amor.
Por isso é indispensável que o pólo do amor atraia a si, mais pelo exemplo que pelas palavras, todos os elementos das forças constitutivas desse pólo negativo e, atraindo-os, os transforme em forças positivas.
Seguindo o Cristo, passam as criaturas para o Sistema e de imediato levantam-se contra elas, odiando-as, as forças cegas e violentas do Antissistema.
Devem todos ter conhecimento e consciência desse fato, para não se deixarem desanimar nos tremendos embates que têm sobre eles, como avalanches titânicas para derrubá-los: apesar do barulho exterior e das basófias que arrotam pedantemente, jamais conseguem destruir as "forças do Cordeiro" que, em sua mansidão e amor se sobrepõem rígida e inexpugnavelmente: "as portas inferiores não prevalecerão" contra os escolhidos. (MT
O mundo gosta dos que a ele pertencem, vivendo segundo suas leis e costumes, na busca infrene de bens, de prazeres, de fama, de posições e vantagens, de títulos e honrarias externas, embora pisando os concorrentes. Mas aqueles que o Cristo escolheu do mundo, segregando-os espiritualmente desse ambiente maquiavélico de competições; aqueles que renunciaram de coração a todo o acervo que constitui o ponto alto da primazia no mundo, e vivem apagados e apagando-se, recebendo golpes e dores como incentivo para galgar novos degraus na subida, alegrando-se nas tribulações, sorrindo impávidos ante as tempestades, amando quando afrontados, dando a capa quando lhes roubam a túnica, inatingíveis aos golpes da malícia e da maldade, - esses tomam-se insuportáveis ao mundo, que os considera covardes por não reagirem, já que o involuído não sabe que há mais necessidade de coragem para perdoar como os anjos, do que para vingar-se como os animais.
A humanidade, contudo, assaltando o poder e conseguindo posses materiais, terrenos, palácios, templos suntuosos, grandes extensões de latifúndios, esqueceu a advertência de que o "servo não é maior que seu senhor", e não refletem que o Senhor "não possuía uma pedra onde repousar a cabeça" (MT
Se não tivesse Ele vindo à Terra, não teria havido erro. Mas o sublime Pastor aqui veio, deu o exemplo vivo, serviu de modelo: portanto não há desculpa para esse erro clamoroso.
E, falando o Cristo, é claro que quem odeia o Filho, odeia o Pai que O enviou. Odeia, no sentido de permanecer no pólo negativo, opondo-se pela vivência ao pólo positivo. Apesar de todas as obras de grandiosidade e benemerência, desprezam tudo o que é do Espírito, só cuidando da parte material terrena.
Na realidade "não há motivo" para esse ódio: por que o mau odeia o bom? Porque a vivência do bem é uma condenação patente do mal e a consciência íntima mais profunda grita dentro deles que estão errados. Por mais que procurem abafar a voz silenciosa da consciência que provém do Eu profundo, não conseguem eliminá-la.
Mais uma vez aparece o esclarecimento indispensável de que "todas as vezes que vier o Advogado que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito verdadeiro, ele testificará a respeito do mim".
Vale a pena pararmos para tecer alguns comentários sobre isso.
—que só vibrava até então na personagem transitória - se aprimore e eleve sua frequência vibratória, até que possa sintonizar na faixa superior do Espírito.
Ao sentir essa necessidade - o que ocorre como impulso que vem de dentro - quer por si mesmo, quer alertado por leituras e conhecimentos que vai adquirindo, inicia o processo longo e árduo de buscar unir-se a esse Eu profundo que permanece em outro plano. Esforça-se, tenta, prepara-se, coloca todas as condições requeridas para isso, e começa a perceber, de princípio como lampejos, mais tarde como permanente conscientização, a existência real dessa Individualidade superior, cujos primórdios de contato já fora levado a sentir de modo automático, embora inconscientemente, durante milênios, nos momentos de clímax do orgasmo sexual e do sono profundo sem sonhos.
Atingido esse estágio, vai recebendo gradualmente a resposta a seus anseios: o próprio Eu profundo, o Espírito verdadeiro, vem contatar com a personagem intelectiva, atraindo-a a si.
A Centelha crística - o Cristo interno - que funciona como impulsor constante desde que se individuou, saindo do Pai, como partícula indivisa, age positivamente e envia, condicionando-o e impelindo-o a isso, esse Eu profundo, essa Individualidade superior, esse Espírito verdadeiro, a vir até a personagem a fim de testificar a respeito do próprio Cristo. E então ocorre que essa Individualidade - à qual o Cristo fala diretamente, interpelando-a de "vós" - passará a testificar a respeito da real essência e da veracidade de todo o processo.
E o Mestre termina: "porque desde o princípio estais comigo".
Incongruente seria interpretar-se a frase no sentido limitado das personagens em contato com a personagem: ficaria o ensino cósmico reduzido a um episódio transitório de três anos, dentro de um período que conta muitos milhões de anos. O sentido é bem mais amplo.
Sendo individuação do Cristo cósmico, a Individualidade está com o Cristo desde o princípio de sua individuação, mesmo que ignore totalmente essa realidade.
Eis então a gnose total e plena da posição que precisamos assumir, para defender-nos do ódio destruidor do mundo. Procuremos resumir esquematicamente essa "obra" (érgon) que Cristo "realizou em nós" (vers. 24), a ver se damos forma didática.
Dentro do infinito adimensional e do eterno atemporal do Cristo Cósmico, que é resultante necessário e sem princípio (Filho unigênito) do Som (Pai), que é a vibração energética produzida pela degradação das vibrações da Luz Incriada (Espírito-Santo), processa-se uma individuação: uma Centelha que é lançada para atuar (passa de potência a ato) sem destacar-se do Todo. Portanto, também não tem princípio, a não ser "externo", já que existia em potência desde toda a eternidade.
Essa Centelha decresce suas vibrações até o estado de "núcleo", que passa a girar por efeito das vibrações energéticas do Som (Pai), mantendo em si a vida própria, que é a do Espírito (Luz), a mesma que mantém a Energia (Som) e vivifica o Cristo Cósmico (Filho unigênito), permanecendo tudo ligado como um só Todo, apenas desomogeneizado.
Esse núcleo vai agregando a si elétrons e prótons, mésons e néutrons, e outros elementos desconhecidos a nós, até constituir um átomo, que também degrada suas vibrações até materializar-se no reino mineral (o estado mais baixo e menor da matéria que até agora podemos conhecer, o que não impede que possa haver outros ainda inferiores).
Começa daí a linha evolutiva para o Sistema, após essa "queda" no Antissistema. Sempre sustentado pelo Som, vivificado pelo Espírito, e mergulhado no Cristo, desenvolve-se o átomo primitivo, atravessando eons incomensuráveis como mineral, depois como vegetal, adquirindo envoltórios sempre mais desenvolvidos: duplo etérico e a seguir corpo astral, onde aprimora o psiquismo mais animal.
Prosseguindo na linha ascensional, o psiquismo se vai elevando aos poucos no reino hominal, até atingir o estado de pneuma, no qual aprimora o intelecto, enriquecendo-se com a cultura diferenciada que avoluma seu potencial.
Já nessa altura, o Eu profundo começa a situar-se com independência, preparando-se para receber conscientemente o influxo crístico, e expandindo, cada vez mais, sua gama vibratória, de tal forma que sua faixa mais alta sintoniza com a frequência crística, e a mais baixa com a personagem encarnada.
Não deve causar estranheza que o Eu profundo venha a existir já bem mais tarde, só quando adquire potencialidade suficiente para isso, em virtude do acúmulo de experiência conquistada durante a evolução de seus veículos: grande maioria dos seres, apesar de sua forma externa humana, ainda não atingiram o estágio de Homem, e se isso não foi conseguido, "ainda não tem Espírito" (JO
Ao tomar consciência dessa realidade espiritual, o homem encarnado começa a interessar-se pelos assuntos espirituais internos a si mesmos - não se trata, porém, do interesse pelos assuntos religiosos externos, coisa natural ao homem desde que o psiquismo iniciou sua transformação em pneuma, na primeira infância do reino hominal - e começa também a buscar a elevação de seu nível consciencial, para poder transferi-lo da personagem para a Individualidade.
É nesse ponto que o Eu profundo forceja por entrar em contato com aquele que O busca; constitui-se, então, em "Advogado" ou seja, "o que é chamado para junto da personagem".
Então, "todas as vezes que o Advogado (o Eu Profundo) vier, ele será enviado (ou "impelido") pelo Cristo Interno; e essa impulsão é dada da parte do Pai (ou Som energético) de onde ele saiu. E esse Eu profundo atestará a realidade da essência do Cristo, demonstrando-o claramente à personagem, de tal forma, que esta também poderá dar seu testemunho à humanidade. E esse testemunho da individualidade é sólido, convincente e irrespondível, porque a individualidade está com o Cristo interno desde o desabrochar de sua existência (EX+SISTERE, isto é, exteriorizar-se), desde sua individuação.
Se a personagem o ignora, nada importa: o Cristo tem disso consciência, e já a passou para o Eu profundo, e este encontra-se capacitado para garantir essa verdade à personagem, dando testemunho da realidade do fato. Figuremos um bebê recém-nascido: embora produzido pelo pai, plasmado e alimentado pela mãe, ele ignora esse fato.
À proporção que vai crescendo e desenvolvendo seu cérebro, vai tomando consciência do que se passa.
Ao atingir certo grau de amadurecimento, recebe o testemunho dos pais acerca de sua filiação; testemunho válido, porque proveniente do conhecimento pessoal das ocorrências.
Assim, na infância de seu Eu, a personagem nada percebe. Mas ao atingir certo grau de maturidade espiritual, o Eu profundo, o Espírito verdadeiro, testifica a origem divina do ser, porque SABE donde veio e para onde vai, coisa ainda desconhecida à personagem (cfr. JO
Recebido esse testemunho, e certa de sua veracidade, a própria personagem passará também a testificar tudo o que sabe a respeito do Eu e do Cristo. E desde o primeiro instante que isso ocorrer, começará a sofrer os impactos violentos da perseguição do "mundo", que desconhece totalmente tudo isso, e crê que a única realidade, é o corpo físico, com as sensações e emoções que pensa serem dele. Daí dizer que, com a morte, tudo acaba!