Originariamente, todos somos dotados da Luz de Deus, filhos de Sua providência, herdeiros de Seu poder sem fim. Ao toque salutar da bondade, da misericórdia, da caridade, todo e qualquer coração desviado ou assolado por desgosto se converte, reassumindo sua identidade essencial. Todo o trabalho de Jesus na Terra tem esse escopo, daí suas lições tornarem-se roteiro de iluminação e de santificação para as almas em trânsito entre a animalidade e a angelitude, que o Mestre expressa com inconcebível pureza.
O texto de Lucas, no capítulo 19, discorre sobre um publicano, apresentando notas dignas de análise espiritual, cientes que estamos de que nada se perde quando nos reportamos a Jesus e sua obra...
O relato do médico amigo de Paulo noticia a entrada de Jesus em Jericó, e esta cidade, por si, simboliza os interesses materiais, se a comparamos com Jerusalém, onde se buscava o Templo, ou seja, os interesses espirituais. No báratro dos interesses pessoais, criaturas incontáveis desenvolvem suas percepções intelectuais, para, de algum modo, atingirem as percepções morais. Competições, ambições, desejos e cobiças se mesclam, com propósitos ainda primários, e a resultante é sempre a violência e os embates próprios dos interesses pessoais, até que haja um amanho dos sentimentos e os valores morais definam, para as criaturas, posturas mais éticas, e assim estabeleçam regras para a convivência, buscando harmonização de interesses gerais, coletivos.
Note-se que Zaqueu é qualificado de "varão", ou seja, não é um elemento "passivo", porque é senhor de si e faz o que lhe convém. Era rico, não obstante as críticas e reservas dos circunstantes (os irmãos de raça consideravam-no "pecador"). Nesse passo, temos a observar que mesmo um elemento vicioso, desviado pode apresentar riqueza e muitas habilidades, onde e como está. E a Providência Divina sabe identificá-lo, para incremento de sua evolução em bases espirituais legítimas, como ocorrera a Saulo, que se converteu e, como Paulo, descreveu uma órbita sublime, em prol do Evangelho.
A "multidão" dos interesses (domínio materialista em seu campo mental) não lhe permitia "ver" Jesus - e essa dificuldade prevalece no Mundo para ricos e pobres, letrados e ignorantes, quando os interesses primários da matéria e seus sistemas (labirintos) absorvem as forças do indivíduo, que "se enterra" nos processos existenciais e fica cego por muito tempo: "Por isso diz: Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá" (Efésios
Outro item da descrição, muito importante, revela a "pouca estatura" de Zaqueu: "Porque tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam" (Hebreus
Toda vez que oramos com fervor ou que buscamos o estudo de uma obra recamada de verdades espirituais, subimos nos sicômoros ou nos montes... São momentos em que deixamos Jericó e vamos para Jerusalém: "E, despedida a multidão, subiu ao monte para orar, à parte. E, chegada já a tarde, estava ali só" (MT
Por efeito desse movimento, desse esforço de Zaqueu (considerado um homem do mundo), Jesus o "vê" e o orienta: "Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos" (MT
Com esta determinação de Jesus ao publicano, temos todo um tratado do processo evolutivo a compreender. Ao conversar com Nicodemos, Jesus assinala a reencarnação como condição sine qua non para se alcançar o progresso, a evolução, e define isso, ao dizer: "Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do Homem, que está no céu" (JO
É assim que Jesus "entra" na casa de um pecador, de alguém que estava perdido, pois o Evangelho "entra" no nosso campo mental, que é a nossa "casa mental", e irriga-a com valores divinos, para que, no dia a dia, possamos operar a evolução consciente, refletindo a sabedoria e o amor que o Cristo nos ensinou.
A resultante desse processo de elevação moral, definido na passagem de Zaqueu, é o que se lê a seguir, pois o publicano fez por vontade própria, por retomada de consciência, já que Jesus nada lhe pediu, a não ser "pousar" em sua casa (em seu íntimo): "E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado" (LC
A "salvação" é o processo de retorno à casa do Pai, com todas as aquisições adquiridas pelo uso do livre-arbítrio nos domínios da ilusão e dos desvios de toda ordem, porque, ao "se levantar", Zaqueu se posicionou vigorosamente, deixando os "rudimentos" em que se submergia, levando a "essência" de seu aprendizado por onde andou.