O Evangelho dos Humildes

CAPÍTULO 15

A TRADIÇÃO DOS ANTIGOS



(Mt 15:1-39; Mc 7:1-23)
1 Então chegaram a ele alguns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo:

2 Porque violam os teus discípulos a tradição dos antigos? pois não lavam as mãos quando comem pão.


3 E ele, respondendo-lhes disse: E vós também porque transgredis o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus disse:

4 Honra a teu pai e à tua mãe e o que amaldiçoar a seu pai ou à sua mãe, morra de morte.

5 Porém vós, outros dizeis: Qualquer que disser a seu pai ou à sua mãe: Toda a oferta que eu faço a Deus te aproveitará a ti.

6 Pois é certo que o tal não honrará a seu pai ou à sua mãe; assim é que vós tendes feito vão o mandamento de Deus pela vossa tradição.


7 Hipócritas, bem profetizou de vós outros 1saias, quando diz:

8 Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.

9 Em vão pois me honram, ensinando doutrinas e mandamentos que vêm dos homens.

É muito mais fácil observarem-se preceitos materiais do que preceitos morais. Os preceitos materiais se apoiam em formalidades exteriores, ritos vãos, ostentação, orgulho e hipocrisia. Ao passo que a observância dos preceitos morais parte do íntimo do indivíduo; sem íntimo regenerado, sem reforma interior não é possível praticá-los.

A observância dos preceitos morais satisfaz a consciência e a observância dos preceitos materiais satisfaz a vaidade, as conveniências mundanas e o comodismo.

Os preceitos materiais constituem doutrinas e mandamentos que vêm dos homens; são moldados segundo as conveniências da matéria e na prática deles jamais o coração toma parte.

Quanto a honrar Jesus com os lábios, mas não tê-lo no coração, é justamente alguém querer esquivar-se à reforma intima, dando, contudo, hipócritas demonstrações de seguir os ensinamentos dele. Isso acontece, ordinariamente, com os oradores que pregam em todos os lugares a doutrina de Jesus, porém não vivem de conformidade com o que ensinam aos outros; a semelhante proceder dá-se o nome de hipocrisia. E Jesus que amava os humildes, os fracos, os pecadores e os ignorantes, insurgia-se contra os hipócritas e não os tolerava. E lhes condena as práticas religiosas materiais, com as quais julgavam ocultar dos olhos de Deus os vícios e os crimes, que não queriam extirpar de seus corações.

10 E chamando a si as turbas lhes disse: Ouvi e entendei.

11 Não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem, mas o que sai da boca, isso é o que faz imundo o homem.

O uso da palavra é um dom divino, que devemos aproveitar para o bem. As palavras más que ferem nosso próximo, a maledicência promotora da desarmonia, da desconfiança, da suspeita e da calúnia que mancham as reputações alheias; toda a palavra que pode trazer perturbações a nosso próximo e até causar-lhe ruínas, isso é o que torna o homem imundo.

É um péssimo hábito querer alguém dirigir a vida dos outros ou se imiscuir nela pela palavra. Há certas ocasiões em que é preciso saber calar, para que se evitem males maiores. O silêncio é uma joia de inestimável valor, mas que raros encarnados sabem apreciar. A maioria gasta o tempo em conversas fúteis e mesmo de baixa qualidade, que não beneficiam nem a si nem ao próximo. Ë preciso que nós nos recordemos que constantemente irradiamos fluidos, os quais são criados e dirigidos pelo nosso pensamento. Pensamentos puros criam fluidos puros e conversas puras dão mais força a esses fluidos, que podem ir beneficiar grandemente todos aqueles a quem são dirigidos; e se a conversa for elevada beneficiará e fortalecerá a todos. Pensamentos impuros criam fluidos impuros que prejudicam quem os emite e as palavras daí oriundas, podem ir prejudicar os outros e voltarem a ferir quem as pronuncia, em virtude do choque de retorno, que faz com que o bem e o mal voltem a seus promotores.

12 Então, chegando-se a ele seus discípulos, lhe disseram: Sabes que os fariseus, depois que ouviram o que disseste, ficaram escandalizados?

Os fariseus ficaram escandalizados por dois motivos: os ensinamentos que Jesus trazia, eram novos e poucos estavam à altura de compreendê-los.

Depois notaram que os ensinamentos de Jesus estavam em completo desacordo com o gênero de vida, que eles, os fariseus, levavam, não só na parte material, como também na parte religiosa; porque através da religião que aparentavam servir, na realidade serviam a seus próprios interesses. Para seguirem os ensinamentos de Jesus, teriam de reformar radicalmente seus corações, seus costumes e suas instituições, o que os deixou abalados.

Na verdade, não se corrigem sem lutas os hábitos errôneos arraigados na alma desde inúmeras gerações; era preciso que os fariseus fizessem grande esforço para isso; Jesus convidava-os, mas eles o repeliam.

13 Mas ele, respondendo, lhes disse: Toda a planta que meu Pai celestial não plantou, será arrancada pela raiz.

14 Deixai-os; cegos são e condutores de cegos; e se um cego guia a outro cego, ambos vêm a cair no barranco.

As árvores que o Pai celestial não plantou são as religiões organizadas pelos homens com fins meramente lucrativos. São organizações mundiais que desfrutam do poder e do conforto materiais, desde o primeiro dia em que se tornaram religiões oficiais, isto é, protegidas dos governos. Onde quer que formos, sempre as encontraremos de braços dados com os poderosos e a amealharem o ouro da terra. Jamais cuidaram de cultivar a espiritualidade dos povos; ao contrário, seus principais esforços tenderam sempre a conservar os povos na ignorância para auferirem maior proveito. Seus sacerdotes, cegos pelo brilho das coisas terrenas e afastados das leis divinas, dão péssimos exemplos ao povo; e mandam que seus adeptos observem fórmulas, rituais e práticas vãs, fazendo com que se percam na materialidade as almas que deveriam encaminhar para Deus.

À medida que a humanidade se for esclarecendo espiritualmente, irão desaparecendo tais religiões, até chegar a época em que estarão completamente extirpadas da face da terra.

E também plantas que o Pai não plantou, são os vícios, as paixões inferiores e o mal em suas variadas manifestações. O progresso espiritual dos homens fará com que estas plantas sejam arrancadas do coração de cada um dos filhos de Deus.

15 E respondendo, Pedro lhe disse: Explica-nos essa parábola.

16 E respondendo Jesus: Também vós outros estais sem inteligência?

17 Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce ao ventre, e se lança depois num lugar excuso?


18 Mas as coisas que saem da boca vêm do coração, e estas são as que fazem o homem imundo:

19 Porque do coração é que saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias;

20 Estas coisas são as que fazem imundo o homem. O comer porém com as mãos por lavar, isso não faz imundo o homem.

Jesus insiste na reforma íntima de cada um, deixando bem patente que de nada valem as cerimônias exteriores. É no íntimo do indivíduo que se gera o mal, o qual depois se concretiza em atos. Por conseguinte, sem reforma interior, jamais conseguiremos purificar nossos corações. E sem coração purificado, jamais sairão da bôca coisas que honrem e elevem a alma.


A MULHER CANANEIA

(Mc 7:24-30)

21 E tendo saído daquele lugar, retirou-se Jesus para as partes de Tiro e de Sidônia.

22 E eis que uma mulher Cananeia, que tinha saído daqueles confins, gritou, dizendo-lhe: Filho de David, tem compaixão de mim, que está minha filha miseravelmente atormentada do demônio.

23 Mas ele não respondeu palavra. E chegando-se seus discípulos lhe pediam, dizendo: Despede-a porque vem gritando atrás de nós.

24 E ele respondendo lhes disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas que pereceram da casa de Israel.

25 Mas ela veio e o adorou, dizendo: Senhor, valei-me.

26 E respondendo, lhe disse: Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães.

27 E ela replicou: Assim é, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos.

28 Então respondendo Jesus, lhe disse: Ó mulher, grande é a tua fé; façase contigo como queres. E desde aquela hora ficou sã a sua filha.

A mulher cananeia simboliza todas as nações da terra que um dia acorrerão a abraçar o Evangelho. Jesus pregou o Evangelho aos 1sraelitas e assim mesmo a uma diminuta parte deles. Ele veio plantar a semente do Evangelho; outros se encarregariam de cuidar dela, até que se tornasse uma árvore generosa, a cuja sombra descansaria a humanidade. Por isso é que ele diz que foi enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel.

À primeira vista, parece que Jesus não tinha se apiedado da mulher cananeia, cuja filha estava obsidiada. Tal não era, porém, o pensamento do Mestre, cujo coração pulsava em uníssono com os corações dos sofredores que o clamavam. Com sua palavra, que parece envolver uma recusa, quis Jesus provar se aquela mulher tinha fé suficiente para merecer a graça que pedia. Pela sua resposta, a mulher demonstrou a grande fé que possuía.

Jesus, então, sentiu-se à vontade para curar-lhe a filha, isto é, para afastar o espírito obsessor que a atormentava.

É digno de notar-se, mais uma vez, que Jesus procura pacientemente despertar a fé nos corações dos que recorriam a ele; porque a fé e uma prova de regeneração eae obediência às leis divinas.

Em nossos dias, há muitos que se dirigem ao Espiritismo para se curarem.

Contudo, cada um receberá segundo seu merecimento, em virtude das provas e das expiações pelas quais terá de passar, oriundas de existências anteriores.

Entretanto, os que não se curarem, mas que procurarem as fontes espirituais cheios de fé, pelo menos conseguirão minorar seus padecimentos, pela grande fortaleza moral que adquirirão.


A SEGUNDA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES

(Mc 8:1-10)

29 E tendo Jesus saido dali, veio ao longo do mar de Galileia e, subindo a um monte, se assentou ali.

30 Então concorreu a ele uma grande multidão de povo, que trazia consigo mudos, coxos, mancos e outros muitos; e lançaram-os a seus pés e ele os sarou.

31 De sorte que se admiravam as gentes, vendo falar os mudos, andar os coxos, ver os cegos; e engrandeciam por isso ao Deus de Israel.

32 Mas Jesus chamando a seus discípulos, disse: Tenho compaixão destas gentes, porque há já três dias que perseveram comigo, e não têm o que comer; e não quero despedi-los em jejum para que não desfaleçam no caminho.

33 E os discípulos lhe disseram: Como poderemos nós pois achar neste deserto tantos pães que fartem tão grande multidão de gente?

34 E Jesus lhes perguntou: Quantos pães tendes vós? E eles responderam: Sete e uns poucos de peixinhos.

35 Mandou ele então à gente que se recostasse sobre a terra.

86 E tomando os sete pães e os peixes, e dando graças, os partiu e deu aos seus discípulos e os discípulos os deram ao povo.

37 E comeram todos e se fartaram. E dos fragmentos que sobejaram, levantaram sete alcofas cheias.

38 E os que comeram foram quatro mil homens, fora meninos e mulheres.

39 E despedido a gente, entrou Jesus em uma barca, e passou os limites de Magedan.

Jesus é o despenseiro divino. Compadeceu-se da humanidade que marchava na aridez da matéria, e franqueou-lhe a despensa celeste, onde há pão espiritual para todas as almas famintas, luz para clarear todas as trevas, consolo para todas as aflições, esperanças para todos os desalentados. Jesus multiplica incessantemente sua palavra, de modo que nunca deixará de fartar as multidões que acorrem a ele, e sempre sobrará para os que vierem depois.

Como já foi explicado, o fenômeno da multiplicação dos pães pertence à categoria dos fenômenos de efeitos físicos. Jesus, que manejava com facilidade as leis fluídicas que regem nosso globo, fazia com que se materializassem em suas mãos os bocados de pão que, em seguida, eram dados ao povo. Nada há de anormal nesse fenômeno, que já tem sido reproduzido em sessões espíritas de efeitos físicos, guardando-se as devidas proporções, onde os espíritos, servindo-se de médiuns de efeitos físicos já têm materializado não só bocados de pão, como outros objetos.