O Evangelho dos Humildes

CAPÍTULO 6

CONTINUAÇÃO DO SERMÃO DA MONTANHA. ESMOLAS, ORAÇÃO, JEJUM



(Mt 6:1-18; Lc 11:1-13)

1 Guardai-vos não façais as vossas boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis a recompensa da mão de vosso Pai que está nos céus.

No coração dos homens há dois sentimentos que os impelem a executar seus atos: a humildade e o orgulho.

A humildade é o sentimento que leva o homem a praticar o bem pelo bem, sem esperar outra recompensa a não ser a satisfação intima de ter concorrido para a felicidade de um irmão.

E o orgulho é o sentimento que leva o homem a praticar o bem por ostentação.

Jesus aqui nos recomenda que façamos o bem movidos pelo sentimento da humildade.

2 Quando pois dás a esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como praticam os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem honrados dos homens; em verdade vos digo que eles já receberam a sua recompensa.

Isto é, quando deres esmolas, ou praticares qualquer ato bom para com teu próximo, que não seja o sentimento do orgulho que te mova, mas sim que sejas movido pelo sentimento da humildade e da fraternidade.

3 Mas quando dás a esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita.

4 Para que tua esmola fique escondida e teu Pai, que vê o que tu fazes em secreto, ta pagará.

Preceituando que não devemos beneficiar ninguém à vista de todos, Jesus nos ensina a não humilhar o irmão que recorre a nós. Há bastante sofrimento no coração do irmão necessitado.

Por que lhe aumentar as amarguras, tornando-o alvo de uma beneficência orgulhosa?

A verdadeira beneficência é modesta e branda; socorre sem humilhar e ampara sem ferir a dignidade de cada criatura, por ínfima que seja.

Ainda aqui devemos imitar o Pai em sua perfeição: não está ele nos socorrendo e amparando sem cessar? Nem por isso ele nos lembra o que lhe devemos. Assim seremos: beneficiaremos nossos irmãos no que estiver ao nosso alcance e nunca deixaremos vestígios pelos quais se alardeie nossa caridade.

5 E quando orais, não haveis de ser como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos dos homens; em verdade vos digo que eles já receberam a sua recompensa.

6 Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechada a porta, ora a teu Pai em secreto; e teu Pai que vê o que se passa em secreto, te dará a paga.

A prece é uma demonstração de humildade da criatura para com o Criador; não pode, por conseguinte, servir de estimulo ao orgulho dos homens.

Recomendando-nos que oremos secretamente dentro de nosso quarto, Jesus quer que o sagrado ato da prece seja realizado na maior simplicidade possível e na mais perfeita humildade e harmonia.

7 E quando orais, não faleis muito como os gentios; pois cuidam que pelo muito falar serão ouvidos.

A prece não vale pelas palavras com que é formulada, e sim pelo sentimento que a inspira. Não são os lábios que devem orar, mas o próprio coração.

8 Não queirais portanto parecer-vos com eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, primeiro que vós lho peÇais.

É verdade que o Pai sabe o que é necessário a cada um de nós, antes que lho peçamos. Jesus, neste versículo, quer dizer-nos que, velando pela criação inteira, está a Providência Divina, que a tudo provê.

Contudo, temos obrigação de orar, tanto assim que Jesus nos ensina como devemos orar.

A prece é um dever e uma necessidade.

Como dever, é um ato de adoração e de agradecimento ao Pai, do qual recebemos a vida.

É uma necessidade, porque é por meio da prece que movimentamos as forças magnéticas que nos protegerão contra as investidas maléficas do invisível; e com ela melhoramos nossa vida, adquirindo forças para suportarmos com resignação e coragem as provas e as expiações.

E para corrigirmos nossas imperfeições e livrarmo-nos dos vícios, é ainda a prece um auxiliar poderoso, porque fortifica nossa vontade.

9 Assim pois é que vós haveis de orar: Pai nosso que estás nos céus; santificado seja o teu nome.

O Pai Nosso, a oração universal por excelência, a prece maravilhosa que Jesus nos ensina, além de ser uma oração completa que dirigimos a Deus, é também uma norma de bem viver, um guia seguro para vivermos cristãmente.

Iniciamos a prece por um ato de adoração a Deus, em cuja presença se move o Universo.

E como o nome de Deus é santo, devemos pronunciá-lo sempre com o máximo respeito.

10 Venha a nós o teu reino. Seja feita tua vontade, assim na terra como nos céus.

O reino que desejamos é um mundo, onde todos sejam felizes. É, portanto, nosso dever trabalhar para que haja a maior soma possível de felicidade na terra.

Só Deus sabe o que convém a cada um de seus filhos; por conseguinte, devemos conformar-nos com a Vontade Divina que rege o Universo.

11 O pão nosso de cada dia, dá-nos hoje.

Rogamos ao Pai celestial os meios de subsistência material e espiritual. A subsistência material, conseguimo-la pelo trabalho; e a espiritual, pelo cumprimento, pelo estudo e pelo respeito às leis divinas.

12 E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como também perdoamos aos nossos devedores.

Para recebermos uma graça de nosso Pai, devemos ter iniciativa. Se não procurarmos merecer o favor divino, estacionaremos na estrada do progresso.

E se lutarmos para alcançar o auxilio celeste, tanto mais depressa construiremos nossa felicidade.

Todavia, o auxílio divino está sempre subordinado aos atos que praticamos para com nosso próximo. É necessário, pois, que façamos o máximo de bem possível a nossos irmãos, para que Deus nos favoreça com sua misericórdia.

Um dos benefícios, que Jesus nos ensina a obtermos de Deus, é o perdão das faltas, que cometemos contra suas leis. Ora, nossos irmãos cometem faltas contra nós; se lhes perdoarmos os prejuízos morais ou materiais que nos causam, é certo conseguirmos o perdão de Deus, pelos erros em que incidimos durante nossa encarnação. Aqui Jesus nos faz ver a necessidade de usarmos de nossa misericórdia para com os outros, a fim de que o Pai use de sua misericórdia para conosco.

13 E não nos deixes cair em tentação. Mas livra-nos do mal. Amém.

Pedimos ao Pai as forças suficientes para resistirmos às tentações que se nos apresentam durante a vida; por isso, quando formos tentados, devemos elevar ao Alto o nosso pensamento, donde nos virá o auxílio.

Roguemos ao Senhor que nos livre do mal, mas não o pratiquemos nem por atos, nem por palavras, nem por pensamento.

14 Porque se vós perdoardes aos homens as ofensas que tendes deles, também o vosso Pai celestial perdoará os vossos pecados.

15 Mas se não perdoardes aos homens, tampouco o vosso Pai vos perdoará os vossos pecados.

Os atos que praticamos aqui na terra são a favor de nosso próximo, ou contra ele. Quando são a favor de nosso próximo, dizemos que são atos bons.

Quando são contra nosso próximo, dizemos que são atos maus.

Dentre os atos maus, destaca-se a vingança.

Vingar-se é retribuir o mal com o mal. Todo mal causa sofrimentos. Por conseguinte, a vingança perpetua o sofrimento na face da terra. E, quando os contendores desencarnarem, o mal continuará seus maléficos efeitos no mundo espiritual. Infelizmente não pararão aí as terríveis consequências da vingança: projetar-se-ão pelas reencarnações futuras, até que os infelizes irmãos, que não souberam perdoar, aprendam a praticar a lei do perdão, que a vingança os fizera desprezar. Por isso, Jesus, que veio ensinar-nos como terminar com o sofrimento que infelicita a terra, recomenda-nos, insistentemente, que não menosprezemos a lei do Perdão. A toda ofensa que nos fizerem, retribuamos com o bem ou a esqueçamos completamente, a fim de extinguirmos, de pronto, os focos de futuros tormentos.


O perdão espiritualiza a criatura, ao passo que a vingança a confina nos ambientes de trevas. E aqui Jesus nos quer dizer:

— Se perdoares, Deus te perdoará, isto é, nada ficarás a dever a teu próximo e, portanto, nada terás de resgatar no futuro. Se não perdoares, Deus não te perdoará, isto é, tu te tornarás devedor do mal que tua vingança causou e serás obrigado a saldar a dívida, que contraíste perante tua própria consciência.

E o Espiritismo te revela que em perdoares, nada perderás, porque a Providência Divina saberá dispor as coisas para que teu ofensor te dê a reparação no momento oportuno; se não for nesta, será nas futuras reencarnações, ou no mundo espiritual, onde se encontrarão algozes e mártires, vítimas e ofensores.

16 E quando jejuais, não vos ponhais tristes como os hipócritas; porque eles desfiguram os seus rostos, para fazer ver aos homens que jejuam.

Na verdade, vos digo, que já receberam sua recompensa.

Aqui Jesus alude ao jejum espiritual. É a alma que deve jejuar e não o corpo. O jejum da alma são as expiações, por meio das quais se corrigem os erros do passado e purificam-se as imperfeições. Quando atravessarmos o período das expiações e o sofrimento nos chamar ao pagamento de dívidas antigas, não nos entreguemos ao desespero, a murmurações e a lamentações contra as leis divinas. Não nos revoltemos quando a dor impuser à nossa alma o jejum da felicidade terrena, para não perdermos a sagrada oportunidade do resgate, que a misericórdia do Pai nos oferece.

17 Mas tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto.

18 A fim de que não pareças aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai, que está presente a tudo o que há de mais secreto; e teu Pai, que vê o que se passa em secreto, te dará a paga.

O jejum, que o Pai recompensa, pode ser de duas espécies: uma é a resignação ante as provas e as expiações. Ante as provas, porque são os degraus da escada, que precisamos subir, para alcançar a Perfeição. Ante as expiações porque são os meios, pelos quais corrigimos os erros de nossas existências passadas.

A outra espécie de jejum é o esforço que fazemos, para nos libertarmos de nossas imperfeições. Quando perdoamos, quando abandonamos os vícios, quando alimentamos pensamentos puros, quando evitamos ser maldizentes, quando cumprimos rigorosamente nossos deveres, quando somos humildes, quando amamos nosso próximo, tudo isso constitui um verdadeiro jejum espiritual, muito meritório aos olhos de Deus.

Todavia, Jesus recomenda que esse jejum espiritual seja praticado na humildade de nosso coração, sem hipocrisia, sem alardes, o mais ocultamente possível, para que o orgulho não comprometa os resultados.

Ao praticarmos o jejum espiritual, devemos notar que Deus não impede nem proibe que trabalhemos para suavizar nossas provas e nossas expiações.

Ele nos deu a inteligência, justamente para melhorarmos, com nossos próprios esforços, as condições materiais e espirituais em que nos encontramos. Nosso principal objetivo deve consistir em conseguirmos ser felizes aqui na Terra, como encarnados, e mais tarde como desencarnados, no mundo espiritual, para onde iremos. Devemos ser resignados, porque a resignação é um belíssimo jejum espiritual; contudo, jamais deixemos de lutar tenazmente para melhorar o estado em que estivermos. Resignação não éaceitar a vida com os braços cruzados: é trabalhar para progredirmos material e espiritualmente, confiantes na Providência Divina.

Ao dizer-nos Jesus que, quando jejuarmos, unjamos a cabeça e lavemos o rosto, ele nos ensina que recebamos com alegria as oportunidades de progresso espiritual. Ao passarmos pelas provas, alegremo-nos; depois delas, teremos conquistado mais um galardão espiritual. Ao sermos atingidos pelas expiações, alegremo-nos; depois delas, nosso perispírito se apresentará mais luminoso e nosso coração mais puro. E a alegria não deixará que os homens vejam a mortificação de nossa alma; mas Deus a vê e providenciará, segundo sua misericórdia e nosso merecimento.


O TESOURO NO CÉU O OLHO PURO. OS DOIS SENHORES. A ANSIOSA SOLICITUDE PELA NOSSA VIDA

(Mt6:19, Mt 5:15; Mc 4:21; Lc 8:16, Lc 11:33-36, Lc 12:22-34)

19 Não queirais entesourar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem e onde os ladrões os desenterram e roubam.

Ao contrário do que geralmente se crê, Jesus aqui não condena as riquezas. As riquezas, quando utilizadas de acordo com a vontade divina, propulsionam três ordens de progresso em nosso planeta, que são: O progresso material, por fornecer trabalho ao povo; por melhorar as condições físicas da terra; por criarem bem-estar e conforto para todos.

O progresso intelectual, por desenvolverem as artes e as ciências.

O progresso espiritual, por proporcionarem a seus detentores os meios suficientes para a prática do bem em larga escala.

Jesus aqui nos ensina que não nos escravizemos às riquezas; não façamos delas a finalidade de nossa existência. As riquezas são transitórias e devem ser usadas como úteis instrumentos de trabalho, em benefício da coletividade.

20 Mas entesourai para vós tesouros no céu, onde não os consomem a ferrugem nem a traça e onde os ladrões não os desenterram nem roubam.

Se as riquezas terrenas são transitórias e concedidas a título precário, tal não acontece com as riquezas espirituais.

O desencarne nos priva totalmente das riquezas terrenas, fazendo com que entremos no gozo das nossas riquezas espirituais.

As riquezas materiais são emprestadas temporariamente por Deus, segundo nossos deveres do momento; ao passo que as riquezas espirituais são aquisições eternas do espírito.

Recomendando-nos que ajuntemos tesouros no céu, Jesus quer que desenvolvamos as boas qualidades de nossa alma: a bondade, a moralidade, a inteligência, a mansidão, a tolerância, o amor fraterno para com todos. E quer que semeemos a maior soma possível de benefícios; porque as virtudes que cultivarmos em nossas almas e as ações nobres que praticarmos, isso é que constituirá nossa verdadeira e imperecível riqueza.

21 Porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração.

Sendo transitórias as riquezas terrenas, é um erro grave ligarmos nossos corações a elas.

Porque as riquezas terrenas, às quais ligarmos nossos corações não passarão de ilusões a atormentar-nos, quando o desencarne nos despertar para a realidade da vida espiritual.

Liguemos nossos corações aos bens inamovíveis da alma, que são: a caridade, o amor ao próximo, o estudo, a prece, a fé, a esperança, a mediunidade quando exercida com devotamento e abnegação, a pureza de pensamentos, de palavras e de atos.

E a maneira pela qual podemos adquirir as riquezas espirituais, é impormonos um rigoroso jejum espiritual. Cumpre notar que não é sem sacrifícios que as obteremos. E o sacrifício que fazemos é extirparmos de nossa alma o orgulho, a vaidade, o ódio, os preconceitos, os vícios, enfim o mal sob qualquer forma que ele exista em nós.

O auxílio divino nunca faltará aos que lutarem para ligar seus corações às verdadeiras riquezas da alma. E no fim da luta, que maravilhoso tesouro de espiritualidade teremos! E quando entrarmos no gozo desse tesouro, veremos que valeu a pena o sacrifício.

22 O teu olho é a luz do teu corpo. Se o teu olho for simples, todo o teu corpo será luminoso.

23 Mas se o teu olho for mau todo o teu corpo estará em trevas. Se pois a luz que em ti há são trevas, quão grandes não serão essas mesmas trevas!

Os olhos nos fazem ver o bem e o mal.

No plano terreno cada criatura tem o seu lado bom e o seu lado mau, isto é, o seu lado ainda imperfeito. Jesus nos aconselha que vejamos em nosso próximo, somente o lado bom, o lado luminoso, o lado que já começa a apresentar alguma perfeição, e nos esqueçamos de observar o lado imperfeito, o lado onde o buril da perfeição ainda não começou a trabalhar.

Se prestarmos atenção unicamente no lado bom que cada um possui, desenvolveremos luz em nossos espíritos; se fixarmos as más qualidades de nossos irmãos, estaremos criando trevas para nós próprios.

24 Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer um e amar outro, ou há de acomodar-se a este e desprezar aquele. Não podeis servir a Deus e às riquezas.

Jesus nos demonstra a incompatibilidade reinante entre os bens materiais e os espirituais. Vulgarmente, hoje dizemos que dois proveitos não cabem num saco só. Realmente, não podemos amar com a mesma intensidade as coisas da terra e as do céu. Insensívelmente, sem que o percebamos, começaremos a nos dedicar mais a umas do que a outras. É contra esse perigo que Jesus nos adverte. Se a nossa vontade de adquirir os bens espirituais for fraca, correremos o risco de trocá-los pelas coisas transitórias da terra. Ë preciso, pois, que nutramos o ardente desejo de trabalhar assiduamente para conquistar a espiritualidade, dedicando a esta tarefa nossos melhores esforços.

A isto é que Jesus chama servir a Deus.


É bom notar que, para servir a Deus, Jesus não quer que abandonemos o mundo, desprezando completamente as coisas terrenas e entregando-nos à vida contemplativa, em criminosa inatividade. Ele não quer isso. Salientando que não podemos servir a Deus e às riquezas, é como se Jesus nos dissesse:

— Se quiserdes servir a Deus, aprimorai vossas almas, fazendo dessa tarefa vossa constante preocupação. Não podeis preocupar-vos, ao mesmo tempo, com as coisas materiais e com as espirituais. Primeiro, preocupai-vos com a alma, que é imortal; depois, preocupai-vos com o corpo, que é perecível.

E assim estareis no caminho certo.

Servir, pois, a Deus, é lutar pela melhoria de nosso estado, sem deixar que os interesses terrenos sufoquem nosso progresso espiritual.

Conquanto todos os espíritos, quer encarnados, quer desencarnados, tenham por primeiro dever servir a Deus, podemos particularizar esta advertência de Jesus, no que se refere aos médiuns e aos trabalhadores do Evangelho. Os médiuns e os que lutam pela propagação do Evangelho deverão compreender que, acima de todas as questões do mundo, está o sagrado compromisso que assumiram, de colaborar no esclarecimento espiritual dos homens. Lembremo-nos sempre de que, embora calcando afeições queridas, sacrificando o repouso e o sossego, é preciso ser fiel a Deus e servi-lo.

25 Portanto vos digo, não andeis cuidadosos de vossa vida, que comereis, nem para o vosso corpo, que vestireis. Não é mais a alma que a comida e o corpo mais que o vestido?

A excessiva preocupação pelas coisas materiais é responsável por grande parte do desassossego em que vivemos. Sustentamos uma luta ansiosa, diariamente, não só para conseguirmos o necessário, como também o supérfluo, possuidos do injustificável receio de que as coisas nos faltem. É um erro. A Providência Divina ampara o Universo; e, portanto, providenciará para que tenhamos com o que prover nossas necessidades, na medida justa de nosso merecimento. Sabendo disso, Jesus nos ensina que devemos preocupar-nos menos com as coisas materiais e mais com as do espírito. Não quer ele dizer que cruzemos os braços; mas que trabalhemos confiantes no Pai celestial e nada nos faltará.

Outro ponto importante que devemos considerar é que o tratar, unicamente, das coisas materiais apresenta dois graves perigos: Em primeiro lugar, embrutece a alma. Quem só cuida da parte material da existência, esquecido da centelha divina que traz dentro de si, materializa seu perispírito, o que lhe acarretará grandes perturbações, quando passar para o mundo espiritual.

Em segundo lugar, afasta-se de Deus. E quem se afasta de Deus, retarda seu progresso espiritual. E as consequências do progresso espiritual retardado são fatais para o espírito, porque o mergulham em reencarnações dolorosas, até que desperte para a verdadeira vida.

26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam nem segam, nem fazem provimento nos celeiros; e contudo vosso Pai celestial as sustenta. Por ventura não sois vós mais do que elas?

Assim como a Providência divina não abandona nem os mais pequeninos e humildes seres viventes, cuidando sem cessar de que eles tenham o mantimento, assim também não nos deixará faltar nada do que nos seja realmente necessário para a manutenção de nossa vida e para o progresso de nosso espírito.

27 E qual de vós, discorrendo, pode acrescentar um côvado à sua estatura?

Na verdade, nossos desejos, cuidados, ansiedades e ambições terrenas, não podem contrariar os desígnios de Deus. Portanto, devemos curvar-nos, humildemente, ante sua soberana vontade, porque só ele sabe dispor dos bens da terra, para o progresso de seus filhos. Contudo, se não podemos acrescentar nada às coisas materiais que o Senhor separou para nós, podemos aumentar de muito o nosso patrimônio espiritual. Isso conseguiremos aplicando-nos, diligentemente, a tratar do progresso de nossa alma.

Há indivíduos que julgam que o tempo empregado em assuntos espirituais, tais como: a prece pelos que sofrem, o estudo do Evangelho, uma visita aos doentes desamparados, o esforço que se faz para a extinção dos vícios, a luta contra as imperfeiçôes do espírito, o trabalho para tornarmo-nos bondosos, pacíficos, tolerantes e puros, seja tempo perdido, que melhor seria aproveitado no trato das coisas materiais. Ë um erro pensar assim. A todos os que procurarem promover intensamente seu progresso espiritual, o Pai celestial dará as coisas materiais, por acréscimo de misericórdia.

28 E por que andais vós solícitos pelo vestido? Considerai como crescem os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam.

29 Digo-vos mais que nem Salomão, em toda sua glória se cobriu jamais como um deles.

30 Pois se ao feno do campo, que hoje é, e amanhã élançado no forno, Deus veste assim, quanto mais a vós, homens de pouca fé?

31 Não nos aflíjais, pois, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos cobriremos?

32 Porque os gentios é que se cansam por estas coisas. Porquanto vosso Pai sabe que tendes necessidade de todas elas.

É formosa a maneira pela qual Jesus nos faz ver a Providência Divina cuidando da Criação. Desde a tenra e pequenina e quase desprezível ervinha do campo até o homem, tudo é objeto dos carinhos do Pai celestial. Nada está abandonado na face da terra; ninguém está desamparado; não há órfãos. Por certo, cada um receberá o seu quinhão de acordo com o estado em que se encontra. A ervinha do campo e as aves do céu recebem seus alimentos através dos canais da Natureza, sem maiores esforços; porque a ervinha do campo ainda está na fase vegetativa e as aves do céu somente possuem o instinto. Mas o homem, que já atingiu a idade do raciocínio, deve prover a sua própriasubsistência. Deussabe do que necessitamos; e todas as facilidades nos serão concedidas para vivermos; para isso devemos aplicar-nos ao trabalho e ampararmo-nos na confiança de Deus.

Os gentios, aqui, simbolizam as pessoas sem fé, que não procuram elevarse espiritualmente e só encontram satisfação nas coisas materiais, esquecidos de cultivarem seus espíritos.

33 Buscai pois primeiramente o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas se vos acrescentarão.

O nosso primeiro e principal dever é lutar por conseguir os bens imperecíveis da alma, os bens espirituais, realizando assim o reino de Deus em nossos corações e pautando nosso viver segundo as leis divinas; essa é a finalidade de nossa existência. Quanto às coisas materiais, poderemos estar tranquilõs; a Providência Divina fará com que elas nos cheguem às mãos, à medida que nossas necessidades reais as reclamarem.

34 E, assim, não andeis inquietos pelo dia de amanhã. Porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado; ao dia basta a sua própria aflição.

Certos de que a Providência Divina está incessantemente velando por nós, é um erro inquietarmo-nos pelo futuro. Trabalhemos confiantes hoje e resolvamos nossos problemas e nossas dificuldades, conforme elas se nos forem apresentando. Não tenhamos excessiva preocupação ou ansiedade pelo que o dia de amanhã nos reserva. Preparemo-nos espiritualmente para a tarefa de cada dia e cumpramos de boa vontade nossas obrigações diárias. O futuro pertence a Deus e só ele o pode solucionar. E a solução será sempre segundo nossas obras e nosso merecimento.