Crônicas de Além-Túmulo
Versão para cópiaNo Dia da Pátria
O Brasil celebra hoje o seu “Dia da Pátria”. As bandeiras ouro e verde serão desfraldadas aos quatro ventos. Nas grandes cidades serão ouvidos os ecos dos clarins, nas paradas militares e uma vibração de entusiasmo percorrerá o coração dos patriotas.
Sei também que muitas personalidades desencarnadas, que antigamente lutaram pela organização da nacionalidade, hoje se voltam para São Sebastião do Rio de Janeiro, onde pretendem participar das cerimônias comemorativas; muitos dos chefes tapuias e tupis, legítimos donos da terra conquistada pelos portugueses, ainda no Espaço não desdenharão igualmente de passear os olhos pelo cenário das suas passadas existências, recordando hoje as suas tabas solitárias, os seus costumes, que os brancos perverteram, a imensidade das selvas e as belezas melancólicas das suas praias desertas.
Todavia, lembrando Paicolás [cognome de Villegagnon], reconhecerão alguns benefícios de sua influência, ao lado de seus inumeráveis defeitos. Hão-de contemplar, enlevados, a Avenida Central, a Avenida Atlântica, a praia de Copacabana, o Rússel, o Leblon, as obras de saneamento e o casario imenso da cidade maravilhosa, derramando-se pelos vales, pelas serras e planícies, numa alucinação de progresso vertiginoso.
Os homens e os Espíritos desencarnados se reunirão, celebrando a data festiva.
Essas solenidades são sempre lindas e alegres, quando encaradas dentro da sua formosa significação.
As pátrias devem ser as casas imensas das famílias enormes. Unidas fraternalmente, realizariam o sonho da Canaã das Escrituras, na face da Terra. Contudo, quanto mais avançou a civilização nas suas estradas, mais o conceito de pátria foi viciado na essência da sua legítima expressão.
O progresso científico eliminou quase todos os problemas da incomunicabilidade. A radiotelefonia fez do planeta uma sala minúscula, onde os países conversam, como as pessoas. Os paquetes para as viagens transoceânicas são cidades flutuantes, como hífens gigantescos, unindo os povos. As máquinas aéreas, aperfeiçoadas e admiravelmente dispostas, sulcam os ares devorando as distâncias. Por toda a parte rasgam-se estradas. Há uma ânsia de comunhão em todas as coisas. Tudo tende a unir-se, aproximando-se.
Entretanto, nunca as pátrias estiveram tão afastadas umas das outras, como agora. Jamais se fez uma apologia tão grande da política de isolamento. As pátrias andam esquecidas de que a existência depende de trocas incessantes. Os maiores desequilíbrios financeiros e econômicos são infligidos às nações, no seu egoísmo coletivo.
Deslumbrada, num período esplendoroso de sua evolução, e sentindo-se no limiar de transformações radicais em todos os setores de sua atividade, a sociedade humana escuta a voz dos seus gênios e dos seus apóstolos, desejando eliminar as fronteiras de todos os matizes que separam os seus membros, fundindo-se nesse abraço de Unidade que ela começa a compreender. Mas, a política representa o passado multimilenário. Os governos se concentram à base da força e o antagonismo que impera entre todos os elementos da atualidade apresenta um espetáculo interessantíssimo. Todos os pactos de paz são mentirosos. Haverá maior contradição que a de um instituto de paz, que deve ser pura e espontânea, guardado por exércitos armados até os dentes?
Em todos os sistemas políticos dos tempos modernos predominam, apenas, os pruridos da hegemonia internacional. Em virtude de semelhantes disparates, a guerra é inevitável. Não haverá confabulações diplomáticas que a eliminem, por enquanto, do caminho dos homens. E a guerra de agora será mais dolorosa e terrível. Todas as conquistas da ciência serão mobilizadas a seu serviço. A bacteriologia, a eletricidade, a mecânica, a química, todos os elementos serão requeridos pelo polvo insaciável.
Deus criou a paz, o amor, a fraternidade, mas os homens criaram os seus próprios destinos. Confundidos no labirinto de suas maldades, só têm podido iluminar os caminhos da Vida com os fachos incendiados da Morte.
Na atualidade, a guerra das pátrias representa a guerra dos sentimentos; porque uma era nova, de fraternidade cristã, desabrochará nos horizontes do mundo. Todos os Espíritos falam nessa renovação e ela aparecerá, clareando o dia novo da Humanidade.
Nessa época de ouro espiritual, que talvez não venha longe, o mundo entenderá a mensagem de paz do Divino Cordeiro. Uma brisa suave de conforto e de alívio descerá do Céu sobre as frontes atormentadas das criaturas. Terminará o dilúvio de expiações em que o homem há séculos está envolvido, e um pássaro simbólico trará novamente a oliva da esperança.
E o Brasil que, embora com sacrifícios ingentes, vem colaborando na disseminação da mensagem da imortalidade e da esperança, nessa era nova entoará, com as nações irmanadas, o hino da Paz, compreendendo, pela evolução moral dos seus filhos, a beleza maravilhosa da Pátria Universal.
(.Irmão X)
7 de setembro de 1935.
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