Chico Xavier Em Goiania

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Palavras buriladas com lágrimas


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Apresentamos a seguir mensagem do Ex-Deputado à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Dr. Lúcio Lincoln de Paiva, falecido em acidente automobilístico em Goiânia, no Natal de 1974. Rica de elementos de identificação, a mensagem é dirigida à sua esposa, Sra. Edinê Almeida Silva de Paiva, e foi recebida em Uberaba por Francisco Cândido Xavier, em janeiro de 1976, pouco mais de um ano após a desencarnação do querido deputado goiano.


Querida Edinê, minha querida e valorosa companheira.

Ao Poder Supremo, as nossas preces, rogando forças para o desempenho de nossos deveres ante o Sábio e Misericordioso Arquiteto do Universo.

Não pense que escrevo facilmente. Minha mão desliza sob as mãos de nosso caro Doutor Bezerra e de outros amigos que me auxiliam a compor esta carta.

Fosse eu apenas quem a escrevesse e, decerto, o lápis não seria assim tão célere. Todas as palavras para você seriam buriladas com lágrimas, com esse orvalho bendito que sobe do coração para os olhos e em que saudade e amor, alegria e sofrimento, paz e inquietação se misturam, fazendo a explosão de imagens que o verbo humano não traduz.

O essencial, no entanto, querida, é que vim para dizer que ouvi tudo o que o seu carinho me falou, diante do retrato que a sua dedicação transformou em altar de nosso encontro quase permanente.

Estou aqui, mas seu Lúcio tem as mãos incapazes de construir a nossa felicidade tal qual era a nossa felicidade no mundo, mas posso afirmar que reuni todas as minhas forças e estou edificando a nossa felicidade no plano de amor sem despedidas.

Reanime-se, meu bem. É preciso. Nunca esperei que a sua fortaleza atingisse culminâncias tão altas, porque você cimentou a nossa segurança com os seus sacrifícios. Sua mocidade corpórea não empanou a sua maturidade espiritual. Tive a convicção de que você não falharia e beijo as suas mãos pela resistência com que se conduz. Ainda assim, rogo ânimo novo às suas energias.

Estamos juntos, juntos sempre, ao lado de nossos filhos e de nossos companheiros da vida familiar. Ouço-lhe as palavras, diariamente.

Não sei explicar ainda em que bases se nos mantém a ligação incessante, mas essa ligação é algo que se instala no domínio das certezas que hoje vou encontrando para levantar os caminhos novos.

Entendo as nossas dificuldades. A sua fadiga no heroísmo doméstico, os esforços para sustentar o nosso Lincoln, cedo chamado ao trabalho áspero, a abnegação com que você ilumina as palavras para consolar os nossos, quando você mesma se vê às portas da aflição, e essa saudade que nos fere a ambos, pior que todos os martírios que fôssemos chamados a padecer. Mesmo assim, a nossa esperança deve pairar acima de qualquer sombra que nos tente nublar os pensamentos. Tudo vai passando com os ímpetos do tempo.

Deus é amor infinito também, no íntimo das horas, anestesiando as nossas dores e cicatrizando as chagas que nós mesmos, segundo as Leis da Vida, tenhamos aberto nos corações.

Quero você restaurada na alegria, tanto quanto a vejo forte na fé.

Superamos o nosso Natal de pranto com a bênção de nossa confiança erguida aos céus. Saberemos o porquê da provação, quando a nossa memória consiga ampliar-se, mas, por enquanto, sabemos que nenhuma tribulação conseguiu separar-nos.

Lembro-me de todos os episódios que nos marcaram o adeus. Quando saí de casa, até mesmo sem o nosso abraço, porque me supunha numa ausência de minutos, tinha em mente conduzir a nossa alegria ao lar do compadre Geraldo… Só isso.

Aquele desejo bom dos amigos que se reúnem nos melhores momentos para reasseverar o encantamento da paz e da amizade, e, por isso mesmo, tremi quando o Volks bateu no Corcel, atirando-me fora, em movimento da queda irremediável.

Ouvi as palavras do nosso Wanderley tentando socorrer-me, entretanto, passei por um sono rápido, e, mais auxiliado por amigos da Vida Maior, do que seria lícito esperar num instante daqueles, vi-me fora do corpo, quando me conduziram para o hospital.

Creia que não senti dor alguma, embora a preocupação por você e pela família fosse em mim um quadro de aflição maior do que qualquer sofrimento físico que devesse experimentar.

Ainda assim, não conseguia mover-me.

Estava apático, inabilitado a esforço que me levasse a menor manifestação, mas os conhecimentos adquiridos me velaram na hora. Com eles, mantive o pensamento em oração, rogando, mas rogando ardentemente para que Deus me concedesse o privilégio de não dormir sem encontrá-la.

As ocorrências de que me vi objeto ainda são muito estranhas para mim, a fim de que eu possa entrar em detalhes, no entanto, abracei você logo que me foi possível semelhante alívio… Estava ao seu lado nas horas difíceis do salão da Adoniram, mas aquelas suas preces me confortavam. Ouvia a sua voz e sentia as suas lágrimas em mim mesmo, qual se a minha força viesse da sua vitalidade.

Ouvi os nossos queridos amigos enquanto expressavam tanta nobreza de coração sem que seu velho merecesse aquele calor de homenagens; entretanto, peço a você agradecer a todos, especialmente aos companheiros de Maçonaria, seja na Adoniram ou seja no abençoado Núcleo do Templo Independência de Anápolis, por todo o bem que nos fizeram.

Não seria justo esquecer nestas páginas de gratidão a bondade dos companheiros da Assembleia. Fiquei ciente de todas as medidas que abraçaram, em nosso auxílio, e manifesto aqui o meu reconhecimento a todos, pedindo permissão para representar os amigos em nossos caros companheiros e benfeitores, referindo-me aqui especialmente ao nosso Enio, ao nosso Luiz Soyer e ao nosso Clarismar.

Enternecido, lembro-me dos nossos devotados amigos, Dr. Jorge Jungmann, do nosso Quintiliano e do nosso prezado amigo Dr. Benedito, cujos esforços em nosso benefício me calaram fundo no coração.

Aqui venho com outros amigos, tantos são eles… Nosso caro Alvicto, irmão de Araguari, me faz companhia hoje, tanto quanto recebe você o apoio de nossa irmã Dona Lélia.

Segredos de Deus que não deciframos. Não podia imaginar que este encontro estaria destinado principalmente a nós quatro.

Muitos companheiros de Anápolis, de Ceres, de Rubiataba, de Joviânia e de Goiânia, com familiares de Araguari, me ampararam, desde as primeiras horas, mas, peço dizer à nossa mãe Olívia que o pessoal de Goiás tem sido para mim aquele refúgio de generosa hospitalidade que não sei descrever.

A nossa inesquecível Madre Otávia ainda é mãe espiritual de muitos, e também tutelou-me.

Não fosse você e os meninos, nossos pais queridos e irmãos, assim agora separados pelo muro das impressões, e estaria feliz.

Mas, é preciso lutar, trabalhar, aprender e superar-nos.

Diga ao Lincoln para não esmorecer. A escola do trabalho é uma escola de luz. Ele e Edilene, Luciene, Ediluce, André Luiz e nossa Loreni estão constantemente em meu carinho.

Mas… querida Edinê, devo encerrar esta carta que pedi a Deus me permitisse escrever. Antes do terminar, rogo a você e aos irmãos não concordarem com qualquer versão estranha do acidente que me esperava na República do Líbano. Não houve intenção culposa em ninguém. Desejo, meu bem, que isso se faça muito claro para nós todos. Compreendo que o meu temperamento em legislação sempre foi ardente, diante do amor às realidades que presumia conhecer . Mas legislação é processo de exposição e diálogo, implantação dos recursos de lei e devoção ao bem público.

Sempre fui o que fui, entretanto, vim para cá, para a Vida Maior, sem qualquer inimigo, e desejo que nossos filhos cresçam confiando em Deus e na paz, no amor e na boa vontade, que todos devemos cultivar.

Nosso caro amigo Alvicto abraça Dona Lélia.

Eu desejaria que um ramo de rosas me viesse às mãos para colocar nas suas, em sinal de meu carinhoso reconhecimento. Imagino que isso esteja sucedendo e deponho em seu coração as flores de minha ternura imensa.

Continue ajudando ao companheiro que precisa de você.

Perdoe-me se deixei você com tantas complicações de ordem material, mas estejamos certos de que da Contabilidade Divina receberemos todos os recursos de que carecemos para conduzir a família sadia e feliz para a frente.

Agradeço aos manos e aos meus pais e agradeço a todos os nossos.

O esforço foi longo. Devo terminar. Espero que os amigos da reunião me desculpem.

E você, querida Edinê, conserve a certeza de que, ao seu lado, hoje como ontem e agora como será sempre, está o coração palpitante e sempre mais seu,




Lúcio
Francisco Cândido Xavier


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