Entender Conversando
Versão para cópiaCrianças, reeducandos e doentes mentais
Um grupo de jovens formado por César Cunha dos Santos, Emanuel Bragança Veloso, Guilherme Azevedo do Valle, Frank Dutt-Ross e José Carlos Alves de Freitas visitaram, no dia 11.03.1979, a cidade de Uberaba, em Minas Gerais, conseguindo entrevistar o médium Francisco Cândido Xavier, num bate-papo descontraído e informal, fazendo-lhe perguntas que tornam esta reportagem de grande importância, não só para o nosso tablóide, mas, também, para toda pessoa que procura vivenciar e aprender o Espiritismo, desde que as perguntas, sendo de uma atualidade notória, como não podia deixar de ser, trouxeram respostas edificantes e esclarecedoras. O grupo entrevistador faz parte da Juventude Espírita Abel Gomes, do Grupo Espírita André Luiz, aqui do Rio de Janeiro.
— Não posso julgar os companheiros que sintam receio da mediunidade, porque a minha mediunidade realmente começou muito cedo, eu não tive oportunidade de sentir medo, isso para mim começou em criança em minha vida, e passou a fazer parte de minha existência atual.
— Eu penso com aquela assertiva do nosso André Luiz, que é um mentor que nós todos respeitamos, se cada um de nós consertar de dentro o que está desajustado, tudo por fora estará certo.
— Nós acreditamos que essa legenda é um convite mais acentuado a nós todos, que estamos no planeta terrestre, para que abramos os olhos para compreender a condição do Espírito que reinicia ou que inicia os seus passos na viagem da existência planetária. Creio que nós deveríamos, com essa legenda: “Ano Internacional da Criança”, acordar o coração para o dever que nos cabe junto aos nossos pequeninos, isso especialmente quanto às nossas irmãs, as mulheres (digo isso com muito respeito) que a elas foi confiada a chave da vida, da maternidade tão sublimada quanto possível, não do ponto de vista de santificação compulsória, mas, de compromisso atendido, de respeito quanto aos deveres assumidos. Eu acho que isso poderia colocar o nosso tempo novamente em órbita. Imaginemos, por exemplo, determinada mãe muito jovem, com possibilidade de criar seu filho com a robustez necessária, que peça os serviços de uma ama para acalentar e nutrir a criança, subtraindo-se à presença da criança e fugindo ao diálogo com a criança.
Não estamos julgando ninguém, mas, creio que todos nós, aqueles que nascemos de mães extremamente pobres no mundo material, tivemos o suficiente amor para crescer bendizendo o nome de Deus, e para não perdermos, pelo menos, o nosso sentido de fé numa vida melhor, embora estejamos carregando, como sempre, muitas imperfeições; então, as nossas irmãs de hoje enriquecidas pela civilização, pelos patrimônios materiais que estão assinalando nossa vida em toda parte, que elas pudessem também fazer isso. Sem a ideia de querer desprestigiá-las, eu acho que nós temos grande vantagem, em nos ajustando ao espírito de proteção à criança de que nós todos estamos necessitados, para não perdermos o futuro melhor, porque Deus determina e cria, mas o homem e a mulher são colaboradores de Deus.
Continuando a entrevista, o médium Francisco narrou fatos interessantes ocorridos durante uma visita que fez à Penitenciária de São Paulo.
No momento, comentava-se sobre o livro Falou e Disse, sua linguagem, colocação de recados etc.… e com aquele seu modo simples de falar, sua humildade para colocar fatos e situações, ele começou:
— Sabe que na Penitenciária de São Paulo, o livro está entrando muito? Já fui lá duas vezes, antes de ficar doente. A Diretoria da Casa pediu àqueles que quisessem ouvir a prece e a palestra, se inscrevessem — 542 se inscreveram. Eu estive com esses 542 companheiros. Foi um encontro tão agradável que tive vontade de passar férias na cadeia… Não para ficar descansando, mas para conversar toda noite com os que pudessem conversar, mesmo na cela — porque lá têm Espíritos brilhantes, maravilhosos…
— Ali dentro da Penitenciária.
— De presos. Desses 542, um me disse: — “Pois é, Chico Xavier, nós somos tratados por números. Muitos são os presos e os cárceres, então têm que colocar número, n. 3, n. 14, isso dá muito desgosto.” Então eu disse assim: — Meu filho, quem é de nós hoje que não é tratado por número? É número de telefone, de carro, de casa, do CEP, não sei de que, do CIC, nós ainda estamos com mais números que você. Só que agora estamos na cela ambulante e vocês estão na fixa. Eles riram muito.
Há muita gente boa presa, nós temos que compreender a situação deles…
— Absolutamente, e a gente tem que compreender a situação deles, porque eles todos estão com o coração na flor dos olhos, mas, pedindo entendimento.
Terminada a reunião, na hora de sair da sala, eu disse ao Diretor: Eu quero sair daqui, mas, antes eu quero beijar e abraçar a todos. Ele falou para mim: — “Deus me livre. Não, senhor. Você não vai abraçar, nem beijar ninguém.” Então eu disse a ele: — Não senhor doutor, eu não viria aqui fazer prece, para depois me distanciar dos nossos irmãos. Não está certo. Haverá tempo, o senhor disse que só precisará do salão daqui a uma hora e tanto… sendo assim… eu lhe peço licença para abraçar. — “Chico, nesse salão, no outro dia, mataram um guarda de 23 anos. Afiaram a colher até virar punhal. Mataram e não se soube quem matou. Aqui tem criminosos com sentenças de 200 a 300 anos, eles podem te matar…” — Pouco importa, vim aqui para o encontro e o senhor não me permite abraçar? — “Então você vai fazer o seguinte: você vai abraçar através da mesa. — (Deus me livre). — Tem que recuar esse povo que veio com você (umas 40 pessoas). Ficam só duas senhoras tomando nota porque seus encontros serão rápidos e nós vamos colocar 18 baionetas armadas em cima. Se houver qualquer coisa você morre também.” Eu fiquei na frente e comecei a abraçar os 542. Eu abraçava e beijava; muitos que falavam comigo, um segredinho, podia falar assim… meio minuto. Dos 542, só um, de uns 40 anos, chegou perto de mim e ficou impassível como uma estátua. O Diretor estava ali perto de mim e eu pedi às duas senhoras que dessem a cada um, uma rosa; quando aquele chegou e ficou parado, eu disse a ele: — O senhor permite que eu o abrace? — “Perfeitamente”; respondeu-me. Então eu o abracei, mas ele estava ereto. — O Sr. deixa que eu o beije? — “Pode beijar.” Eu beijei de um lado, de outro, beijei quatro vezes, aí duas lágrimas rolaram dos olhos dele. Então ele disse: — “Muito obrigado.” E foi embora. Foi o único que ficou ereto, mas chorou… Mas todos receberam o abraço.
— Acho que é um empreendimento dos melhores, porque eu creio que por muito generosas que sejam as nossas leis, elas não podem substituir a cooperação espontânea, do sentimento humano de confraternização. Essa legenda Espírita, rotula a Sociedade, e dá a ela um caráter essencial espírita, mas vamos esperar que outras entidades surjam com a amplitude possível, sem qualquer limitação, para que as pessoas de boa vontade possam dialogar com os nossos irmãos doentes ou semidoentes, ou ainda ameaçados por desequilíbrio mental. Diálogos estes, que são praticados em nossas Reuniões Espíritas, porque as chamadas tarefas de Evangelização não são senão outra coisa senão diálogos na base de uma Espiritualidade Superior, buscando a criatura para um conhecimento mais elevado e para a responsabilidade de viver. Se nós pudéssemos fazer isso dentro do respeito às leis estabelecidas e sem qualquer caráter de críticas às entidades médicas ou às instruções de psicologia, e mais nitidamente materialista, sem qualquer ideia de desprestigiá-las, e com a devida humildade cristã para cooperarmos em nome da fé, com essas autoridades, em benefício de nossos irmãos doentes, isso será um empreendimento maravilhoso. Ainda há poucos dias numa palestra, disse o nosso Emmanuel: “Nós exigimos demais das nossas autoridades e as nossas autoridades estão prontas para nos auxiliar. Elas administram as verbas do Estado, com o máximo escrúpulo e o maior carinho. Não podemos duvidar da honestidade dos homens que nos governam, conquanto as críticas que se façam a eles. Vamos pensar que o Ministro da Saúde, poderá, sem dúvida, oferecer as melhores perspectivas de assistência, mas, ele não pode vir à nossa casa nos ensinar como tomar um purgante; isso é função nossa.” O Estado de Santa Catarina, há pouco tempo, numa consulta do Governo Central da República, aos Estados, sem a solução do problema de assistência ao menor (isso devia ser recordado, agora, no Ano Internacional da Criança), muitos Estados responderam com argumentos, propondo determinadas vantagens nas verbas públicas, mas, eu admirei imensamente a responsabilidade do Estado de Santa Catarina que disse assim: “O problema da criança, no Estado de Santa Catarina, é assunto da Comunidade.” Não pediu nada, achou que a Comunidade devia ter bastante amor para dar.
— Eu creio que um compromisso sexual deve ser profundamente respeitado. Uma terceira pessoa em qualquer compromisso sexual é uma dificuldade a superar, porque, nós não podemos esquecer que a lesão sentimental é talvez mais importante de que uma lesão física, e, alguém que prometer amor a alguém deve se desincumbir desse compromisso com grandeza de pensamento e sem qualquer insegurança. Não compreendo a promiscuidade, mas a luta para que haja perfeitamente o relacionamento de alma para alma, com o respeito que devemos uns aos outros.
— Eu não entendo o vício como um problema de criminalidade, mas como um problema de desequilíbrio nosso, diante das leis da vida, isso não apenas no terreno em que o vício é mais claramente examinado. Por exemplo: se eu falo demasiadamente, eu estou viciado no verbalismo excessivo e infrutífero; se bebo café em demasia eu estou destruindo também as possibilidades de meu corpo me servir um tanto mais.
Quando falamos na palavra vício, habitualmente nos recordamos logo do sexo, sendo que do sexo herdamos a bênção do pai, da mãe, da família, do lar; entretanto, quando falamos em vício, lembramos logo de sexo e tóxico, quando o tóxico é outro problema para nossos irmãos que se enfraqueceram diante da vida, que procuraram uma fuga; não são criminosos, são criaturas carentes de mais proteção, mais amor, porque se nossos companheiros enveredaram pela estrada do tóxico, eles procuraram esquecer algo, esse algo é — eles mesmos — eles não puderam suportar a carga deles próprios. E então precisamos reformular as nossas concepções sobre vícios. Há algum tempo perguntamos ao Espírito de Emmanuel, como ele definiria um criminoso, ele disse assim: — “O criminoso é sempre um doente, mas, se ele é culpado ele só deve receber esse nome depois de examinado por três médicos e três juízes”.
— Eu teria dificuldade em localizar, porque vejo, em todas as parcelas da comunidade humana, criaturas que estão se interessando cada vez mais pelas realidades do Espiritismo, principalmente pelo que o Espiritismo traz de Evangelho no seu conteúdo, em reconforto, esperança de vida e de amor pela criatura humana, mas, não podemos esquecer — de todas as livrarias eminentemente espíritas ou exclusivamente espíritas, “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e “O Livro dos Espíritos” tem uma saída superior a todos os livros — o que quer dizer que Allan Kardec está plenamente atualizado. Eu ainda não vi autor nenhum barrar esses dois livros de Kardec. São “best-sellers” autênticos, pois já venceram mais de um século, porque não é só “O Evangelho” para a coração, é também “O Livro dos Espíritos” para o raciocínio, fazendo uma média gigantesca.
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