Sabedoria das Parábolas

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CAPÍTULO 4

4. Bem-aventurados os que têm fome e sede da justiça, porque eles serão saciados

Felizes os que têm fome e sede. . .

Pode-se lá imaginar maior desafio do que este?

No mundo dos profanos vale exatamente o contrário: felizes os fartos porque nunca sofreram fome nem sede.

E, de tão fartos, esses pseudofelizes acabam quase sempre tão infelizes, que toda a sua fartura termina em insuportável fastio.

Esses fartos estão quase sempre fartos da sua vida.

Consta pela estatística internacional que o maior número de suicídios ocorre entre os ricos e abastados, e ocorre invariavelmente em tempo de farturas e bem-estar. Na Europa, após a última guerra mundial, no período de carestia, houve muito menos suicídios do que em longos períodos de paz e fartura. O homem profano acha tão insuportável uma vida 100% satisfeita e farta que tenta evadir-se deste insuportável tédio da sua vida terrestre.

Se muitos morrem de fome, muitíssimos se suicidam de fastio.

No entanto, com a fome e sede de que fala o Mestre acontece precisamente o contrário: ter fome e sede da justiça, da verdade, intensifica a felicidade e crea uma experiência de vitalidade potencializada.

Nenhuma prosperidade física é por muito tempo suportável sem uma base metafísica.

Quando um homem começa a ter fome e sede do manjar espiritual e das águas vivas do espírito, principia ele a viver plenamente, e nunca mais desejaria viver sem essa bendita fome e essa deliciosa sede. Tem pena dos pobres profanos que nunca sentiram essa inefável vivência metafísica e mística.

Os egos-satisfeitos são uns infelizes, mas não o sabem.

Os egos-insatisfeitos são os felizes, e têm plena consciência da sua felicidade.

Dinheiro, sexo e divertimentos – essa trindade de objetos exteriores não permite ao homem profano ter sede de algo além dessa infeliz satisfação. E quando algum profano é ameaçado de perder a sua infeliz satisfação, quando é incapaz de se deliciar ulteriormente com dinheiro, sexo e divertimentos – que faz ele?

Tenta narcotizar com derivativos e dispersivos a sua vacuidade, tenta anestesiar temporariamente as suas dores, não para ser feliz, mas para sentir menos a sua infelicidade, por algum tempo. Ele conhece uma farmacopeia de expedientes, comprimidos, injeções e analgésicos, que suavizam as dores do ego doente, embora nenhum desses remédios possa curar os males; contenta-se com paliativos e camuflagens menos dolorosos do que a operação cirúrgica recomendada pelos mestres.

É esse um dos mais incompreensíveis enigmas do homem-ego; ele adora devotamente os seus tiranos. Se não os adorasse, acabaria com esses ídolos.

Mas o fato é que ele adora sadicamente os que lhe causam tamanhas dores – tão insincero é ele consigo mesmo. "Ama os teus inimigos" – será que o homemego não parodia estas palavras do Cristo?

Quando, porém, esse homem suspeita a presença do seu Eu divino, nas entranhas do seu ser, então começa ele a sofrer as dores de parto da sua prole.

Sofre a agonia de uma "feliz insatisfação". Compreende o que o Nazareno quis dizer com as palavras ditas À samaritana: "Quem bebe desta água torna a ter sede, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede" de outras águas que os profanos costumam oferecer a seus amigos. A mulher, "dos cinco maridos mais um amante", no momento não compreendeu o sentido profundo dessas palavras, como geralmente os profanos não as compreendem.

Mas quando o homem descobre o sabor das águas vivas, dá-se nele a grande metamorfose. Parece-se então com uma dessas lagartas das nossas hortas ou pomares, em vésperas de transformação. Não comem mais, não se divertem mais; pressente uma vida nova, a vida ignota da borboleta alada. Esse homem parece triste e solitário, ensimesmado. Parece que toda a sua ruidosa explosão de ontem e anteontem se vai focalizar numa silenciosa implosão. . . A lagarta do ego, no acaso da sua metamorfose, suspende todas as atividades de outrora.

Fecha todas as portas para o mundo exterior. . . Enclausura-se num invólucro impenetrável, hermeticamente fechado, e dentro deste esquife-berço o ego moribundo preludia a vida do Eu nascituro. . . Vai elaborando os órgãos da sua incógnita borboleta.

Como será essa borboleta do Eu nascituro? Dessa nova e nunca vista creatura, que dormia invisível na lagarta do ego?

De modo algum pode a lagarta saber dos mistérios do lepidóptero nascituro – mas o seu subconsciente vital dirige tudo com infalível acerto e segurança, rumo à existência alada de amanhã; a sua fé biológica lhe inspira tudo o que tem de fazer. . .

Quando o homem se acha maduro para essa metamorfose, o supraconsciente dormente nele, a sua anima naturaliter cristiana, sabe como elaborar os órgãos e as faculdades necessários para uma vida nova em outra dimensão. "Se o grão de trigo não morrer. . . " "Eu morro todos os dias. . . " E a alvorada do Eu crístico, que nasce do ocaso do ego-humano, em nada se parece com o que foi – assim como a borboleta nenhuma semelhança tem com a lagarta que se arrastava nas poeirentas baixadas da terra e não fazia senão comer e digerir. O lepidóptero voeja nas luminosas alturas do sol, e só desce de vez em quando para pousar sobre uma flor e beber uma gotinha de néctar do perfumoso cálice.

Assim o Eu divino do homem, redimido das misérias do ego-humano, contempla de cima todas as coisas da terra, mantendo apenas o contacto indispensável com as coisas de baixo, enquanto vive na pureza da luz celeste. . .

Lá se foi a sua infeliz satisfação de anteontem, bem como a sua feliz insatisfação de ontem!. . . Despontou e feliz satisfação de hoje, de amanhã e de sempre. . .

A fome e sede da verdade foram, finalmente, saciadas. . .

Mas para que a lagarta rastejante pudesse transformar-se na borboleta voadora, foi necessário que se interpusesse entre as duas vidas uma espécie de morte, a pseudomorte da crisálida. . . A vida da borboleta é a mesma vida da lagarta; é a mesma essência vital, numa outra existência; é uma sublimação e transformação de uma vida única – e esta metamorfose foi realizada graças à passagem pela pseudomorte da crisálida. Se a lagarta não tivesse uma fé biológica na vida, não permitiria, serena e calma, um mergulho nessa morte misteriosa da crisálida. . . "Eu sou a ressurreição e a vida; quem tiver fidelidade a mim não morrerá e, ainda que tenha morrido, viverá para todo o sempre. "








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