Sabedoria das Parábolas

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CAPÍTULO 5

5. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia

À primeira vista, esta beatitude parece ser puramente moral e filantrópica – e ainda com a agravante de que outros nos façam a mesma misericórdia que a eles fizemos.

Se assim fosse, esta bem-aventurança representaria uma decaída da altura das precedentes. Entretanto, nem o caráter meramente moral nem a índole mercenária de retribuição fazem parte desta beatitude, que está bem à altura das outras, embora a sua índole seja profundamente metafísica e univérsica.

Aliás, os grandes Mestres da humanidade, sobretudo o Cristo, nunca falam de uma perspectiva puramente moral, horizontal; falam sempre da perspectiva vertical de uma metafísica ontológica e mística, lembrando nascentes que brotam do seio das montanhas e daí derivam para as planícies. Os ensinamentos dos grandes avatares da humanidade nunca são simples rios ou lagos plácidos nos vales, são sempre poderosas cachoeiras nas alturas. De horizontal a horizontal, não há voltagem, há apenas amperagem; não há ectopria, mas apenas entropia. Mas, como ensina a própria ciência, de nível para nível não há força; a força vem de desnível para nível. Onde não há um fundo de metafísica não há uma física poderosa; onde falta a mística, a ética se esgota logo em simples moralidade.

Esta beatitude anuncia a grande lei cósmica do dar e do receber; e a íntima interdependência entre estas duas atitudes do homem.

Ninguém pode receber algo para além da sua receptividade, porquanto, como diz o antigo adágio filosófico, "o recebido está no recipiente segundo a capacidade do recipiente".

E a capacidade do recipiente se alarga ou se estreita segundo a maior ou menor atitude de doação do doador.

A finalidade desta beatitude não é apenas ética ou moral, como parece à primeira vista; ela é altamente mística. O maior beneficiado não é o receptor da misericórdia, mas sim o doador. Através da sua espontânea e desinteressada doação, o doador crea em si uma atitude de auto-realização em alto grau, alorealizando os outros. Suposto, naturalmente, que o doador não vise a nenhuma retribuição por parte dos seus beneficiados, qualquer especulação, por mais sutil e secreta, no sentido de ser recompensado por seus benefícios, nulifica totalmente o valor da doação.

Por quê?

Porque qualquer ideia de recompensa, seja antes ou depois da morte, é egoísmo. Somente o ego humano pode ter semelhante intenção. O Eu divino no homem, o Pai, o Cristo interno, a Luz do mundo, o Reino de Deus, não esperam recompensa, nem da parte dos homens nem da parte de Deus, uma vez que o Eu, na sua essência, é tudo e não necessita de nada; ele apenas desperta ou conscientiza esse Tudo, que é ele mesmo.

Esta conscientização é feita pelos objetos, mas o sujeito é a fonte.

Somente um pobre mercenário espera ser recompensado, escorado por algo de fora.

Somente um homem incompleto deseja ser compensado.

Somente um pobre doente necessita ser pensado, como a enfermeira pensa os ferimentos.

Mas o Eu não é mercenário, nem incompleto, nem doente.

Portanto, quem dá misericórdia não espera misericórdia da parte dos homens.

Nem espera misericórdia da parte de Deus; mas, segundo leis eternas, a misericórdia de Deus flui, irresistível e espontaneamente, da Fonte plena para dentro de qualquer canal vazio. Quer o homem o saiba e queira ou não, a plenitude da fonte plenifica infalivelmente a vacuidade dos canais.

Pedi – e recebereis. . .

Buscai – e achareis. . .

Batei – e abrir-se-vos-á. . .

A finalidade desse pedir, buscar, bater, não consiste em lembrar a Deus que de algo necessitamos, nem em movê-lo a que nos dê o necessário. Pois, "vosso Pai celeste sabe que de tudo haveis mister, antes mesmo de lho pedirdes".

A finalidade do pedir, buscar, bater, não está em Deus, mas no homem. O doador não pode dar nada sem que o receptor possua a necessária receptividade – e essa receptividade é creada pelo homem mediante o pedir, buscar, bater.

O ensinamento dos grandes Mestres nunca visa, em primeiro lugar, aos objetos do mundo externo, mas sim ao sujeito do nosso mundo interno.

Muitos homens caridosos e filantrópicos vêem na sua beneficência o fim primário, ou mesmo único, da sua atividade altruística. Querem, acima de tudo, fazer benefícios; não compreendem que o beneficiado não é o alvo primário da beneficência, mas sim o benfeitor – naturalmente não o ego-canal, que seria egoísmo, mas o Eu-fonte, que é cristificação.

Muitos se iludem, convencidos de que toda a sua beneficência seja puro transbordamento da sua benevolência mística. Pode a beneficência horizontal servir de meio para intensificar a mística vertical, mas nunca pode ser um fim. O segundo mandamento, "amarás o teu próximo como a ti mesmo", nunca pode substituir o primeiro e maior de todos os mandamentos: "amarás o Senhor, teu Deus, com toda a tua alma, com toda a tua mente, com todo o teu coração e com todas as tuas forças".

Quando a beneficência se torna um fim em si, em vez de ser um auxílio, transforma-se num empecilho para a auto-realização espiritual.

O Universo é o Uno Infinito que transborda para o Verso dos Finitos.

O homem deve agir assim como o Universo age.

Só pode receber da Fonte do Uno na razão direta em que dá aos canais do Verso. Quando cessa a evasão rumo aos homens, cessa a invasão da parte de Deus. Quem não dá não recebe.

A medida da recipiência vertical é diretamente proporcional à distribuição doadora na horizontal.

Onde cessa a doação para os lados, cessa o recebimento de cima.

Estranhamente, quase todas as igrejas cristãs ensinam a seus filhos que devem praticar o bem aqui na Terra, a fim de serem recompensados por Deus no céu, entendendo por "céu" um determinado lugar, em tempos futuros e regiões distantes. Nesse sentido, os teólogos educam os seus adeptos para uma espécie de egoísmo, embora sublimado e póstumo. Por isso, disse o filósofo Bergson que as igrejas detestam o egoísmo terrestre, mas recomendam o egoísmo celeste.

Felizes são somente os misericordiosos, quando praticam misericórdia para com seus semelhantes desinteressadamente, sem esperar retribuição da parte deles.

Felizes são os misericordiosos que nem de Deus esperam recompensa por sua misericórdia, embora não possam abolir nem ignorar o fato de que a plenitude flui infalivelmente para dentro da vacuidade – e essa atitude desinteressada é um total ego esvaziamento, uma vacuidade de todo e qualquer conteúdo do egohumano.

Fazer bem aos outros envolve um grande perigo para o benfeitor, e muitos sucumbem a este perigo.

O fariseu no templo, que dava 10% dos seus haveres para fins religiosos e beneficentes, voltou para casa "não ajustado"; com todas as suas beneficências estava "desajustado", porque fazia o bem não como um transbordamento de ser bom, mas como um fim em si mesmo, quiçá até para a satisfação de sua vaidade pessoal.

É tão gostoso para o nosso ego fazer estatísticas das suas filantropias; sentir o cálido aperto de mão de um beneficiado; ver o sorriso de uma criança ou as lágrimas de um velhinho em face de um benefício recebido. E o homem se esquece facilmente de que é "servo inútil", e vai creando em si um complexo de utilidade e utilitarismo.

Tanto o Cristo como Krishna recomendam a seus discípulos que trabalhem intensamente, mas renunciem a cada momento aos frutos do seu trabalho.

Mas o nosso ego dificilmente compreende essa linguagem dos Mestres. Quando age, sucumbe ao falso-agir, visando em primeiro lugar aos frutos do seu trabalho;

outros preferem não-agir, caindo numa total passividade; poucos conseguem as alturas de um reto-agir, trabalhando intensamente em qualquer setor de atividade, não por amor aos frutos do trabalho, nem à recompensa, mas por amor ao Pai, ao Cristo interno, à Luz do mundo, ao Reino de Deus dentro do homem, que deve ser realizado por qualquer atividade do ego.

O homem é aqui na terra o único ser que se pode fazer melhor do que Deus o faz. Disse alguém que Deus creou o homem o menos possivel para que ele se possa crear o mais possivel.

O homem é o único ser ao mesmo tempo creatura e creador. O seu livre-arbítrio é um poder creador ou destruidor; por ele pode o homem fazer-se bom ou mau.

Não são os atos que o tornam bom ou mau, é a sua atitude interna, produto do seu livre-arbítrio. Essa atitude é o seu modo de ser, a árvore da atitude, da qual brotam os frutos dos atos.

Ser misericordioso é ser-bom, e todo o homem bom faz o bem. Do ser-bom há um caminho para o fazer-bem, como de cima as águas fluem para baixo. Mas o simples fazer o bem não é prova de ser-bom; pode o homem fazer o bem por outros motivos, até por motivos sem ética, como vaidade e ego-complacência, Ou, na linguagem de precisão matemática de Einstein: "Do mundo dos fatos (fazer o bem) não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores (ser bom);

porque os valores vêm de outra região".

Poderia o grande matemático ter acrescentado: do mundo dos valores há um caminho para o mundo dos fatos; da qualidade de ser bom há um caminho para a quantidade de fazer o bem.

Da benevolência mística conduz um caminho para a beneficência ética.

Da fonte da mística derivam todas as águas para os canais da ética.








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