Sabedoria das Parábolas

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CAPÍTULO 7

7. Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus

Paz. . .

Há quase dois mil anos que os arautos de Deus cantaram sobre o estábulo de Belém: "Paz na terra aos homens de boa vontade".

E alguns decênios depois, em vésperas de sua morte, disse o Nazareno aos seus discípulos: "Eu vos dou a paz, eu vos deixo a minha paz; não a dou como o mundo a dá, para que minha alegria seja em vós, seja perfeita a vossa alegria, e nunca ninguém tire de vós a vossa alegria".

Depois da sua ressurreição, Jesus saúda os seus discípulos, invariavelmente, com as palavras: "Salem alelkum", a paz seja convosco.

Entretanto, a história do cristianismo, que nasceu sob o signo da paz, é uma história de guerras e de armistícios, mas não de paz. O armistício é uma pseudopaz, uma trégua entre duas guerras.

O nosso ego humano nada sabe de paz, só conhece guerra – a guerra quente nos campos de batalha, ou então a guerra fria do armistício, nos parlamentos.

Por isto dizia o Mestre: "Eu vos dou a paz, mas não a dou como o mundo a dá", em forma precária de pseudopaz ou armistício.

Aliás, quando o ego nasceu, como refere o Gênesis, já nasceu beligerante, lutando para os dois lados, guerreando o mundo de Deus e o Deus do mundo: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre teu descendente e o descendente dela (o Cristo); ele te esmagará a cabeça e tu armarás cilada ao calcanhar dele!".

Esta é a guerra do antiCristo contra o Eu crístico.

E também entrou em guerra contra o mundo natural: "Comerás o teu pão no suor do teu rosto. . . num mundo coberto de espinhos e abrolhos".

E que fez o ego da nossa personalidade até hoje senão combater Deus e a natureza? Nunca a humanidade gozou de um único ano de paz verdadeira.

Bem dizia a Bhagavad Gita: "O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego".

Para que haja paz entre a personalidade humana do ego e a individualidade crística do Eu, deve o homem elevar-se à altura do Cristo, porque este não pode descer às baixadas do ego.

A paz social, nacional e internacional depende da paz individual. Enquanto o homem não fizer as pazes consigo mesmo, não pode ter paz com os outros.

Todo e qualquer tratado de paz no mundo político-social acabará infalivelmente numa guerra quente, nos campos de batalha, ou então numa guerra fria nos parlamentos. As leis cósmicas são de uma lógica retilínea inexorável: nada há no mundo social que antes não tenha havido no mundo individual.

Sempre de novo, através de séculos e milênios, o homem tenta subornar as leis cósmicas, que são a ordem de Deus: sempre de novo tenta fazer o segundo antes do primeiro – e o círculo vicioso continua sem fim.

O homem tem de pacificar-se a si mesmo, antes de poder pacificar os outros. "Bem-aventurados os pacificadores. . . " A tradução habitual diz "pacíficos". Embora esta palavra seja certa em si, hoje em dia é ela mal compreendida. Pacífico é, para o homem comum, um homem calmo, passivo, mais ou menos inerte. Mas o termo latino é derivado de pacem facere, fazer a paz, bem como a expressão grega eirenepoiuntes, derivada de eirene (paz) e poieo (fazer). O sentido desta palavra é, sobretudo, ativo e dinâmico, e não estaticamente passivo. Feliz é o homem que faz ou realiza a paz, e não apenas vive ou vegeta pacificamente.

A paz não representa um estado de passividade e inércia, mas é uma conquista, uma vitória, altamente dinâmica. Pode o homem viver numa espécie de paz comparável à dos cemitérios, onde ninguém briga com os outros, mas todos estão em paz por falta de vida e vitalidade. Mas não é esta a paz desejável; a paz verdadeira é uma bonança que segue a uma grande tempestade, é a tranquilidade final da sapiência depois de uma longa tormenta de dúvidas e incertezas.

Durante a última guerra mundial apareceu numa revista uma ilustração satírica: um enorme campo cheio de cruzes, uma ao lado da outra, um cemitério onde tinham sido sepultados milhares de soldados mortos na guerra – alemães, franceses, russos, ingleses, italianos etc., e a legenda dizia: "finalmente a paz mundial".

Esses beligerantes tinham conseguido a paz graças à perda da vida. A verdadeira paz, porém, não é uma paz por ausência de vida, mas sim uma paz pela presença e plenitude da vida, por uma vivência tão plena e exuberante que todas as desarmonias culminaram em perfeita harmonia.

Por isso dizia o Mestre: "Eu vim para que os homens tenham a vida, e a tenham em maior abundância".

O homem-ego não tem paz, porque não está na plenitude da vida, vive apenas uma semivida, quiçá uma pseudovida, e por isto tem de brigar com os outros, porque está em discórdia consigo mesmo.

A solução não está numa diminuição de vida, mas sim numa intensificação de vida. Se todos os homens tivessem a plenitude da vida, a consciência do seu Eu divino, haveria paz individual e paz universal.

A verdadeira paz é a coisa mais dinâmica e realizadora do mundo; o homem autopacificador e autopacificado é o campeão das grandes realizações; ele sabe que paz é um poder silencioso, uma potência irresistível, que faz lembrar o curso silencioso dos astros pelas vias inexploradas do cosmos, ou a irresistível dinâmica da natureza, que tudo vence sem o menor ruído.

A verdadeira paz tem afinidade com o mundo da metafísica, e não da física, com o mundo da invisível realidade, e não das facticidades visíveis.

A principal tarefa do homem, aqui na Terra, é estabelecer o grande tratado de paz dentro de si mesmo.

Toda a falta de paz que desgraça a pobre humanidade provém unicamente da falta de equilíbrio e harmonia entre o ego da humana personalidade e o Eu divino da sua alma. Aqui no Ocidente, é regra geral que o ego humano – material, mental e emocional – se preocupe com a vida humana sem se importar com o seu destino divino. "Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se sofrer prejuízo em sua própria alma?" – estas palavras do Cristo enunciam, em forma lapidar, toda a tragédia da vida humana: o homem corre freneticamente atrás dos bens deste mundo, sem se importar com o bem-estar de sua alma. Mas essa diversidade dispersiva, sem a devida unidade concentrativa, tende a acabar fatalmente num caos centrífugo, que, na medicina, chama-se "frustração", que quer dizer despedaçamento ou esfacelamento. É precisamente este o programa do antiCristo, no episódio da tentação: "Eu te darei todos os reinos deste mundo e sua glória – prostra-te em terra e adora-me".

O homem ocidental é um homem visceralmente centrífugo, dispersivo, fragmentado, frustrado, e por isto não tem paz, que é o apanágio da harmonia, ou seja, da unidade na diversidade.

Alguns orientais caíram no extremo oposto, abolindo a diversidade a favor da unidade, substituindo a atividade do ego pela passividade do Eu; em vez de realizarem uma mística sadia, sucumbiram a um misticismo doentio.

O homem integral, porém, não é um profano dispersivo, nem apenas um místico concentrativo. O homem cósmico estabeleceu dentro de si o grande tratado de paz, a harmonia, o equilíbrio entre o seu centro divino e as suas periferias humanas. O homem integral é cósmico ou univérsico, porque é governado pelas mesmas leis que regem o mundo sideral, cuja atração centrípeta é perfeitamente equilibrada pela repulsão centrífuga.

A harmonia cósmica do homem, que se chama paz, é, pois, o resultado da realização do homem bipolar.

O homem que se pacificou a si mesmo por meio dessa lei de equilíbrio irradia paz e harmonia ao redor de si, na vida doméstica, social, nacional e internacional.

O autopacificador é, mesmo inconscientemente, um alopacificador. Não há necessidade que fale muito em paz, nem que faça congressos ou comícios própaz – basta que ele mesmo seja um centro e uma fonte da verdadeira paz – e o mundo será pacificado por esse centro de paz dinâmica.

Paz, já o dissemos, não quer dizer passividade, inércia, inatividade. A verdadeira paz é essencialmente dinâmica, ativa, realizadora, transbordando para todos os lados, assim como o globo solar irradia luz, calor, vida e beleza por todas as latitudes e longitudes do Universo.

Os verdadeiros pacificados e pacificadores, diz o Mestre, são chamados "filhos de Deus". Sendo Deus a infinita e eterna paz do Universo, que outra coisa poderiam os filhos de Deus ser, senão esta mesma paz?

Basta que exista algures um centro de paz dinâmica para que o mundo tenha paz.

Mas esse centro de paz dinâmica supõe autoconhecimento e auto-realização.

Enquanto o homem não se conhece a si mesmo, confundindo o seu ego-humano com o seu Eu divino, não há conhecimento da verdade sobre si mesmo, e por isto não há libertação pela verdade. O primeiro passo para a realização do grande tratado de paz é a eterna pergunta: "Que sou eu?".

A resposta foi dada por todos os grandes Mestres da humanidade, sobretudo pelo Cristo, quando identificou o centro do homem com o Pai, com a Luz, com o Reino de Deus, com o Tesouro Oculto, com a Pérola Preciosa, com uma Fonte de águas vivas.

Quando o homem realiza em si esse Reino de Deus, verificará, talvez com grande surpresa, que não perdeu as coisas do seu ego humano, mas as possui mais firme e autenticamente. Quem possui o mais possui o menos – mas quem procura possuir este à custa daquele perde tanto o menos como o mais. Quem quer salvar o seu ego humano, sacrificando o Eu divino, perderá tudo; mas quem está disposto a renunciar ao ego humano a fim de possuir o Eu divino, verificará que, além de salvar este, salvou também aquele, uma vez que a redenção do TODO implica na redenção da parte. "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua harmonia – e todas as outras coisas vos serão dadas de acréscimo".

Em véspera de sua morte disse o Mestre aos seus discípulos: "Eu vos dou a paz, mas não a dou como o mundo a dá". Promete-lhes uma paz com alegria. Uma paz passiva seria uma paz com tristeza, uma vez que a atividade é alegria, e a passividade é tristeza. Esta paz que o Mestre tinha em si, mesmo em face da morte, é a paz que ele quer ver em seus discípulos, não pode ser destruída nem pela perspectiva da morte, nem pela traição, negação e fuga de seus discípulos.

Esta paz, que o mundo não pode dar e que o mundo não pode tirar, é totalmente inatingível pelas circunstâncias externas. Podem, sim, as circunstâncias adversas causar sofrimento e tristezas, como aconteceu até ao Nazareno, mas não podem destruir a paz e felicidade da alma. As tempestades revolvem a superfície do mar, mas na sua profundeza continua absoluta quietação e tranquilidade. A soberania da substância divina do homem não é atingida pelas tiranias das circunstâncias humanas. A paz de dentro persiste no meio de todas as guerras de fora. É a grande declaração da independência espiritual no meio de todas as escravidões materiais e sociais.

A verdadeira paz dos filhos de Deus é silenciosamente dinâmica, age como se não agisse, realiza grandes coisas sem arrombar portas e sem esmagar ninguém; não atua com o estampido da explosão de uma bomba, mas com a taciturna potência com que o sol e as estrelas traçam as suas silenciosas órbitas pelo espaço infinito. A paz é silenciosamente poderosa, anonimamente irresistível, move os maiores pesos com leveza, faz com facilidade as coisas mais difíceis, abrange com suavidade todo o Universo de uma à outra extremidade, "não se ouve o seu clamor nas ruas, não quebra a cana fendida, nem apaga a mecha ainda fumegante".

O homem que encontrou a paz dentro de si mesmo não é apressado, nervoso, agitado, porque em qualquer trecho da sua jornada está sempre no termo e na meta de todas as suas viagens. O seu centro, como o de Deus, está em toda parte, e a sua querência está em sua própria consciência; a meta de todos os seus métodos coincide com o Infinito, como a geometria diz das linhas paralelas.

A paz do homem autopacificado pela verdade sobre si mesmo exala uma indefinível serenidade. Todos se sentem bem e felizes na presença desse homem que conquistou a paz depois de grandes lutas consigo mesmo. A sua serenidade dinâmica envolve e permeia todo o ambiente, como um fluido magnético, como uma aura suavemente poderosa, como um banho de luz e força. E todas as almas receptivas se sentem tão bem nesse Tabor de transfiguração que estão com vontade de dizer: Mestre, que bom que é estarmos aqui. . . vamos aqui armar as nossas tendas, porque aqui moram os filhos de Deus e aqui impera o Reino dos Céus. . .

Um único homem realmente pacificador e pacificado dentro de si mesmo vale mais para a paz universal do mundo do que todos os pretensos fazedores de paz que não realizaram a paz dentro de si mesmos. "Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. "








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