Filosofia cósmica do evangelho
Versão para cópia
"SE NÃO VOS TORNARDES COMO AS CRIANÇAS. . . "
Certo dia, estavam os discípulos de Jesus discutindo entre si sobre quem deles era o maior no reino dos céus – quando Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio desses ambiciosos pecadores e disse-lhes: "Se não vos converterdes e vos tornardes como esta criança, não entrareis no reino dos céus. " Seria crível que o Mestre, para dar uma lição de pureza a seus discípulos, colocasse ante os olhos dos impuros um modelo impuro? Que deles exigisse se convertessem da sua impureza de adultos para a impureza da criança? É evidente que Jesus supõe que essa criança é pura, livre de pecado, em união com Deus, que ela está no reino de Deus por natureza, no qual os egoístas litigantes deviam entrar por seu próprio esforço: "A alma humana é cristã por sua própria natureza", escreve Tertuliano, no segundo século, fazendo eco fiel à filosofia positiva do Evangelho do Cristo.
Em outra ocasião fala Jesus do crime daqueles que "escandalizarem" ou forem motivo de pecado aos pequeninos que "têm fé nele".
Pergunto: que entende Jesus por esse "ter fé"? Evidentemente, nenhuma daquelas crianças cria em Jesus, no sentido teológico de hoje; nenhuma delas o conhecia como Messias; para essas crianças israelitas era Jesus um dos muitos rabis da sua terra. Que quer pois, dizer que "tinham fé nele"?
Fides é o radical de fidelidade, harmonia, consonância, sintonia. O verbo derivado de fides ou fé, seria "fidelizar", ou seja estabelecer fidelidade.
A alma da criança está em estado de fidelidade ou sintonia natural, embora inconsciente, com Deus. A alma é crística por sua própria natureza. Ela não é tornada crística por um ato ritual, como julgam os que creem na existência de um pecado original na criança.
Toda criança natural tem fé, ou fidelidade com o Cristo, com Deus.
O que a criança é por natureza, isto deve o homem adulto tornar-se por consciência. O homem, dotado de livre-arbítrio, pode "desfidelizar-se", perder a harmonia com Deus, mas pode "refidelizar-se", restabelecer a fidelidade ou harmonia perdida por culpa própria. Isto é, na linguagem de Jesus, tornar-se como criança. Não se trata de tornar-se criança, que seria infantilismo, mas sim, fazer-se por esforço da consciência o que a criança é por natureza.
O homem plenamente espiritual tem sempre algo de criança: é simples, sem malícia, sem segundas intenções, humilde, sincero. O homem crístico é conscientemente o que a criança é inconscientemente, sintonizado com Deus.
Quando, certo dia, Jesus abençoava as crianças, tentaram os discípulos afastá-las do Mestre; este, porém censurou seus apóstolos, dizendo: "Deixai que venham a mim as crianças, e não lho embargueis, porque de tais é o reino dos céus. " Segundo a teologia corrente, nenhuma dessas crianças se achava em "estado de graça", todas eram "filhos da ira divina", pecadores natos, e, se alguma delas morresse nesse estado não entraria jamais no reino de Deus; todas iriam para o "limbo". Jesus, porém, afirma que essas crianças e todos os que com elas se parecem estão no reino de Deus, reino de pureza, isenta de pecado.
Qual a razão porque a teologia eclesiástica adotou essa doutrina pessimista do pecado original, quando o Evangelho é manifestamente contrário a essa ideia?
Em parte, devido à interpretação de certas palavras do apóstolo Paulo, em parte em virtude duma psicologia professada em séculos passados, mas hoje abandonada pela elite pensante e espiritual da humanidade. Essa psicologia em cuja atmosfera se desenvolveu a doutrina da essencial maldade do homem continua a vigorar, como funesta pedagogia, em numerosas famílias e institutos de educação dos nossos dias. Acham certos educadores que quanto mais se intensificar na alma do educando a convicção da sua maldade, tanto mais eficazmente aceitará ele o que lhe é oferecido pelo educador. Para ter confiança no mestre, deve o educando ter desconfiança em si mesmo.
Vai nisto uma ilusão fatal. A consciência da sua maldade não produz no educando um ambiente propício à convertibilidade mas antes o contrário; o homem convencido de que é essencialmente mau dificilmente crê na possibilidade de se tornar bom; desespera de si; solta as rédeas a seus instintos negativos; uma vez que já é mau, por culpa alheia, resolve ser ainda pior, por culpa própria.
Ai do homem que não crê em si! Que não tem confiança em sua intrínseca bondade!
Quando, por outro lado, se mostra ao homem que, apesar de ter praticado atos maus, ele não é total e irrevogavelmente mau; que ele é potencialmente bom, embora não o seja ainda atualmente – então esse homem, tomado de um nobre entusiasmo e brio, envidará todos os esforços para se tornar também atualmente o que já é potencialmente.
Mas – exclamará alguém – isto é auto-redenção!
É, sim, auto-redenção – mas a Cristo-redenção é necessariamente uma autoredenção.
Como assim?
Porque a íntima natureza do homem é crística. A luz do Lógos, do Cristo interno "ilumina a todo homem que vem a este mundo. . . e dá aos que a recebem o poder de se tornarem filhos de Deus". O Cristo é o centro real de todo homem, é a alma, o sopro de Deus, o espírito de Deus que habita no homem. Se o "autós" redentor fosse o nosso corpo ou a nossa mente, a autoredenção não seria uma Cristo-redenção e sim uma ego-redenção; mas o verdadeiro "autós", o íntimo "Eu" do homem é seu Cristo interno, e quem é redimido por esse Cristo de dentro é redimido pelo mesmo e único Cristo, que estava e está em Jesus.
Se o homem fosse visceralmente pecador, nem seria possível a sua redenção, porque, neste caso, não existiria na natureza humana um elemento positivo, um ponto de contato ou de ressonância que respondesse ao apelo do Cristo redentor. O homem essencialmente mau seria irredimível; só um homem potencialmente bom é que é redimível.
Se a semente duma planta no fundo da terra não fosse essencialmente "solar", jamais ia reagir ao silencioso convite dos raios solares de fora; se de fato brota ao encontro do sol em virtude desse misterioso apelo solar de fora, prova é que a semente é essencialmente solar. A alma da planta é filha da luz solar, e por isto pode responder ao convite da sua luminosa mãe.
Se a alma humana não fosse intrinsecamente crística não poderia cristificar-se.
Jesus sabia que toda alma é essencialmente crística; por isto disse: "Desses tais é o reino dos céus. " "QUEM PERDER A SUA VIDA GANHÁ-LA-Á" Estas palavras paradoxais encerram a maior das verdades. Não se pode possuir algo sem o perder primeiro.
Ninguém pode possuir firmemente a vida do seu ego humano se não realizar o seu Eu divino – assim como ninguém pode possuir uma parte se perder o Todo. Se alguém quisesse possuir o 10, perdendo o 100, não teria o 10 que é uma parte integrante do 100. Mas, se alguém se declarasse disposto a perder o 10 para ganhar o 100, verificaria que, possuindo o 100, não perdeu o 10.
O ego humano não pode imortalizar-se por si mesmo; só pode ser imortalizado pelo Eu divino. Se o ego se integrar no Eu, então se imortaliza. Acontece, porém, que essa integração parece ser uma desintegração, uma extinção, uma morte do ego. Enquanto o ego não se convencer de que a sua integração no Eu maior não é extinção, mas integração e imortalização, não aceitará ele essa integração.
O ego que não se integra – se desintegra.
O ego que não se realiza – se desrealiza.
Por isto insistem os Mestres espirituais nessa integração, para não haver desintegração.
Mas essa integração da parte no Todo é uma espécie de sofrimento, de sofrimento redentor. É um egocídio que leva à vida eterna.
Quando falamos do sofrimento redentor, referimo-nos unicamente ao sofrimento voluntariamente aceito, porque profundamente compreendido como fator positivo de evolução superior. Não incluímos, portanto, nessa redenção os que se revoltam contra o sofrimento, nem mesmo os que se resignam passivamente ao sofrimento inevitável.
A atitude dos revoltados é negativa; a atitude dos resignados é neutra; mas nem a atitude negativa nem a atitude neutra podem redimir o sofredor, por mais intenso e diuturno que seja o seu sofrimento; porquanto, não é o sofrimento em si que redime e espiritualiza o homem, mas sim a atitude positiva e afirmativa que o homem assume em face do sofrimento. Nenhum objeto pode de per si redimir-me; só eu mesmo, o sujeito, é que posso realizar essa redenção.
Qual é, pois, o mais profundo fator de redenção nesse sofrimento positivo e voluntariamente aceito?
É um profundo sentimento de desconfiança que o sofrimento cria no elemento personal do homem, unido a um nítido sentimento de confiança no elemento universal dele.
O elemento personal do homem consiste nos sentidos e no intelecto.
É pelos sentidos que qualquer ser se individualiza, e é pelo intelecto que essa individualização atinge o seu mais alto grau de concentração e intensidade. Os seres infra-humanos são apenas semi-individualizados, porque a sua consciência é infra-intelectual, meramente sensitiva, vegetativa ou mineral.
Com o advento do intelecto adquire a individualização o seu apogeu. A individualidade, porém, quando crea um ambiente de separatismo – autônom " – isto é, de personalidade – é a base do egoísmo. Pelos sentidos torna-se todo o ser um egoísta mitigado; pelo intelecto adquire esse egoísmo a sua maior intensidade. O homem é, aqui na terra, o rei dos egoístas, porque o ser é mais intensamente personalizado.
Quando, porém, esse ser altamente personalizado pelo intelecto ultrapassa essa fronteira e entra na zona da Razão, isto é, do Lógos, do Espírito, do Cristo, então entra ele na zona da universalidade e termina todo o seu egoísmo, transformando-se em amor universal e incondicional.
O homem é a sua alma, a qual tem intelecto e corpo.
Eu sou espírito.
Eu tenho intelecto.
Eu tenho corpo.
O espírito sou Eu.
O intelecto é meu.
O corpo é meu.
Ora, não há sofrimento na zona do universal, do espírito, de Deus. E, como o meu verdadeiro Eu é idêntico a Deus, não há sofrimento no meu Eu central.
Todo o sofrimento principia, persiste e termina nos pseudo-eus periféricos, no plano da consciência personal, constituído pelos sentidos e pelo intelecto. Este plano personal, físico-mental, é a única fonte e sede do sofrimento.
É esta a grande verdade que, aos poucos, se vai revelando à visão interna do sofredor que assume atitude positiva em face do sofrimento. Eu sofro porque sou persona; quanto mais eu me personalizar tanto mais sofrerei.
Como então abolir o sofrimento?
Ou pela involução – ou pela evolução!
Ou regredindo e descendo para uma zona inferior, de infra-personalidade – ou progredindo e ascendendo a uma zona superior, de ultra-personalidade, isto é, de universalidade ou consciência cósmica, onde necessariamente termina todo o sofrimento. Para que o homem possa "entrar em sua glória" é indispensável ultrapassar o plano da consciência telúrica, individual, e atingir as alturas da consciência cósmica, universal. Na zona do Lúcifer (intelecto) impera o sofrimento – na zona do Lógos (razão) canta eterna beatitude.
Gautama Siddhartha, antes de se tornar o grande Iluminado, o "Buda", pensava que o fato objetivo de alguém ser um indivíduo fosse a verdadeira causa dos seus sofrimentos; só mais tarde, quando absorto em profunda meditação, lhe veio a grande iluminação, a verdade definitiva: compreendeu que o homem sofre, não pelo fato objetivo de ser indivíduo mas sim pelo fato de manter em si uma atitude subjetiva de personalismo, de egoísmo.
Quando o homem é apenas Lúcifer (intelecto) sofre pouco; mas, quando o Lúcifer do intelecto se sataniza, isto é, se opõe ao Lógos (razão), recusando-se a sair do seu egoístico personalismo, então é que ascende o inferno nesse ego antirracional, anticrístico, antidivino.
Lúcifer é o intelecto virgem, neutro.
Satan é o intelecto adverso à Razão, é o anti-Lógos, o anti-Cristo.
Pode, pois o indivíduo deixar de sofrer apesar de continuar a ser indivíduo – basta universalizar a sua consciência individual. O indivíduo, depois de atingir a consciência universal não se desindividualiza; continua a ser indivíduo, mas um indivíduo universalizado.
Deus, pela atividade creadora, se individualiza sem cessar, mas nunca se torna indivíduo.
O homem, pela intuição cósmica, se universaliza sem cessar, mas nunca se torna o Universal.
A vida eterna não consiste numa diluição do indivíduo (homem) no Universal (Deus) – consiste em que o indivíduo, continuando a ser indivíduo, se integra na consciência universal.
Com essa transição da consciência individual, telúrica, para a consciência cósmica, a passibilidade acaba em impassibilidade.
Nessa zona universal não existe sofrimento compulsório – mas pode existir sofrimento espontâneo, no caso que o homem livremente permita que o sofrimento entre em sua vida, como aconteceu com Jesus, o homem de consciência cósmica pode permitir que o sofrimento lhe entre na vida, porque sabe que não lhe pode fazer mal. Só o poderoso pode permitir essa fraqueza; o fraco tem de fugir quando possível da fraqueza precisamente por não ser assaz poderoso. Quem se sabe invulnerável e superior a todas as derrotas, pode permitir derrotas em sua vida, na certeza de que nenhuma derrota o pode derrotar. O sapiente pode aceitar aparência de ignorância, ao passo que o ignorante ou semi-sapiente deve evitar solicitamente quaisquer indícios de insipiência. O SER forte pode permitir o parecer em sentido contrário, ao passo que um ser fraco procura evitar aparências de fraqueza.
Na zona da consciência universal só há sofrimento livre, quando o sofredor o quer, porque nessa zona o homem é absoluto senhor e soberano do seu ego físico-mental, fonte e sede do sofrimento.
Ora, é precisamente esta a gloriosa conquista realizada pelo sofredor que aceita voluntariamente o sofrimento, porque compreende a função catártica e redentora do sofrimento: ultrapassou definitivamente a fronteira da pequena consciência telúrica e entrou no vasto e luminoso mundo da consciência cósmica onde habita indestrutível certeza, segurança, tranquilidade, paz e felicidade.
A cruz é o eloquente símbolo do Infinito, do Universal – norte, sul, leste, e oest " – quatro portas abertas para o Infinito, o Ilimitado, o Eterno. É o sinal do "filho do homem", do homem por excelência, do pleni-homem, que realizou em si a vida plena e universal – o homem cósmico ao qual "foi dado todo o poder no céu e na terra".
Não era possível, naturalmente, que esse homem entrasse em sua "glória" de homem integral sem primeiro passar pelas "inglórias" do homem parcial. O que os seus discípulos de hoje percebem são as inglórias do homem parcial, os sofrimentos de Jesus, ignorando a glória do homem integral, do Cristo glorioso.
Enquanto o homem não enxergar o ressuscitado para além do crucificado, não terá ele em si suficiente segurança e firmeza nas coisas do mundo espiritual, e procurará instintivamente um ersatz, um substituto para essa firmeza, recorrendo a adjutórios externos; agarra-se a cerimônias e pompas visíveis, faz finca-pé na letra morta de algum livro sacro, fanatiza-se por fenômenos e mensagens do outro mundo – tudo isto porque lhe falta uma sólida e nítida segurança interna, que só vem da experiência direta de Deus, da intensa vivência do Cristo interno.
A experiência interna está na razão inversa do sectarismo externo.
Quem tem perfeita saúde não necessita de andar com muletas.
Verdade é que também o homem de experiência interna e possuidor de segurança interior costuma tomar parte em culto público e social, porque é da íntima natureza humana manifestar por fora o que lhe vai por dentro; o Cristianismo é o reino de Deus, e não apenas uma experiência individual. Mas, para o homem de experiência espiritual, os ritos externos não são a sua espiritualidade, como são, geralmente, para o inexperiente. Para aquele são reflexos da luz divina, para este são a própria luz.
Quando começará a humanidade a ultrapassar a Quaresma do Jesus doloroso para celebrar a Páscoa do Cristo glorioso?. . .
Quando compreenderá a humanidade cristã o supremo poder que o Cristo legou a seus discípulos no seu testamento: "A mim me foi dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois, e proclamai o Evangelho a todos os povos, fazendo-os discípulos meus e ensinando-os a observar tudo que vos tenho dito. E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos"?
"NÃO TEMAIS AQUELES QUE MATAM O CORPO!" É ideia quase geral que, com a morte física, o homem entre subitamente num mundo totalmente diferente do que conheceu até então.
Entretanto, a verdade não é esta. A separação dos sentidos orgânicos, que punham a alma em contato direto com o mundo circunjacente da matéria e suas forças, não representa para o homem mudança radical, porque o conteúdo das suas experiências terrestres continua a subsistir intato. As experiências colhidas em 20, 50, 80 anos de vida terrestre são independentes dos objetos que as condicionaram – tanto mais que essas experiências não vieram dos objetos, mas da própria alma, despertadas pelos objetos. O mundo material não é causa interna, senão apenas condição externa das nossas experiências, e essa condição pode ser substituída por outro ambiente, não menos favorável que o atual. Assim como a luz solar que ilumina uma sala não vem da janela, mas do sol, através da janela, semelhantemente, as experiências que o homem colhe durante a vida terrestre não brotam dos objetos em derredor, mas nascem das íntimas profundezas da alma.
Entretanto, embora a fonte das nossas experiências, a alma, continue a subsistir inalterável, contudo é certo que a falta dos habituais veículos condutores, os sentidos e os nervos, causará à alma desencarnada uma espécie de desnorteamento inicial. De súbito, vê-se a alma privada dos seus instrumentos familiares de tantos decênios. Como trabalhar agora? De que modo colher conhecimentos? Como estabelecer contato entre si e o ambiente, tão alterado?
Em breve responderemos a esses quesitos.
Outra ideia errônea a respeito da morte é que a separação entre o corpo e alma seja acompanhada de grandes sofrimentos. A separação é, quase sempre, um processo indolor, uma suave letargia, uma tranquila e progressiva dormência, um imperceptível deslizar para uma região penumbral de crescente inconsciência.
O que faz da morte uma "agonia", isto é, uma "luta" não é a morte em si mesma, mas esse acervo de erros e superstições que em torno dela se tem acumulado no decorrer de séculos e milênios. O apego excessivo a bens ou pessoas da terra, e, sobretudo, o corteja sinistro de horrores que certas religiões crearam em torno do processo natural da transição desta para outra zona da existência, o juízo de Deus, as penas do inferno ou do purgatório – tudo isto converteu um evento natural em sinônimo de angústias e incertezas.
Para o homem que, iluminado pela luz da verdade e do amor, ultrapassou essas fantasias e viveu uma vida dignamente humana, a despedida da vida terrestre não é mais horrível do que a entrada da mesma pelo nascimento.
Nascer também é uma espécie de morte: a separação da criança do útero materno, ao qual estava solidamente apegada pelo cordão umbilical e sem o qual não podia viver, durante nove meses, é também um processo de "morrer" como a separação do homem adulto do seio materno da natureza terrestre, à qual o prendem numerosos "cordões umbilicais", bem mais resistentes do que aquele da criança nascitura.
O melhor que o homem pode e deve fazer é desprender-se paulatinamente, ele mesmo, durante a vida, desses vínculos terrenos; ter afeição sem apego; não derivar os seus melhores fluidos vitais desses "cordões" materiais da cobiça, do egoísmo, da luxúria; habituar-se a morrer espontaneamente antes que a morte o faça morrer compulsoriamente.
Quem não morrer espontaneamente, antes de ser morto compulsoriamente, não pode viver gloriosamente.
Que acontece, pois, quando alguém morre?
Quando um ovinho de borboleta "morre" para seu estado primitivo, não morre para dentro da morte, mas "morre" para dentro duma vida mais abundante e bela; quer dizer que a sua morte é, de fato um nascimento ou uma ressurreição. Toda vida maior supõe a morte de uma vida menor. Morre o ovinho para que a lagarta possa viver; mas essa lagarta é o próprio ovo em outro estado, mais perfeito.
Quando, semanas depois, a lagarta também "morre" e se imobiliza no pequeno ataúde da crisálida ou do casulo, mais uma vez essa pseudo-morte preludia uma nova fase de vida, mais ampla e plena que as duas fases anteriores.
Finalmente, vem a terceira "morte" desse inseto em evolução ascensional, e o ocaso desta terceira fase da vida é a alvorada da vida mais deslumbrante que vai despontar – a borboleta.
Em cada nova metamorfose, o inseto morre com a mesma tranquilidade com que nasce e renasce, porque sabe institivamente que essas vicissitudes de luz e trevas são necessárias para atingir a plenitude da sua luminosidade final, em forma de lepidóptero alado a adejar, feliz e glorioso, nos espaços ensolarados.
O homem morre cada noite, quando se deita para dormir – e nasce cada manhã quando acorda. Uma inconsciência entre duas consciências.
Assim como o sono não atinge a vida central do verdadeiro Eu, senão apenas as camadas periféricas dos sentidos, assim também a morte não afeta o nosso ser interno, que dá vida aos invólucros externos.
Cemitério, derivado da palavra grega "koimiterion", quer dizer "dormitório". Os que jazem nesse dormitório, dormem o sono duma noite temporária. Disto sabia Jesus, disto sabiam e sabem seus verdadeiros discípulos.
Por isto, leitor, quando vês morrer algum dos teus entes queridos, não te entristeças, não chores, não fales em perda, não te cubras de luto. Logo depois fica em silêncio e abisma-te em ti mesmo, acompanhando com a alma a metamorfose de uma "borboleta". . . Lava o rosto, veste-te de festa, põe sobre a mesa da sala um ramalhete de flores rodeado de umas velas acesas, e, se tiveres incenso genuíno, lança-o sobre as brasas e canta em silêncio o hino da libertação que a alma de teu ente querido está contando em jubiloso silêncio. O pior que podes fazer é entristecer-te, ou até "fazer cena", porque estas vibrações de baixa frequência dificultariam o voo da gloriosa "borboleta", prendendo-a desnecessariamente às baixadas terrestres. Deixa-a voar livremente rumo ao Infinito, e não sejas tão egoísta e cruel de a quereres reter contigo na jaula que ela abandonou. . .
Se tua alma está realmente unida à outra pelo liame do amor, não há nada que de ti possa alhear essa alma querida. Que poder teria a fraqueza da matéria sobre a força do espírito?
A alma não é atingida pela morte do corpo.
A hora da grande transformação está envolta no véu duma suave semiconsciência crepuscular . . . Tudo lhe parece distante, cada vez mais distante. . .
Tudo vago, longínquo, etéreo. . . Recuam as paredes do quarto. . . Perdem-se no espaço os derradeiros sons. . . Entorpecem as extremidades do corpo. . . A semiconsciência centraliza-se no coração e no cérebro, últimos redutos da vida material. . . Por fim, o corpo repousa como um envólucro vazio e a alma parece imersa como num sono profundo. . .
Desce sobre ela a noite duma paz imensa. . .
Quanto tempo durará essa noite da inconsciência, ou semi-consciência?
Ninguém o sabe. Para uns é longa, para outros, breve. . . Depende do modo de vida que alguém levou na terra, depende da qualidade e do conteúdo das suas experiências. . . Para uma alma firmemente presa ao corpo e à matéria do mundo, causa essa separação um choque violento, uma espécie de hemorragia, de maneira que, por largo tempo, ela não consegue recuperar suficiente consciência para saber o que aconteceu e onde está.
Para outras almas, habituadas ao desapego voluntario, é breve esse estado de inconsciência, porque não houve choque violento.
Quando, então, a alma volta a recuperar a consciência de si, não sabe ainda que se acha fora do seu corpo. O longo hábito de sentir e pensar através da rede material dos nervos orgânicos mantém a alma na ilusão de sentir e pensar ainda através desses veículos. Mesmo quando contempla seu corpo inerte e frio, não se convence ainda de que esse invólucro não seja mais instrumento dela. Acontece-lhe mais ou menos o mesmo que acontece a uma pessoa à qual foi amputada uma perna; quando desperta da narcose, julga sentir dores na perna amputada, embora esse membro já não tenha ligação alguma com o resto do corpo. Assim, a alma julga ainda por algum tempo sentir e pensar através do seu corpo material, e tanto mais dificilmente se desilude desse erro quanto mais firmemente costumava identificar-se com seu corpo, durante a vida. O homem espiritual, porém, habituado a não identificar o seu verdadeiro Eu espiritual com o seu pseudo-Eu material, logo percebe a verdade do seu novo estado. E essa descoberta não aterra a alma que, durante a existência corpórea, tenha desenvolvido a sua consciência espiritual; já está ambientada e se sente "em casa".
No caso, porém, que esse veículo mais sutil não tenha sido elaborado, é certo que a alma se sentirá profundamente abalada e desorientada pela ausência do corpo material, sem o qual a vida ulterior parece não ter mais razão-de-ser nem possibilidade de existência e evolução. Neste caso, a alma forcejará por elaborar um novo corpo físico, a fim de poder novamente gozar a única vida que ela conhece e aprecia. E recomeça então o vasto ciclo de ignorância, erros e sofrimentos, o círculo vicioso que decorre entre o nascer e o morrer, no planeta Terra ou em outro ambiente material.
Positivamente, a vida eterna, a feliz imortalidade não é um presente de berço nem de esquife – tem de ser uma gloriosa conquista da vida conscientemente espiritual. Em última análise, o próprio homem é o autor de todos os seus sofrimentos e de todas as suas glórias.
No caso que o homem tenha desenvolvido, durante a vida terrestre, um veículo de evolução mais delicado do que esse corpo material, concentrando-se frequente e intensamente no mundo imaterial, verificará com grata surpresa as novas possibilidades inerentes a esse corpo imaterial. E, levado pela lei cósmica da afinidade, se dirigirá espontaneamente àquelas zonas de vida onde outros seres congeniais se acham empenhados em sua evolução ulterior rumo ao Infinito. E dentro em breve essa alma entrará num ambiente propício a seu estado interior. Seres amigos e afins se aproximam e lhe estendem as mãos, entre eles muitos daqueles que, aqui na terra, lhe foram amigos e companheiros.
E enquanto, nas espessas camadas da terra material, o corpo inerte desse homem é chorado como morto, ele mesmo, com o seu corpo mais sutil é muito mais vivo do que nunca dantes, recomeça a sua jornada evolutiva, cheio de juventude e de entusiasmo.
Dotado de novas faculdades e instrumentos cognoscitivos mais perfeitos, entra em contato com novas zonas desse universo de Deus, zonas que outrora lhe eram total ou parcialmente vedadas.
Verifica, então, que o chamado "outro mundo" não é um lugar distante "deste mundo", mas sim um novo modo-de-ser do homem e uma nova maneira-deagir. Verifica que todos os mundos – material, mental e espiritual – são entrelaçados e interpenetrados, e não separados, justapostos nem sobrepostos uns aos outros; são um só mundo ilimitado. A diversidade não é dos mundos, mas provém da nossa maior ou menor capacidade de percepção. Um ser que possuísse todas as faculdades de percepção veria esses mundos como uma grande harmonia, isto é, unidade com diversidade, um imenso cosmos onipresente.
Entretanto, esse homem terá de passar pela segunda morte, terá de separar-se mais uma vez do seu corpo, astral, etéreo ou luminoso, e nascer para regiões superiores. Quando esse homem tiver assimilado tudo que assimilar podia, no plano da sua vivência astral, é chegado o tempo para uma nova metamorfose.
O ovo, a lagarta ou a crisálida tem de "morrer" mais uma vez para nascer de novo, rumo a uma vida mais plena; tem de passar sucessivamente por períodos de contração e expansão, de inalação e exalação, de passividade e atividade, da introversão e extraversão, prosseguindo na sua "vida eterna" rumo ao seu grande destino.
Pensamentos e desejos são forças creadoras. O nosso futuro corpo será o resultado dos pensamentos e desejos habituais da nossa vida presente. O corpo é a condensação material dos nossos pensamentos e desejos predominantes. Quanto mais elevados forem esses pensamentos e desejos, tanto mais perfeito e belo será o invólucro da nossa vivência futura.
Qualquer corpo é "templo do espírito santo", em que habita o espírito de Deus.
Quanto mais esse espírito divino, o nosso Cristo interno, penetrar esse invólucro, tanto mais perfeito será o homem. "DEIXA OS MORTOS ENTERRAR OS SEUS MORTOS!" Um dos ouvintes de Jesus é, espontaneamente, convidado pelo Mestre a segui-lo; ele, porém, pede permissão para primeiro enterrar seu pai, que acabava de falecer. Ao que Jesus lhe responde: "Deixa os mortos sepultar os seus mortos – tu, porém, vai e proclama o reino de Deus. " Magnífico esse jogo com a palavra "mortos" tomado em dois sentidos diferentes!
Jesus faz um engenhoso jogo com a palavra "morto", no sentido físico e no sentido metafísico. O pai do convidado estava fisicamente morto; os membros da família que o iam enterrar estavam metafísica ou espiritualmente mortos, ao passo que o candidato ao seguimento de Jesus começava justamente a ressuscitar para uma vida espiritual, e, como recém-vivo, estava em condições de ajudar outros a ressuscitarem também, proclamando o reino de Deus aos ainda-não-vivos, porém vitalizáveis.
Por que, pois, perder ainda alguns dias para enterrar os restos mortais de um corpo humano, falsamente chamado "meu pai"? Não podiam os outros, os ainda-não-vivos no espírito, fazer esse trabalho mortuário?
É este o terceiro dos três candidatos ao discipulado de Jesus; os dois primeiros ofereceram-se espontaneamente para seguir o profeta de Nazaré, mas não são aceitos, por não estarem em condições de abraçar tão árdua tarefa. O primeiro não tinha suficiente desapego dos bens da terra e comodidades da vida; o segundo quer primeiro despedir-se da gente de casa, e tem de ouvir que não é idôneo para o reino de Deus. Escravos da cobiça e de emoções pessoais não podem ser discípulos do Cristo. O terceiro não se oferece, mas recebe um convite espontâneo de Jesus, e ao que parece aceitou o convite. Também ele quer primeiro voltar para casa, não pra dizer adeus aos vivos, mas para prestar um ato de piedade filial a um defunto. Este, porém, é idôneo para o reino de Deus e tem de Jesus ordem categórica de iniciar no mesmo instante a sua missão apostólica, antepondo-a a toda e qualquer outra consideração.
Vai através de toda a vida de Jesus um quê de indiferença para com sua família e parentela humana; os laços da carne e do sangue, o parentesco meramente físico não tem valor algum para ele. A afinidade espiritual, por outro lado, lhe merece grande importância. O que, realmente, une os homens interiormente adultos são os liames do espírito, e não os vínculos da matéria.
Que diria Jesus da imensa importância e do culto hiperbólico que uma grande parte do Cristianismo tributa àquela que apenas lhe deu o elemento material, humano, e não o elemento divino? Inúmeras vezes se refere Jesus a sua coespiritualidade com o Pai celeste, nenhuma vez à consanguinidade com sua mãe terrestre.
A importância que um homem dá ao parentesco material, ou então à afinidade espiritual, é bem um teste e uma pedra de toque da fraqueza ou da força do seu Cristianismo.
Nós que ainda vivemos escravizados pelos elementos primitivos do plano físico-mental dificilmente compreendemos essa atitude do Mestre, que, não raro, fere a nossa humana sensibilidade. Para compreendê-lo, teríamos de estar no plano de consciência em que o Cristo se encontrava. Só se sabe e se compreende de fato aquilo que se vive e que se é. Nenhuma coisa apenas percebida pelos sentidos e entendida com a cabeça, isto é, o intelecto, é propriedade nossa, porque não se identificou conosco. Nosso, eternamente nosso é só aquilo que vivemos nas íntimas profundezas do nosso ser.
Os livros sacros empregam a palavra "morte", "morrer" para designar o estado do homem que só vive na ego-consciência, e não entrou ainda na cosmoconsciência. Assim, diz Deus à Adão: "Se deste fruto comeres, morrerás" – mas Adão comeu do fruto proibido e continuou ainda a viver diversos séculos.
O sentido é este: se entrares na zona do conhecimento do bem e do mal, que é a ego-consciência, não te tornarás imortal. A imortalidade só vem da "árvore da vida", que é a consciência espiritual.
O filho pródigo estava "moto e reviveu", estava no ego mental e passou para o Eu espiritual.
O Cristo virá para julgar "os vivos e os mortos" – tanto os ego-conscientes (mortos) como os cosmo-conscientes (vivos). "NINGUÉM PÕE REMENDO NOVO EM ROUPA VELHA" O calendário da sinagoga de Israel marcava dia de jejum. E todos obedeciam a essa injunção externa e jejuavam.
Todos – menos Jesus e seus discípulos.
Foi um escândalo! O profeta de Nazaré, que se dizia o Cristo, o filho de Deus, desprezava as leis da igreja do seu povo, e, como agravante, induzia os seus discípulos ao mesmo pecado.
Resolveram os escandalizados mandar uma deputação à presença do Nazareno para lhe exigir uma satisfação. Cautelosamente, dirigiram a pergunta aos discípulos dele: "Por que é que vós e vosso mestre não jejuais. " Jesus, entreouvindo a objurgatória, responde-lhes: "Será que podem jejuar os convidados às núpcias enquanto está com eles o esposo? Mas lá virão tempos em que o esposo lhes será tirado, e, nesse tempo, também eles hão de jejuar. " Quem é esse esposo? Quem são esses convidados? Que núpcias são essas?
Não condena Jesus a praxe antiquíssima e salutar de jejuar para fins espirituais; pelo contrário, afirma que também os seus discípulos jejuarão. O que o Mestre rejeita é o mecanismo do jejum, como era praticado por seus adversários. Isto de jejuar automaticamente, porque está marcado no calendário eclesiástico, não é do espírito do Nazareno. Tudo o que ele faz é por um impulso interno, e não por uma compulsão externa. A lei não é para ele uma norma de fora, mas sim uma necessidade de dentro. Ele vive inteiramente na atmosfera da "gloriosa liberdade dos filhos de Deus".
Também os discípulos jejuarão – quando?
Quando lhes for tirado o esposo, isto é, quando eles sentirem e si desolação e aridez espiritual, oriundo da falta da consciência da presença de Deus. Quando a alma se sentir como que cercada de trevas noturnas, sem suavidade, sem o conforto da serena certeza da presença de Deus – então fará o discípulo do Cristo todo o possível para reaver a consciência da presença do divino Esposo;
jejuará e orará até que volte o Esposo e lhe dê novamente a certeza da sua presença.
Jejum e oração são, entre todos os povos, considerados meios de purificação moral e espiritualização. Hoje, muitos abandonaram a prática do jejum, porque não lhe conhecem o sentido; outros praticam-no com o fim de mortificar a carne e fazer penitência por seu pecados. Entretanto, o verdadeiro jejum é metafísico, como expusemos em outro capítulo deste livro. Jesus sabia que o jejum unido à oração é um meio poderoso para intensificar a consciência espiritual, contanto que seja feito por um impulso interno, e não simplesmente por uma imposição externa.
Depois disto, para melhor clarificar o seu pensamento, recorre Jesus a duas comparações cuja simplicidade rivaliza com sua grandeza. Uma dessas comparações foi ele buscar na cestinha de costuras de sua mãe, a outra no bazar de algum negociante de vinhos. "Ninguém põe remendo novo de pano cru em roupa velha; porque, do contrário, o remendo de pano cru (encolhendo-se) arranca parte da roupa e fica pior o rasgão. Ninguém deita vinho novo em odres velhos; porque, do contrário, o vinho novo rompe os odres, vaza o vinho e perdem-se os odres; não, vinho novo se deita em odres novos, e assim ambos se conservam. " Que é esse remendo novo e esse vinho novo?
Que é essa roupa velha e esses odres velhos?
O Evangelho de Jesus Cristo é algo tão novo e inédito que não é possível cosê-lo na roupa velha ou deitá-lo nos odres gastos das usanças rituais da sinagoga de Israel – no caso presente, o jejum obrigatório a que os chefes eclesiásticos queriam compelir os discípulos dele.
O verdadeiro Cristianismo do Cristo não é algum concerto precário, alguma remendação deste ou daquele rasgão na roupa poída do ritualismo tradicional;
mas é uma veste nupcial inteiriça e totalmente nova; não é uma rotineira continuação de coisas velhas, mas o início de um mundo novo, de um universo original e inédito, aljofrado ainda do orvalho virgem da alvorada cósmica. . .
Queriam os chefes da sinagoga que Jesus acrescentasse mais algum retalho à velha colcha de retalhos que era, nesse tempo, a igreja de Israel, tão vazia de espírito divino e tão repleta de preceitos humanos.
A sinagoga de Israel era a religião do tu deves, tu não deves – ao passo que a mensagem do Cristo é a religião do eu quero. Os dez mandamentos de Moisés se resumem na ideia de um dever compulsório, ou antes de um não-dever: não deves matar, não deves adulterar, não deves mentir.
O jovem rico pergunta a Jesus "que devo fazer", e o Mestre responde "se queres ser".
Quem cumpre o seu maldito dever é um bom escravo – quem realiza o seu bendito querer é um homem livre.
Após o ocaso do tu deves, desponta a alvorada do eu quero. Enquanto o homem profano marca passos no plano horizontal do seu dever compulsório nada sabe ele da "gloriosa liberdade dos filhos de Deus", que começa com a vertical do iniciado no querer espontâneo.
O ego humano só conhece o dever – o Eu divino se guia pelo querer. "TEU OLHO É A LUZ DO TEU CORPO" Estas e as seguintes palavras de Jesus são um dos maiores mistérios do Evangelho e denotam uma experiência intuitiva de grande profundidade. Tão enigmático são estas palavras que numerosos tradutores e intérpretes se desnorteiam diante delas e tateiam na escuridão, forcejando por descobrir um sentido aceitável por detrás desse texto.
A interpretação quase geral entre nós é a seguinte: O olho significa a nossa boa intenção interna; o corpo significa os atos externos; enquanto for boa e reta a nossa intenção, os nossos atos também são bons; mas, se a nossa intenção for má, maus também serão os nossos atos, porque os atos revestem o caráter da atitude.
É esta talvez a interpretação mais razoável, no plano da teologia escolástica, em que se encontra, hoje em dia, o grosso da cristandade do ocidente.
Traduzindo fielmente o texto grego do primeiro século, temos o seguinte: "Teu olho é a luz (ou, lâmpada) do teu corpo. Se o teu olho for simples, está em luz todo o teu corpo; mas, se o teu olho se tornar mau, está em trevas todo o teu corpo. E, se a própria luz que em ti está se converter em trevas – quão grandes serão essas trevas!" O que há de mais estranho nesse texto é a oposição de "simples" a "mau".
Esperaríamos que, em lugar de "mau", figurasse "complexo" ou "composto" como contrário de "simples".
Lembremo-nos de outras palavras do Mestre: "Sede inteligentes como as serpentes, e simples como as pombas. " Aqui ele opõe "inteligente" (frónimos, sagaz, astuto, calculador) a "simples". O homem físico-mental é "inteligente", ao passo que o homem racional ou espiritual é "simples". Se compararmos os dois textos, resulta que o "simples" figura em ambos como apanágio do homem racional, espiritual, cósmico, enquanto o "mau" ou "inteligente" caracteriza o homem meramente físico e mental. Lúcifer, quando adversário do Cristo, é Satan, o Mau, o Maligno, o Príncipe das Trevas. Onde dominar o intelecto humano, sem ou contra a Razão divina, aí há "trevas", porque o intelecto é a consciência individual, uni-lateral, egoísta, ao passo que a Razão, o Lógos, o Cristo, é a consciência universal, oni-lateral, altruísta, o amor.
Convém, antes de tudo, esclarecer o que Jesus entende por "olho" (oftalmós).
Embora o símbolo seja tomado do olho físico, corpóreo, o simbolizado referese ao olho metafísico, espiritual. Por esta razão também não diz "olhos" (no plural, mas "olho" no singular). No mundo espiritual não há órgãos visuais, mas um só "olho", uma visão única, que os iniciados denominam o "olho simples", ou o "olho espiritual", que é uma faculdade da alma, e cujo reflexo é localizado na base da testa, entre as sobrancelhas. Esse "olho simples" é também chamado o "olho do Cristo", ou o "olho espiritual", como ocorre frequentemente nos escritos do místico espanhol, San Juan de la Cruz, e de outros iniciados.
Esse "olho simples" não é um órgão corpóreo, que nunca poderia ser simples, mas é uma faculdade espiritual, uma potência divina, uma antena de alta receptividade. Deste ponto de partida se ramifica uma rede de nervos e irradia uma torrente de fluidos que invadem e permeiam o cérebro, culminando no "lótus de mil pétalas", as últimas ramificações nérveas, que captam as vibrações das ondas divinas.
Diz, pois, o grande Mestre que o olho espiritual é a luz do nosso corpo, da nossa vida; é ele "a luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo", pois é o "olho do Cristo". "A luz brilha nas trevas, e as trevas não a prenderam", não a extinguiram. A luz espiritual só pode funcionar como iluminadora da matéria enquanto ela conservar a sua natural simplicidade.
Se o "olho simples" deixar de ser simples, ele se torna "mau", descendo das alturas da pura racionalidade para as baixadas da impura intelectualidade. Se a própria simplicidade racional se complicar intelectualmente, se a ingênua candura da pomba se emaranhar na calculada sagacidade da serpente, "se o sal se desvirtuar", se a luz se extinguir, como a das cinco virgens tolas – então essa luz, que era boa enquanto simples, se torna má, porque complicada – e quão grande devem ser as trevas na vida dum homem no qual se apagou a luz do mundo! "O FILHO DO HOMEM NÃO TEM ONDE RECLINAR A CABEÇA" Estas palavras de Jesus são usadas e abusadas por escritores e pregadores para frisar a extrema pobreza do Nazareno, mais indigente do que as raposas em suas cavernas e as aves em seus ninhos. É que o mundo cristão do século vinte está ainda sob o impacto da ideologia medieval, infantil, quando os teólogos tentavam levar os homens em seguimento de Jesus por motivos de piedade e compaixão; amar a Jesus para ter pena da sua grande pobreza e dos seus sofrimentos.
Entretanto, o que o Nazareno frisa nestas palavras não é a sua pobreza externa, objetiva mas a sua atitude interna e subjetiva, isto é, o seu espontâneo desapego dos bens materiais, que, para a maior parte dos homens, formam o cobiçado alvo da desenfreada lufa-lufa cotidiana. A sua "pobreza pelo espírito", a sua "pureza de coração", a sua "gloriosa liberdade dos filhos de Deus", eram absolutas.
Quando certo homem, de índole emocional e um tanto melodramática, manifestou a vontade de seguir o Nazareno aonde quer que ele fosse, fez-lhe ver Jesus que esse seguimento firme e constante supõe uma atitude interna de completo desapego dos bens externos que garantem conforto material e prestígio social no mundo. O genuíno discípulo do Cristo deve ter alma de aventureiro, disposto a se jogar, de olhos fechados, ao tenebroso abismo do nada das coisas materiais, na certeza de que nesse nadir do mundo visível encontrará o zênite do mundo invisível. Essa fé, é claro, supõe o maior heroísmo da alma de que é capaz um ser humano. Aquele candidato de que nos fala o Evangelho não parece ter sido alma de aventureiro incondicional;
nutria alguma segunda intenção; esperava alguma vantagem, algum conforto material. . .
Através de toda a filosofia espiritual do Evangelho vai este pensamento: o que é decisivo não é aquilo que o homem possua ou não possua, mas o modo como o sabe possuir ou não possuir. A arte de possuir corretamente o que se possui, ou de não possuir às direitas o que não se possui, é talvez a mais difícil de todas as artes. O que divide a humanidade em dois grandes campos não é a posse ou falta de posse de bens terrenos; o grande abismo não medeia entre a classe superior dos ricos e a classe inferior dos pobres, não; porque tanto estes como aqueles podem ser igualmente escravos, uns do que possuem, outros do que não possuem mas anseiam loucamente possuir. É possível até que um mendigo seja mais escravo daquilo que não possui do que um milionário daquilo que possui. Os objetos externos, possuídos ou não possuídos, são feitos de quantidades; mas a atitude interna com que o sujeito os possui ou não possui é feita de qualidade; ora, as quantidades externas não são reais em si mesmas, enquanto a qualidade interna é intrinsecamente real;
daí a grande diferença entre o que e o como da posse ou do seu contrário. E como toda a filosofia do Evangelho é essencialmente qualitativa e verticalista, e não quantitativa e horizontalista como a nossa política, compreende-se o procedimento do Nazareno para com um candidato que parecia bem intencionado, mas, na realidade, não era idôneo.
Muitos compreendem que é difícil ser corretamente pobre, poucos percebem a imensa dificuldade que há em ser corretamente rico. Não encontramos nas páginas do Evangelho uma só palavra sobre a dificuldade de ser pobre às direitas, mas lemos que "é mais fácil um camelo passar pelo fundo duma agulha do que um rico entrar no reino dos céus".
Certo dia, convidou Jesus um jovem, que era incorretamente rico, a conquistar um "tesouro nos céus" – mas o jovem falhou tristemente.
No caso a que se refere o título deste parágrafo insinuou ele a um entusiástico candidato ao discipulado espiritual que era arte difícil possuir menos que as raposas e as aves.
Tanto neste como naquele caso, os candidatos recuaram em face da dificuldade de serem pobres pelo espírito e puros de coração.
Que o homem possua muitas ou poucas coisas não determina o seu valor ou desvalor; o que é decisivo, já o dissemos, é o modo como ele saiba possuir ou não possuir o muito ou o pouco. O fato externo de possuir ou não possuir é um simples ter ou não ter – mas o modo interno como o homem possui ou não possui afeta o seu íntimo ser.
Três atitudes são possíveis em face dos bens materiais:
1) pode o homem possuí-las interessadamente interessado;
2) pode despossuir-se delas desinteressadamente desinteressado;
3) e pode possuí-los desinteressadamente interessado. Abreviando os termos extensos, poderíamos chamar o primeiro estado: ii; o segundo: dd; e o terceiro: di.
No primeiro caso (ii), o homem, propriamente, não possui os bens materiais mas é antes por eles possuído; a sua atitude não é ativa, mas passiva; ele é um possuído, e não um possuidor, embora esse homem se tenha, erradamente, na conta de um possuidor autônomo e independente. Não são os bens materiais que servem a esse homem, é ele que serve a esses bens. Ora, quem serve é servo, escravo. E quem serve a matéria não pode servir ao espírito, porquanto "não podeis servir a Deus e as riquezas", embora as riquezas possam e devam servir a quem serve a Deus.
No segundo caso (dd), o homem, reconhecendo a dificuldade que há em possuir sem ser possuído, corta o mal pela raiz, despossuindo-se de vez de todas as posses; e assim, longe e liberto de toda a matéria tentadora, pode o homem viver em completa liberdade, como ele pensa. O fato, porém, é que esse próprio medo que ele tem dos bens materiais, e que o levou a essa radical deserção dos mesmos, é também uma escravidão e escravização. Esse homem é livre, sim, dos bens materiais, mas não está liberto do medo desses bens; quer dizer que não é perfeitamente livre, porque todo medo é escravizante.
No terceiro caso (di), o homem alcançou o mais difícil dos triunfos, interessando-se desinteressadamente pelas coisas do mundo; tem íntima e sincera afeição a tudo que faz parte da vida terrestre, mas não está apegado a nenhuma das coisas externas. Não foge dos bens materiais, porque a sua força espiritual é tão grande que nada tem que temer da ofensiva desses bens, que lhe estão perfeitamente sujeitos; e o homem desinteressadamente interessado se serve desses bens com absoluta liberdade e soberania. Ele os possui sem ser por eles possuído. Interessa-se por tudo que faz da vida terrestre uma vida plena e bela, mas de tal modo que o mais vivo e dinâmico interesse pela ciência e arte, pelo comércio e pela indústria, pelo bem-estar individual e pela fama social, em nada lhe destrói a liberdade interior e o sereno equilíbrio do seu Eu integral; intensamente afeiçoado a tudo, não é apegado a nada. . .
É esta, sem dúvida, a vitória máxima que um homem possa alcançar; é este o Cristianismo genuíno e integral, a 100%, a proclamação do reino de Deus sobre a face da terra.
Ser interessadamente interessado é próprio dos profanos e analfabetos do espírito.
Ser desinteressadamente desinteressado é característico dos austeros ascetas que vão firmemente em demanda do reino de Deus, e, algum dia, o alcançarão plenamente.
Ser desinteressadamente interessado é privilégio dos acadêmicos e universitários do espírito, os que sabem por experiência pessoal que, embora o reino de Deus não seja deste mundo, ele contudo está neste mundo e aqui é que deve ser realizado, neste e em todos os outros mundos de Deus. "O Cristianismo é uma afirmação do mundo – que passou pela negação do mundo".
Uma coisa, porém, é certa e importante: que ninguém consegue possuir os bens terrenos sem ser por eles possuído, se, no princípio, não se despossuir, total e irrevogavelmente, de si mesmo, do seu pseudo-ego físico-mental, por meio de uma luminosa compreensão do seu verdadeiro Eu divino, compreensão essa que é idêntica a um grande e universal amor. Enquanto o homem ainda pertence a si mesmo, a seu falso Eu, não pode deixar de pertencer ao mundo, porque o seu pseudo-ego não é senão uma parte desse mundo. E pertencer ao mundo fora ou dentro de si, é escravidão, é escravidão.
Um escravo, porém, não pode possuir o reino de Deus, que é o reino da infinita liberdade. Só quem se despossui completamente do seu pseudo-ego físicomental é que pode, tranquila e seguramente, possuir o mundo sem o menor perigo de ser possuído pelo mundo.
Só posso possuir com liberdade o que é meu depois de me despossuir do meu falso Eu e entrar na posse do verdadeiro Eu.
Pelo que, para o profano e inexperiente, é sumamente perigoso rejeitar a disciplina ascética da renúncia, sob pretexto de ser um homem livre e independente. O que ele chama liberdade e independência é a pior das escravidões, e tanto mais funesta quanto mais ele considera essa própria escravidão como liberdade, fechando assim todas as portas para a libertação.
Para que um escravo possa ser libertado, é necessário que primeiro reconheça a sua escravidão como escravidão, e não se iluda apelidando liberdade a escravidão, chamando luz as trevas, saúde a doença, palácio um cárcere.
Pode um encarcerado dourar artisticamente as grades férreas da sua prisão e pintar nelas, com letras de ouro, a palavra "Palácio" – nem por isto deixa o cárcere de ser um cárcere.
É, pois, melhor reconhecermos sinceramente que somos escravos dos sentidos e da mente e trabalharmos sem cessar por nos libertarmos, paulatinamente, dessa escravidão, mediante a renúncia espontânea e o desapego voluntário de tudo que nos escraviza. Depois dessa grande obra de emancipação é que poderemos, realmente, libertos e livres, possuir as coisas que nos possuíam, já agora sem perigo de sermos novamente por elas possuídos. "O Cristianismo é uma afirmação do mundo que passou pela negação do mundo. " (Schweitzer.) "Abandona o mundo! Depois recebe-o de volta, purificado, das mãos de Deus!" (Gandhi.) "SERVO BOM E FIEL – SERVO MAU E PREGUIÇOSO" A parábola dos talentos é uma das maiores obras-primas da filosofia cósmica do Evangelho. Nela celebra a verdade da creatividade e do livre-arbítrio humano o seu maior triunfo.
Cada um dos três servos recebeu determinadas potencialidades ou poderes creativos.
Um recebeu 5 talentos ou potencialidades; outro recebeu 2; e o terceiro recebeu uma potencialidade.
A distribuição é desigual desde o início. O Uno Infinito do Universo distribui o Verso dos Finitos desigualmente. Não há duas creaturas iguais, porque o Universo não gosta de monotonia, e sim de harmonia, que é a unidade na diversidade.
Dizer que nessa distribuição desigual haja "injustiça" é desconhecer a natureza do Universo. Deus, o Uno, não faz algo por ser justo, mas o que Deus faz é justo pelo fato de ele o fazer. Deus, não tem de prestar contas da distribuição dos seus bens. Tudo o que ele faz é ipso facto justo.
O primeiro servo, que recebera cinco talentos ou potencialidades, devolve 10, sendo 5 de Deus, e 5 dele – por sinal que a creatura humana é uma creatura creativa, e não apenas creada, como são as creaturas da natureza infrahominal.
E esta atualização das suas potencialidades creadoras mereceu ao servo o louvor; "Servo bom e fiel. . . entra no gozo do teu senhor. " O mesmo aconteceu com o segundo servo, que recebera 2 talentos ou potencialidades, e devolveu os 2 talentos recebidos mais os 2 por ele creados.
O terceiro servo, porém, que recebera um talento, não duplicou creativamente o seu talento, mas devolveu apenas ao dono o que do dono recebera. E teve de ouvir as palavras aniquiladoras: "Servo mau e preguiçoso. " Por que mau e preguiçoso?
Porque, sendo creatura potencialmente creadora, não foi atualmente creadora;
procedeu como se não tivesse creatividade, como se fosse apenas uma creatura creada, um animal qualquer, que só pode devolver a Deus o que de Deus recebeu. O terceiro servo procedeu anticosmicamente, porque, segundo as leis eternas e divinas, quem pode, deve, e quem pode e deve e não faz crea débito – e todo débito gera sofrimento. O terceiro servo podia e devia duplicar o seu talento, mas não o fez – e isto é ser mau e culpado.
E, sendo que ele se portou como se fosse animal, creatura apenas creada e não creadora, este servo perdeu a sua creatividade humana e foi degradado a uma creatura não creadora; perdeu a sua hominalidade e foi reduzido à animalidade: "Tirai-lhe o talento que tem! Porque quem não tem (atualização) perderá até aquilo que tem (potencialidade). " Hoje em dia, aparecem numerosos livros para provar que o homem não tem livre-arbítrio, que a liberdade é uma ilusão, um mito.
Estes livros se baseiam num equívoco fundamental; confundem a liberdade potencial com a liberdade atual. Todo o homem normal é potencialmente livre, que é um presente de berço. Mas a liberdade atual é uma conquista da consciência.
Ai do homem que não atualizar a sua liberdade potencial! Ai do homem que sair da vida terrestre com a mesma liberdade potencial com que nela entrou! "Servo mau e preguiçoso" perderá até a sua liberdade potencial, perderá a sua hominalidade creadora e se tornará uma simples creatura creada, que não é um ser humano.
Quem pode, deve; e quem pode e deve e não faz, cria débito, culpa, karma – e todo débito gera sofrimento. "MEU JUGO É SUAVE E MEU PESO É LEVE" "Vinde a mim todos vós que sofreis e andais sobrecarregados, e eu vos aliviarei; porque o meu jugo é suave e meu peso é leve – e achareis descanso para as vossas almas. " Atingem estas palavras as ínfimas raízes e as supremas culminâncias do Cristianismo. Nelas se cristaliza a mais pura filosofia cósmica do Evangelho. "Vinde a mim, todos vós que sofreis e andais sobrecarregados!". . .
E quem não seria do número desses sofredores sobrecarregados? Não é necessário ser discípulo do Buda, advogado máximo do sofrimento universal, para concordar em que a vida terrestre está dilacerada de dores de todo o gênero. Nem é mister maldizer, com Schopenhauer, rei dos pessimistas, a vida humana por causa das suas sombras. Há outra solução – e aqui a temos: Vinde a mim – a Cristo, o grande sofredor e o grande vencedor – para encontrardes alívio na dor e descanso para a alma.
Mas, como podem todos os homens ir ter com o Cristo? Se esse Cristo se retirou da terra há quase dois milênios? Onde está ele? Na Palestina, em Belém, Nazaré, Jerusalém? Não, lá não está ele, nem mesmo o seu corpo, senão apenas o túmulo vazio, mas não o Cristo vivo que promete alívio e descanso no meio dos sofrimentos.
No entanto, esse convite que ele fez à humanidade de todos os tempos e países supõe a possibilidade de irem todos, todos sem exceção, ter com o Cristo, como seus discípulos daquele tempo, como Maria e Marta de Betânia, como Maria de Magdala, como Zaqueu de Jericó, como Nicodemos de Jerusalém, como o bom ladrão no alto do Calvário, como Saulo de Tarso. . .
É evidente, pois, que esse convite e essa promessa supõem a universalidade e onipresença do Cristo. Confirmam as palavras de despedida do Mestre: "Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos"; ou estas: "Onde quer que dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estou eu no meio deles"; ou ainda estas: "Eu estou em vós e vós estais em mim. " Não é o Jesus humano que nos convida, o Jesus individual, localizado num determinado ponto; não, mas é o Cristo universal, onipresente, eterno, que está conosco e nos quer aliviar. É o divino Lógos, o Verbo, a Vida, a Luz "que ilumina a todo homem que vem a este mundo" e que dá àqueles que a recebem "o poder de se tornarem filhos de Deus".
Uma só coisa é necessária para que o homem tenha o seu encontro com esse Cristo aliviador e redentor: o ingresso dentro de si mesmo, o contato direto com o elemento divino dentro do homem, a alma, o descobrimento do Cristo interno, do Emanuel, do "Deus em nós". "Não sabeis, porventura, que sois templo do Espírito Santo e que o espírito de Deus habita em vós?" Se é verdade, como disse o Mestre, que "o reino de Deus está dentro de nós";
se é verdade o que disse um dos seus grandes discípulos, que "a alma humana é cristã por sua própria natureza" – então é claro que cada um de nós pode, em qualquer lugar e a qualquer tempo, encontrar-se com o Cristo e dele receber alívio em seus sofrimentos e descanso para a sua alma.
E, quando o homem se encontra com esse Cristo eterno e interno, que acontecerá? Libertar-se-á de todo sofrimento? Jogará fora a sua cruz?
Sacudirá o jugo da vida?
Não, nada disto acontecerá, durante a nossa vida terrestre. Por ora, o efeito do encontro com o Cristo será outro. O homem continuará a carregar a cruz do Cristo, mas fará a surpreendente descoberta que essa cruz é uma cruz suave;
o peso da vida terrestre continua, mas o homem cristificado descobrirá que esse peso se tornou leve e é precisamente nessa suavidade e nessa leveza que o homem encontrará alívio e descanso. O alívio e descanso não consistem em que não haja mais sofrimento, cruz, jugo, peso, sacrifício, mas consiste no fato estranho de se ter tornado leve, suave, fácil, tudo isto que, anteriormente, lhe era pesado, amargo, difícil.
Basta que o sujeito mude – e todos os objetos aparecem mudados.
Basta que o homem entre nessa maravilhosa e etérea "leveza" que sempre acompanha a espiritualidade – e o mundo inteiro lhe é leve, luminoso, sorridente. Pois, o homem não enxerga as coisas como elas são, mas assim como ele é. Se eu sou pesado, amargo, inquieto, todas as pessoas e coisas que me rodeiam parecem pesadas, amargas, inquietas; mas, se eu me tornar leve, suave, tranquilo, todas as pessoas e coisas do meu mundo serão leves, suaves e tranquilas. O egoísmo é pesado e faz tudo pesado – o amor é leve e faz tudo leve.
É esta a divina alquimia praticada pelos filhos de Deus, pelos verdadeiros iniciados no reino dos céus: transmudar todos os objetos externos pela potência do sujeito interno, espiritualizar o mundo material, iluminar as trevas, estender arco-íris de sorrisos sobre dilúvios de lágrimas, trazer esperanças em pleno desespero, suscitar vida em velhos cemitérios, transformar negros ataúdes mortuários em alvejantes berços de vida nova. . .
Tentavam os alquimistas antigos transmudar um elemento material em outro elemento material, sobretudo ferro em ouro – mas o homem cristificado conhece outra alquimia, muito mais sublime: transmuda o mundo material em espiritualidade, torna suave o que era amargo, e leve o que era pesado, transforma ódio em amor, morte em vida, tristeza em alegria, inferno em céu. . .
Há uma ética pré-mística – e há uma ética pós-mística. Aquela é simplesmente intelectual e volitiva – esta é racional e espiritual. Aquela faz o bem, pesadamente, por dever – esta faz o bem, levemente, por querer. Aquela age sob a dolorosa compulsão da lei – esta age sob o jubiloso impulso do amor.
Aquela é amarga medicina que o homem ético ingere forçadamente – esta é deliciosa iguaria que o homem espiritual toma com espontânea liberdade.
A ética pré-mística arrasta-se vagarosamente sob o peso da cruz – a ética pósmística voa, célere e jubilosa, realizando com amor e entusiasmo todas as coisas.
O que se faz pesadamente, por dever, não tem garantia de solidez e perpetuidade – o que se faz levemente, por querer, tem absoluta garantia de solidez e perpetuidade, porque o amor e a felicidade interna são infalível garantia de continuidade. Só o que nasce duma profunda felicidade é que tem garantia de eternidade.
Muitos humanos viajores abandonam o Egito da escravidão antiga e anseiam pela Canaã da nova liberdade, a "gloriosa liberdade dos filhos de Deus". Mas, quando verificam que entre a escravidão e a liberdade medeia um deserto intenso da disciplina espiritual – quiçá 40 longos anos, uma vida inteira – desanimam logo à entrada do grande ermo. Alongam os olhos para além, e adivinham vagamente, a uma distância enorme, as maravilhas da Terra de Promissão – volvem os olhos para trás, para a propínqua terra da escravidão antiga, percebem ainda o cheiro das panelas de carne com cebola – e voltam atrás. Outros vão até ao Mar Vermelho, rubro como sangue: outros vão até ao sopé do Sinai – mas o peso das coisas materiais que conhecem prevalece sobre a leveza das coisas espirituais que apenas vislumbram ao longe. . .
É perigosa prática a de certos diretores espirituais que tentam consolar, ou antes engodar, um peregrino terrestre com a descrição das delícias celestes que, um dia, possuirá. Um dia – mas quando? Daqui a 10 anos? A 20, 50, anos, só depois da morte? E onde possuirá ele essas delícias celestes? Onde está o céu? Não é um lugar incerto e problemático?
E o pobre viajor do deserto da disciplina espiritual, da vida ética, prefere as coisas certas e concretas do Egito às coisas incertas e vagas de Canaã. . .
Prefere a farta escravidão à austera liberdade. . . Poucos, pouquíssimos têm a sobre-humana coragem de sacrificar os bens palpáveis da vida presente pelos bens impalpáveis da vida futura. Quem apenas crê nessa vida futura e nunca a experimentou e viveu direta e imediatamente, acabará por sucumbir à prepotência dos gozos materiais.
Onde está o erro dessa "direção espiritual"?
Está no fato de se pintar aos humanos viajores terrestres vida eterna como algo futuro, longínquo – e não como algo presente e propínquo. A vida eterna deve começar agora e aqui mesmo, em pleno deserto da vida terrestre, e fazer dela um "deserto vivente" como diz Walt Disney, em sua película "The Living Desert". A vida eterna não é um presente de berço nem de esquife – é uma conquista da vida entre esses dois polos extremos. Não é o nascer nem o morrer que me pode fazer entrar na vida eterna, mas é o próprio viver. Vive-se eternamente vivendo intensamente, plenamente, integralmente.
Este mesmo deserto árido e monótono da disciplina espiritual é que pode e deve ser transformado num "deserto vivo". Terra da Promissão vem de dentro de mim mesmo, e não de fora. Não é um prêmio externo que, daqui a meio século, me seja conferido pelo bom comportamento de hoje, não! A vida eterna é uma gloriosa realização interna, dentro de mim mesmo, a plena e definitiva maturação do meu Eu espiritual.
Que é a vida eterna? O Mestre de Nazaré a define nestes termos: "A vida eterna é esta: conhecerem-te (os homens), ó Pai, como o único Deus verdadeiro, e o Cristo, teu Enviado. " Ora, se a vida eterna é o conhecimento intuitivo de Deus em si mesmo e na sua manifestação máxima no mundo, porque não poderia eu agora mesmo e aqui em pleno deserto, ter esse conhecimento de Deus? O deserto não é empecilho, é antes auxílio para esse conhecimento. Mais alto fala Deus no silêncio do ermo do que no ruído do Egito. Onde está Deus lá está a vida eterna, a glória, a grandeza, a beatitude;
ora Deus está integralmente aqui onde eu estou, em pleno deserto; logo Deus e a vida eterna com todas as suas glórias e grandezas estão aqui mesmo, e não há necessidade alguma para esperar encontra-los, daqui a meio século, em alguma região distante.
Se esta vida de disciplina espiritual ainda me parece um deserto árido e monótono, é unicamente porque eu ainda não descobri a Deus em mim.
Deus está presente a mim – mais eu ainda estou ausente de Deus. No dia em que eu me tornar presente ao Deus sempre-presente – quer dizer, quando descobrir a Deus pela vivência íntima – saberei com absoluta certeza e clareza que não há deserto lá onde está Deus com toda a sua plenitude, vida e amor.
O descobrimento de Deus no deserto acabará definitivamente com o deserto, porque onde Deus está não há deserto. Deus não é o Deus do vácuo e da pobreza – Deus é o Deus da plenitude e da riqueza.
O problema não está em atravessar o deserto e encontrar em Canaã – o problema está em descobrir Canaã dentro deste mesmo deserto, e não ter já necessidade de alongar os olhos para longínquos horizontes além. Quem descobriu o seu divino "Além-de-dentro" não necessita de andar em busca de algum divino "Além-de-fora".
Quem descobriu o seu Cristo interno transformou o deserto em oásis, o ermo em exuberância, a aridez em fecundidade, a indigência em opulência, a vacuidade em plenitude, a tristeza em alegria. . .
E, embora continue a carregar o jugo e o peso do Cristo, nada sente da amargura e do fardo com que outros, não iniciados, gemem sob a sua cruz. . .
Em pleno sofrimento vive uma vida de alívio e descanso – esse homem cristificado. . . "Vinde a mim, todos. . . " "NÃO DEVIA ENTÃO O CRISTO SOFRER TUDO ISTO – E ASSIM ENTRAR EM SUA GLÓRIA?" O nosso Cristianismo vive ainda na 1dade-Média. Para a maior parte dos cristãos, o principal motivo para amarem e seguirem ao Cristo é o senso de pena, dó, comiseração, para com o "rei dos mártires", o "varão das dores". A nossa ideia de redenção consiste ainda no conceito do sofrimento, do sangue, da morte. Durante o ano eclesiástico, esse culto do Jesus sofredor aparece em forma crônica, durante a semana santa assume forma aguda. Procissão pelas ruas enlutadas com o andor do "Senhor Morto", as estações da via-sacra, os cânticos do hinário, as lamentações litúrgicas, e ainda por cima a Virgem dolorosa com sete espadas no coração – tudo isto nos faz crer que o Cristianismo consista essencialmente no culto patético de um homem morto, do Jesus crucificado.
A teologia corrente, quer deste quer daquele setor do Cristianismo, nos faz crer que a nossa salvação depende essencialmente da paixão e morte de Jesus – "sem efusão de sangue não há redenção".
O único ou principal motivo de amor parece ser a lacrimosa comiseração para com os padecimentos do mártir do Gólgota.
Entretanto, o verdadeiro Cristianismo é algo infinitamente mais positivo do que essas teologias negativistas. Não tem base no motivo da pena e compaixão, nem em outro sentimento negativo e passivo. O Cristianismo é essencialmente positivo e ativo em sua íntima natureza. É um misto de intenso amor e admiração, de irresistível entusiasmo e espirito de aventura realizadora.
Um homem sofredor e derrotado, por mais que apele para minha compaixão, não me inspira aquilo de que mais necessito para minha vida espiritual.
Que é isto, de que eu mais de tudo necessito?
Um senso forte e nítido de indestrutível firmeza e segurança. A vida espiritual do homem telúrico é uma noite, noite estrelada, é verdade, mas cheia de mistérios e incertezas. . . As trevas são espessas, e as estrelas são longínquas e altíssimas. . . E eu tenho de me orientar no meio dessa grande escuridão. . .
Para muitos, é verdade, a vida espiritual não parece ser uma noite misteriosa.
Quando estão em dúvida, vão consultar seu diretor espiritual ou ministro, ou a Bíblia, para saberem qual é o caminho certo a seguir, e esses homens e livros lhes dizem com absoluta precisão qual o caminho que leva a Deus.
Suponhamos que tudo quanto os mentores humanos e papiráceos nos dizem seja exato e verdadeiro – teríamos real certeza, neste caso?
Há uma certeza objetiva, lá fora de mim, mas palavras dos outros, não há dúvida – mas que me vale isto se falta a certeza subjetiva dentro de mim, certeza que só a experiência pessoal pode outorgar? Enquanto não me vier uma certeza de dentro, nenhuma das palavras, por mais verdadeiras, que ouço de fora me pode dar sólida firmeza e segurança interior. O que eu preciso é de uma última certeza central vinda de dentro de mim mesmo. É necessário que acorde dentro de mim mesmo o meu Cristo interno, o mesmo Cristo que está em Jesus. Se ele acordar dentro de mim, ele é o meu Cristo, ainda que seja o Cristo de todos, o Cristo universal.
E eu verei nesse Cristo um poder sobre-humanamente grande, alguém que derrota tudo o que sem cessar me derrota.
Que é que me derrota?
Duas coisas, o pecado e a morte é que me derrotam. Cada dia sou parcialmente derrotado pelo pecado, e parcialmente derrotado pela morte, porque, dia a dia, se aproxima mais o meu termo final.
Se eu tivesse um mestre e amigo que derrotasse totalmente aquilo que cada dia me derrota parcialmente; e se eu andasse de mãos dadas com esse invencível vencedor do pecado e da morte – seria eu um homem feliz, porque levaria uma vida tranquila, segura e calma.
Pois, é precisamente este o verdadeiro Cristo: alguém que derrotou os dois inimigos essenciais da minha felicidade: o pecado e a morte.
Derrotou o pecado porque é o amor.
Derrotou a morte porque é a vida imortal.
Tudo quanto costumamos dizer do Jesus doloroso é verdade – mas não é a verdade total, nem mesmo a parte principal da verdade. Tudo isto é incompleto, imperfeito, penúltimo – nada é último, completo, definitivo. Se apenas temos fé no Jesus doloroso, vã é a nossa pregação, vã é a nossa fé, e estamos ainda em nossos pecados, não fomos remidos, porque redenção não pode vir dum homem morto.
Quem apenas crê no Jesus crucificado, no Senhor Morto, não está remido, é um irredento, porque um homem derrotado pela morte não me pode salvar da morte. Só alguém que tivesse derrotado a morte me poderia garantir vida eterna.
Verdade é que Jesus sucumbiu à morte, mas não sucumbiu porque devesse sucumbir, mas porque quis sucumbir. Quantas vezes se tinha ele subtraído misteriosamente às ciladas de seus inimigos, tornando-se subitamente invisível, ou fazendo-os todos cair de costas por terra! Se sucumbiu à morte, foi unicamente em virtude do seu grande poder. Quem é pouco poderoso deve fugir da morte, quem é muito poderoso pode permitir a morte e a derrota, porque se sabe imortal e inderrotável; as chamadas derrotas não são derrotas reais, senão apenas aparentes, na zona periférica das aparências, mas no centro da sua realidade esse homem continua invulnerável. Para Jesus, essa aparente derrota que ele permitiu espontaneamente, foi a maior das vitórias, porque foi por motivo de exuberante poder que permitiu essa aparente fraqueza. Nunca o homem é mais poderoso do que quando aceita ser fraco.
Nunca a vida é tão gloriosa como em face da morte pela qual se deixa derrotar voluntariamente. "Não devia então o Cristo sofrer tudo isto, para assim entrar em sua glória?" "Onde está, ó morte o teu aguilhão – exclama o apóstolo – onde está ó morte a tua vitória? Foi a morte tragada pela vitória!" Este é o Cristo real, o rei imortal dos séculos, um Cristo tão exuberantemente vivo que pode morrer sem sofrer prejuízo em sua vida. Pelo contrário, essa própria morte lhe intensificou a vida. "Quando eu for exaltado, atrairei tudo a mim. " É só esse Cristo poderoso que pode encher de entusiasmo realizador os seus discípulos, porque lhes dá firmeza e segurança no meio das incertezas. Sob a sua bandeira até o homem mais fraco é forte.
A redenção, em última análise, se consumou na madrugada da Páscoa, quando o Cristo, depois de passar pelas ignomínias, entrou em sua glória.
Penúltimo é o homem das dores.
Último é o rei imortal dos séculos.
O nosso Cristianismo oficial de hoje, quase todo ele, está ainda na fase preliminar e infantil, emocionando-se profundamente com os sofrimentos de Jesus, incapaz de se entusiasmar intensamente pelo Cristo triunfante.
A cruz, por enquanto, é o símbolo clássico do sofrimento – mas não é este o sentido verdadeiro e último da cruz. O sentido cósmico da cruz, tão antiga como a própria humanidade, é a vida eterna e universal, simbolizada pelas quatro pontas do emblema dirigidas para os quatro pontos cardiais.
ÍNDICE ADVERTÊNCIA EXPLICAÇÕES PRÉVIAS "NÃO SABÍEIS QUE DEVO ESTAR NAS COISAS QUE SÃO DE MEU PAI?" "FOI CRESCENDO EM SABEDORIA E GRAÇA PERANTE DEUS E OS HOMENS" "FOI JESUS LEVADO PELO ESPÍRITO AO DESERTO PARA SER TENTADO PELO DIABO" "QUEM NÃO NASCER DE NOVO PELO ESPÍRITO NÃO PODE VER O REINO DE DEUS" "DESTRUÍ ESTE TEMPLO – E EM TRÊS DIAS O REEDIFICAREI" "UMA SÓ COISA É NECESSÁRIA. . . " "PAI NOSSO QUE ESTÁS NOS CÉUS" "OS 1NIMIGOS DO HOMEM SÃO SEUS COMPANHEIROS DE CASA" "O REINO DOS CÉUS É SEMELHANTE A DEZ 6RGENS" "QUANDO EU ESTIVER EXALTADO ACIMA DA TERRA, ATRAIREI TUDO A MIM" "MUITOS PECADOS LHE SÃO PERDOADOS, PORQUE MUITO AMOU" "GRAÇAS TE DOU, PORQUE NÃO SOU COMO O RESTO DOS HOMENS" "O RICO AVARENTO BANQUETEAVA-SE ESPLENDIDAMENTE TODOS OS DIAS" "QUEM PECOU PARA ESSE HOMEM NASCER CEGO – ELE OU SEUS PAIS?" "HÁ QUEM DEIXE DE CASAR, POR AMOR AO REINO DE DEUS" "PROCURAI PRIMEIRO O REINO DE DEUS – E TUDO ISTO VOS SERÁ DADO DE ACRÉSCIMO" "AS PALAVRAS QUE VOS DIGO SÃO ESPÍRITO E VIDA" "SOBRE ESTA PEDRA EDIFICAREI A MINHA IGREJA" "A QUEM VÓS PERDOARDES OS PECADOS SÃO LHES PERDOADOS" "ISTO É O MEU CORPO – ISTO É O MEU SANGUE" "QUEM NÃO É POR MIM É CONTRA MIM" "ENQUANTO ORAVA, TRANSFIGUROU-SE DIANTE DELES" "NEM EM ISRAEL, ENCONTREI TÃO GRANDE FÉ" "EU VIM PARA LANÇAR FOGO À TERRA – E QUE QUERO SENÃO QUE ARDA?" "A VIDA ETERNA É ESTA: QUE OS HOMENS TE CONHEÇAM, Ó PAI. . . " "ESSA POBRE VIÚVA DEU MAIS QUE TODOS OS OUTROS" "VÓS, QUANDO NÃO VEDES OBRAS PODEROSAS, NÃO TENDES FÉ" "SEDE INTELIGENTES COMO AS SERPENTES – E SIMPLES COMO AS POMBAS!" "QUANDO TIVERDES FEITO TUDO DIZEI: SOMOS SERVOS 1NÚTEIS. . . " "SE NÃO VOS TORNARDES COMO AS CRIANÇAS. . . " "QUEM PERDER A SUA VIDA GANHÁ-LA-Á" "NÃO TEMAIS AQUELES QUE MATAM O CORPO!" "DEIXA OS MORTOS ENTERRAR OS SEUS MORTOS!" "NINGUÉM PÕE REMENDO NOVE EM ROUPA VELHA" "TEU OLHO É A LUZ DO TEU CORPO" "O FILHO DO HOMEM NÃO TEM ONDE RECLINAR A CABEÇA" "SERVO BOM E FIEL – SERVO MAU E PREGUIÇOSO" "MEU JUGO É SUAVE E MEU PESO É LEVE" "NÃO DEVIA ENTÃO O CRISTO SOFRER TUDO ISTO – E ASSIM ENTRAR EM SUA GLÓRIA?" HUBERTO ROHDEN VIDA E OBRA Nasceu em Tubarão, Santa Catarina, Brasil. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia e Teologia em Universidades da Europ a — Innsbruck (Áustria), Valkenburg (Holanda) e Nápoles (Itália).
De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.
Publicou mais de 60 (sessenta) obras sobre ciência, filosofia e religião, editadas pela Editora Vozes (Petrópolis), União Cultural (São Paulo), Editora Globo (Porto Alegre), Livraria Freitas Bastos (Rio de Janeiro), Fundação Alvorada e outras editoras.
* Vários livros de Huberto Rohden foram traduzidos em outras línguas, inclusive o Esperanto; alguns existem em Braille, para institutos de cegos.
Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e dirigiu o movimento mundial Alvorada, com sede em São Paulo.
De 1945 a 1946 teve uma Bolsa de estudos para Pesquisas Científicas, na Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática, Metafísica e Mística.
Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de Washington, D. C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.
Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de guerra, do inglês o para português. Ainda na American University, de Washington, fundou o Brazilian center, centro cultural brasileiro, com o fim de manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.
Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami Premananda, diretor hindu desse ashram.
Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University (ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coreia, a universidade japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não tomou posse.
Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada, onde mantia cursos permanentes, em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia, sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho. Dirigiu Casas de Retiro Espiritual (ashrms) em diversos Estados do Brasil.
Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências com grupos de yoguis na Índia.
Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de Auto-Realização Alvorada.
Nos últimos anos de sua vida, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.
Quando estava na capital, Rohden frequentava, periodicamente, a editora responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e inspiração.
Fundamentalmente, toda a obra educacional e filosófica de Rohden divide-se em quatro grandes segmentos:
1) a sede central da Instituição (Centro de Auto-
Realização), em São Paulo, que tem a finalidade de ministrar cursos e horas de meditação;
2) o ashram, situado a 70 quilômetros da capital, onde são dados, periodicamente, os Retiros Espirituais, de três dias completos;
3) a Editora Martin Claret, de São Paulo, que difunde, através de livros a Filosofia Univérsica;
4) um grupo de dedicados e fiéis amigos, alunos e discípulos, que trabalham na consolidação e continuação da sua obra educacional.
À zero hora do dia 7 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras, em estado consciente, foram: "Eu vim para servir a Humanidade".
Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de fé e trabalho, somente comparado aos dos grandes homens do nosso século.
RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF.
HUBERTO ROHDEN COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL: O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO: FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO O SERMÃO DA MONTANHA ASSIM DIZIA O MESTRE O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE O NOSSO MESTRE COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA: DE ALMA PARA ALMA ÍDOLOS OU IDEAL?
ESCALANDO O HIMALAIA O CAMINHO DA FELICIDADE DEUS EM ESPÍRITO E VERDADE EM COMUNHÃO COM DEUS COSMORAMA PORQUE SOFREMOS LÚCIFER E LÓGOS A GRANDE LIBERTAÇÃO BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO) SETAS PARA O INFINITO ENTRE DOIS MUNDOS MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA FILOSOFIA DA ARTE A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH (TRADUÇÃO) ORIENTANDO "QUE VOS PARECE DO CRISTO?" EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO) O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA ROTEIRO CÓSMICO A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO A VOZ DO SILÊNCIO TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO) SABEDORIA DAS PARÁBOLAS O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO) A NOVA HUMANIDADE A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO) RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA O HOMEM ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER O HOMEM E O UNIVERSO IMPERATIVOS DA VIDA PROFANOS E INICIADOS NOVO TESTAMENTO LAMPEJOS EVANGÉLICOS O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS A EXPERIÊNCIA CÓSMICA COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA: MARAVILHAS DO UNIVERSO ALEGORIAS ÍSIS POR MUNDOS 1GNOTOS COLEÇÃO BIOGRAFIAS: PAULO DE TARSO AGOSTINHO POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA MAHATMA GANDHI JESUS NAZARENO EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO PASCAL MYRIAM COLEÇÃO OPÚSCULOS: SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO CATECISMO DA FILOSOFIA ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS) ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000 CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS?
CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO
"NÃO SABÍEIS QUE DEVO ESTAR NAS COISAS QUE SÃO DE MEU PAI?" São estas as primeiras palavras que de Jesus sabemos. E são palavras de intensa consciência cósmica – da parte de um menino de 12 anos!
Será eterno mistério para nós, onde, quando e como Jesus alcançou esse estado de avançada consciência espiritual; aos doze anos, possui ele uma noção do reino de Deus muito maior que o mais espiritual dos homens possui no fim da sua vida terrestre.
Os venerandos mestres espirituais de Israel, encanecidos no estudo dos livros sacros, tornam-se subitamente discípulos de uma criança que nunca frequentou escola nem teve mestres humanos.
O homem profano pensa que o iniciado, o homem crístico, tenha descoberto Deus em alguma parte do universo ou dentro de si mesmo; que Deus lhe tenha aparecido subitamente, por assim dizer, numa volta do caminho ou por detrás de algum rochedo do deserto. É engano! O homem dotado de intuição espiritual não descobre Deus em parte alguma do universo nem dentro de si mesmo – ele faz a grandiosa descoberta de que não há nada fora de Deus;
que Deus é a única Realidade, o Um e o Todo do mundo; que Deus é o oceano único debaixo da pluralidade das ondas, a luz incolor dentro de todas as luzes coloridas do prisma cósmico; que Deus é a grande Causa única em todos os pequenos efeitos, o eterno Número em todos os fenômenos transitórios;
descobre que há um só Ser no meio dos muitos existires, que Deus é a Essência Universal e única em todas as existências individuais.
Dizem os inexperientes que isto é "panteísmo", e que ninguém deve ser panteísta.
Coisa estranha! Os homens – como inquilinos dum jardim de infância – inventam fantasmas – e depois têm medo dos fantasmas por eles mesmos engendrados. Um desses temerosos fantasmas chama-se "panteísmo".
Se por "panteísmo" se entende que toda e qualquer coisa finita seja idêntica a Deus, sem distinção alguma, é claro que essa espécie de panteísmo é um atentado à lógica e uma negação dos fatos objetivos. Mas se por panteísmo se entende que Deus está em tudo e tudo está em Deus ("panenteísmo" ou "monismo"), que Deus é a íntima essência de todas as coisas e que estas não são senão outras manifestações da única Realidade "Deus" – neste caso, panteísmo é expressão da verdade objetiva, por menos que os profanos compreendam esta verdade.
Quando Jesus afirma que ele e o Pai são um; que as obras que ele faz não são dele, mas sim do Pai que nele está; e quando Paulo de Tarso diz que já não é ele que vive, mas que é o Cristo que nele vive – não há dúvida alguma de que há em tudo isto uma afirmação de panteísmo, no sentido razoável acima exposto.
Logo depois de ter dito "eu e o Pai somos um", acrescenta o Mestre; "Mas o Pai é maior do que eu"; por onde se vê que o "panteísmo" de Jesus é idêntico ao Cristianismo genuíno e esclarecido, em que pese às teologias dualistas do ocidente.
Desde a sua infância sabia Jesus que a sua missão peculiar, aqui na terra, era estar nas coisas de seu Pai, e que só assim é que ele podia realizar eficientemente as coisas que são dos homens.
Ninguém pode exercer efeito real e benéfico sobre as coisas do plano horizontal se não se identificar primeiro com o espírito da linha vertical. Só uma ética nascida da mística é que pode redimir o homem de todas as suas irredenções.
Só uma profunda solidão com Deus produz e mantém verdadeira solidariedade com os homens. Ninguém pode ser eticamente solidário sem ser misticamente solitário.
O homem espiritual não atua tanto pelo que diz e faz como pelo que é.
Estar nas coisas do Pai celeste é ser alguém, é ter realizado o seu verdadeiro e eterno Eu – todo o resto deriva como simples e espontâneo corolário dessa verdade fundamental.
Ser alguém é muito mais importante do que fazer algo.
Só quem, por dentro, é só de Deus, pode ser, por fora, de todas as creaturas de Deus.