Primícias do Reino

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CAPÍTULO 11

O TABOR E A PLANÍCIE

Com a força da sua realidade poderia ser considerado um díptico: as bênçãos de Deus no monte e os conflitos do homem em toda a pujança de suas cores na planície. [24]

Desciam Jesus, Pedro, Tiago e João das culminâncias do Tabor, onde comungaram com as excelências de Deus, ao encontro das baixadas espirituais das criaturas.

Há pouco, resplandecente, o Mestre estivera envolto por uma esfera de poderosa luz e dialogara com os venerandos antepassados do povo: Moisés e Elias.

As emoções ainda não se aquietaram na horizontalidade do habitual, e a curva descendente das dores tomava forma chocante no terra a terra das contingências humanas.

No alto, a visão da vida verdadeira; ao sopé, as angústias junto aos sofrimentos.

— "Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: sai dele e não entres mais nele" — exortou Jesus com firmeza na voz, na qual a piedade se misturava à energia.

Não houve debate. Tudo simples. A cena breve culminou no declínio do jovem que ficara prostrado como morto, banhado por álgido suor, desfigurado.

O Mestre, comovido, curvou-se, tocou a fronte do ex-obsidiado e o levantou com gesto cativante.

Era quase um menino. . .

Sofria desde a mais tenra idade sob o jugo violento do impiedoso algoz desencarnado. As raízes do ódio nefando se perdiam nas sombras do passado, quando foram comensais da mesa farta da loucura e se enredaram em odienta cena de sangue. . . . Agora a lei soberana, que jungia o criminoso não punido à justiça desrespeitada, manifestava-se sobranceira.

O parasito espiritual se imanara ao sofredor e reproduzia nele os esgares epilépticos em que se consumia, vítima de si mesmo, escravo do ódio. Na volúpia da vingança, atirava-o de encontro ao solo, ateava-lhe fogo às vestes, tentava afogá-lo, subjugava-o.

As esperanças da família se apagavam na lâmpada sem lume das tentativas de cura, impossivel até aquele momento.

Seu pai ouvira falar do Rabi e o trouxera, na expectativa duvidosa de ver o filho recuperado, perdido como se encontrava no caminho do aniquilamento inexorável.

—Transcorreram oito dias [25] após a "confissão de Pedro", o Mestre tomou consigo Pedro, Tiago e João, e levou-os sozinhos, e à parte, para um alto monte.

Agosto, em plenitude, derrama sua taça de luz e calor sobre a terra. As papoulas e as margaridas jazem crestadas em hastes vencidas pela canícula. O céu muito azul e transparente concede visão infinita em todas as direções.

A medida que o Tabor [26] vai sendo vencido, os painéis se desenrolam: embaixo os campos de trigo ceifado, a mancha pardacento-prateada do Jordão, na configuração de imenso alaúde entre sebes; para as bandas do oriente erguem-se altaneiros os montes Galaad e ao poente cintilam as águas do Mediterrâneo, como imenso espelho refletido através da garganta natural entre o Monte Carmelo e os contrafortes altanados do Líbano; ao norte o Genesaré salpicado de velas coloridas e orlado por Tiberíades, Magdala, Cafarnaum, Betsaida, as cidades tão encantadoramente derramadas dos pequenos cerros na direção das praias, vestidas de palmeiras verdejantes. . .

Do acúmen a visão não se detém. De forma arredondada, a plataforma batida pelos ventos, às vezes coroada de zimbros, é a culminância dos 562 metros de altitude rochosa, sem vegetação, com destaque na imensa e formosa Galileia.

A noite ainda demora algumas horas para estender o seu manto imenso sob o céu. Os meses de agosto são de longos dias. O calor asfixia e requeima a rala vegetação.

A jornada é longa, na conquista do monte: mais de quatro horas de marcha lenta e cansativa, embora a beleza da paisagem deslumbrante em derredor.

Atingido o acume, o Mestre se põe em oração. Os discípulos, suarentos e cansados, adormecem à sombra dos arbustos escassos.

Um grande silêncio envolve tudo e todos. O mormaço quase asfixia. . .

A noite vence a natureza e o Mestre ora.

A madrugada alcança o Rabi em oração. Os companheiros dormem. Vozes percutem na monotonia. Os discípulos despertam, assustados e são dominados pela visão sublime da transfiguração do Mestre, com as vestes incendidas, dialogando com Moisés e Elias. As palavras vibram no ar; mas não são palavras como as que se ouvem comumente. . .


Logo após, diluída a visão, Simão se acerca do Rabi e exclama:

— Mestre, bom é que estejamos aqui, e façamos três cabanas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.

O Mestre fita-o compadecido.


Uma nuvem surge misteriosa e uma voz, então, exclama:

— Este é o meu filho amado; a Ele ouvi!

Os discípulos ainda não refeitos são tomados de pavor.

A grandiosa revelação fora feita.

Jesus estivera em toda a sua glória e eles foram testemunhas silenciosas e emocionadas do acontecimento incomparável.

Os Céus foram cindidos e os discípulos tiveram o "conhecimento do Divino".

Pedro se reportará mais tarde a essa metamorfose do Mestre, testemunho insofismável em que fundamenta sua fé.

O Rabi, no entanto, exige-lhes silêncio.

A verdade tem que ser dosada para o entendimento da argila humana.

Mais tarde João, ao escrever os "ditos do Senhor", iniciará a sua narrativa evocando, certamente, a cena inesquecível: "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens; a luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam".

— Desçamos! —, alvitra o Mestre.

— Não poderíamos aqui demorar-nos? —, indaga Simão.

— E necessário descer — retruca Jesus. — Busquemos os que não dispõem de forças para subir. Os homens necessitam de nós. A nossa é a glória deles. Para eles sejam nossas alegrias e para nós as suas dores. Depois da comunhão com os Céus, a convivência entre os que se demoram na Terra. O paraíso seria para nós estranho presídio sem aqueles que, no ergástulo das aflições, anseiam pelo país da liberdade. Desçamos. Os homens, para quem eu venho, nos esperam.


Na descida do monte confabulam:

— Rabi! —, indagam como receosos — dizem os escribas que é mister que venha primeiro Elias. . .

— Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo quanto quiseram. Assim farão, também, padecer o Filho do Homem. . . "Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista".

A nova revelação de ser Elias, João Batista renascido, surpreende os companheiros que começam a compreender os inescrutáveis desígnios do Pai.

Os Espíritos estão estuantes de felicidade. Há festa em seus corações.


* * *

Jesus e os discípulos continuam descendo.

O dia esplende. Os acontecimentos são sóis em suas almas.

A plataforma do Tabor fica para trás.

A planície imensa se estende embaixo.

Lá estão as criaturas sofredoras e ansiosas, os companheiros aguardando.

Amedrontados, os discípulos se revezam.

— Afasta-te, Satanás! —, exclama Judas, irado, enquanto o obsesso ulula.

— Filho das trevas, semente de Belzebu — brada Tadeu, com a voz rouca e os olhos injetados — por quem és, abandona tua vítima!

— Decaído, imundo — vocifera, pálido e suarento, Natanael — eu te exorto a que retornes às geenas! . . .

Curiosos se acercam dos gritadores, enquanto o endemoninhado, como se multiplicasse as forças que o vampirismo espiritual consome, mais se debate no solo e corcoveia, exasperado, a ameaçar o débil corpo em convulsão, semivencido.

É o próprio Dibbuk - soluça, desanimado, Filipe.

— Nada conseguiremos! —, arremata o filho de Cléofas.

— Onde andará o Mestre — indaga, perturbado, Simão, o zelot e — que não vem socorrer-nos? Não saberá Ele de nossa aflição? . . .

Entreolham-se, estremecem, enquanto o obsidiado espumeja e se debate.

Falam todos de uma vez. Gritam inutilmente.

Vendo o Mestre e os companheiros, que chegam à charneca das misérias humanas, correm, aflitos e O saúdam.

— Que é que discutis com eles? —, interroga, sereno, o Senhor.

— Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um Espírito mudo. E este, onde quer que o apanhe, despedaça-o, e de espuma, e range os dentes, e vai-se secando; eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, e não puderam!

— Se podes — apela o pai — salva o meu filho.

— Se tu podes crer, tudo é possivel ao que crê.

— Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade.

O Rabi se comove. O semblante sereno expressa toda a angústia do seu Espírito.

Sem qualquer mágoa, fita os companheiros medrosos e os admoesta com veemência e compaixão. Compreende as fraquezas dos convidados a esparzir a semente da Boa-nova.


Como a justificar-se a si mesmo e aos outros, Judas tenta esclarecer:

— Fizemos tudo quanto nos ensinaste e nada conseguimos. . .

— Até quando vos sofrerei e estarei convosco?

A indagação fica no ar, sem resposta.

A arrogância da fraqueza é mais petulante do que a vaidade da força.

O sinal do fracasso no orgulho é como chaga de fogo a requeimar.

— Espírito mudo e surdo. . .

Pálido e fraco, o moço sorriu. Havia gratidão sem palavras.

Osculou a mão do Rabi e, conduzido pelo pai em êxtase de alegria, seguiram ambos no rumo do lar.


À noite, quando o zimbório se vestia de estrelas brilhantes, ainda sob o impacto das manifestações do Mestre, no Tabor e na planície, Simão, traduzindo possivelmente a visível inquietação dos companheiros, aproximou-se d’Ele, que meditava, e indagou, visivelmente emocionado:

— Por que não puderam eles expulsar o espírito imundo?

— Esta casta não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração e jejum — elucidou o Amigo.


Desejando, no entanto, utilizar o momento para melhor instruir os companheiros desatentos e pretensiosos, o Senhor esclareceu:

— Antes de tudo é necessário compreendamos que os espíritos imundos viveram antes, homens que foram, homens que continuam sendo. Enganados, como se deixaram conduzir no corpo, prosseguem enlouquecidos, fora dele. A morte não os transformou. Viajores do tempo, são o que fizeram. Ligados mentalmente às reminiscências das ações, demoram-se, sofrendo-as, imanados aos que amaram, vinculados àqueles que os fizeram sofrer. . .


Fez uma pausa, espontânea. E prosseguiu:

— Por essa razão a Boa-nova é um hino de amor e perdão. Amor indistinto e perdão indiscriminado.

Diante deles, nossos irmãos na sombra da ignorância, nenhuma força possui força senão a força do amor. Não apenas expulsá-los daquele convívio a que se agregam parasitariamente, mas também socorrê-los, enlaçando-os com amor. . .


Novamente silenciou, e envolveu os amigos num olhar de bondade, para logo continuar:

— São nossos irmãos da retaguarda, perdidos na ilusão das carnes a que teimosamente pretendem continuar ligados. Não se prepararam para a verdade. E em razão disso que a Mensagem de Vida não se reveste das indumentárias fantasiosas tão do agrado geral. É semente de luz para fecundação no solo do espírito.

Diante, pois, deles — possessos e possessores — só a oração do amor infatigável e o jejum das paixões conseguem mitigar a sede em que se entredevoram, entregando-os aos trabalhadores da Obra de Nosso Pai, que, em toda parte, estão cooperando com o Amor, incessantemente.

Se amardes ao invés de detestardes, se desejardes socorrer e não apenas os expulsardes, tudo fareis, pois que tudo quanto eu faço podeis fazê-lo, e muito mais, se o quiserdes. . .

No leve ar da noite bailavam suaves brisas espraiando para o futuro a palavra do Rabi, como antevisão gloriosa para os dias porvindouros da Humanidade.








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Marcos 9:25

E Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele, e não entres mais nele.

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Mateus 17:1

SEIS dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte.

mt 17:1
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Mateus 17:4

E Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, façamos aqui três tabernáculos, um para ti, um para Moisés, e um para Elias.

mt 17:4
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Mateus 17:6

E os discípulos, ouvindo isto, caíram sobre seus rostos, e tiveram grande medo.

mt 17:6
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Mateus 17:12

Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do Homem.

mt 17:12
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Marcos 9:2

E seis dias depois Jesus tomou consigo a Pedro, a Tiago, e a João, e os levou sós, em particular, a um alto monte; e transfigurou-se diante deles;

mc 9:2
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Marcos 9:5

E Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: Mestre, bom é que nós estejamos aqui, e façamos três cabanas, uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias.

mc 9:5
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Marcos 9:7

E desceu uma nuvem que os cobriu com a sua sombra, e saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu filho amado; a ele ouvi.

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Marcos 9:16

E perguntou aos escribas: Que é que discutis com eles?

mc 9:16
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Marcos 9:17

E um da multidão, respondendo, disse: Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um espírito mudo;

mc 9:17
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Marcos 9:18

E este, onde quer que o apanha, despedaça-o, e ele escuma, e range os dentes, e vai-se secando; e eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, e não puderam.

mc 9:18
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Marcos 9:23

E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer; tudo é possível ao que crê.

mc 9:23
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Marcos 9:24

E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade.

mc 9:24
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Marcos 9:29

E disse-lhes: Esta casta não pode sair com coisa alguma, a não ser com oração e jejum.

mc 9:29
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Lucas 9:33

E aconteceu que, quando aqueles se apartaram dele, disse Pedro a Jesus: Mestre, bom é que nós estejamos aqui, e façamos três tendas, uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias; não sabendo o que dizia.

lc 9:33
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Lucas 9:35

E saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho; a ele ouvi.

lc 9:35
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