Primícias do Reino

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CAPÍTULO 15

ZAQUEU, O RICO DE HUMILDADE

Segregados, os publicanos [34] ou arrecadadores de impostos constituíam classe detestável, vivendo sob chuvas de ódios e sarcasmos. [35]

O pão, adquirido com o suor da aflição, carreava a angústia daqueles que estavam constrangidos ao resgate das pesadas taxas, impostas pelas hostes vitoriosas que dominavam 1srael.

Jerico era um centro de atividades comerciais e urbe famosa, que hospedara Cleópatra, no passado, a qual se encantara com seu leve, perfumado ar.

Embelezada por Herodes e Arquelau, o seu casario suntuoso e suas vivendas palacianas de mármore destacavam-se pela austeridade e beleza de linhas.

Situada um pouco sobre o vale do Jordão, beneficiava-se, nos dias tórridos, com as lufadas e a brisa fresca e nos dias frios a temperatura mantinha-se agradável sem quedas baixas.

Conhecida por seu centro comercial, era escolhida pelos negociantes, cambistas, peregrinos e caravanas que demandavam os diversos países do Oriente, recendendo, ao entardecer, o aroma das rosas abundantes, espalhadas em toda parte.

Campos e relvados eram sombreados por sicômoros, romãzeiras, amendoeiras e salpicados por flores de vermelho forte e amareladas, em tons de ouro. Suas rechãs cobertas de trigos e canas-de-açúcar rivalizavam em esplendor com as plataformas coloridas pela balsamina abundante que lhe oferecia um ar de beleza risonha e primaveril. As tamareiras, as mais célebres de Israel, produziam três espécies distintas, e suas tâmaras possuíam o dulcíssimo sabor de mel.

Sua alfândega regurgitava, e os negócios atingiam altas e expressivas somas.

Jerico, esplendente, e de economia pujante, era rota para Jerusalém. . .


* * *

Zaqueu adquirira, com a vitória em hasta pública, o direito à arrecadação dos impostos, em Jerico, e com eles a herança amaldiçoada que os acompanhava.

Residindo em suntuoso palacete, amealhara alto cabedal de moedas, adornando o reduto doméstico com obras de arte vindas de muitos países e se cercara de luxo, de modo a encher de bens externos o vazio do coração, por saber-se detestado por toda a cidade.

De índole afável, no entanto, justificava o ofício com a explicação de que não eram poucos os filhos de Israel que o disputavam diante dos emissários de César.

Quanto possivel, procurava dissipar as nuvens carregadas de malquerença e animosidade que lhe sombreavam os dias.

Tentativas e tentativas, porém, redundavam inúteis.

Redobrava esforços e o descoroçoamento era desanimador.

Escutava, algo irritado, as ameaças escapadas entre dentes, daqueles que se viam obrigados a liberar-se do infamante dever de pagar o tributo a César, através dele. . .

De estatura baixa, o que lhe somava mais aflição às angústias, e gordo, Zaqueu era o espécime vivo característico da idiossincrasia da cidade.

Muitas vezes, acarinhando os filhinhos, atormentado, considerava, o Publicano, o futuro, e alinhava planos. . . . Quando possuísse muitos bens e pudesse abandonar a ignóbil tarefa, deixaria a cidade, recomeçaria vida nova, longe de Jerico, muito longe. . . O sorriso aflorava-lhe aos lábios e a esperança mal dominada emoldurava-lhe o coração, dava-lhe forças para resistir a todas as dores tormentosas do momento. O futuro pertencia-lhe. Bastava, somente, esperar. . .

Zaqueu ouvira falar de Jesus.

As notícias que lhe chegaram aos ouvidos mais pareciam uma mensagem de amor, cantando esperanças. Parecia-lhe irreal que alguém pudesse amar tanto. Também ele tinha sede de amor. Ansiava por afeição, amigos. . . . Faziam-lhe falta as orquestrações sonoras da amizade, os largos sorrisos do entendimento e da compreensão.

A informação de que Ele comia com pecadores e até palestrava com os publicanos, fê-lo chorar interiormente. E as lágrimas aljofraram mais fortes, quando seus auxiliares, na alfândega, disseram, com segurança, que entre os que O seguiam com ardor, um havia, publicano também, que Ele arrancara de uma Coletoria. . .

Admiração e afeto empolgaram Zaqueu por aquele Desconhecido!

Às vezes, meditando, anelava vê-lO, ouvi-lO, conversar com Ele.

No imo acreditava que Ele fosse o Messias.

Sua palavra viajava no ar; Seus feitos eram de todos, em todo lugar conhecidos.

Amavam-nO os infelizes, os deserdados de esperança, os espezinhados, os proletarii. Odiavam-nO os que O temiam, porque n´Ele reconheciam o Salvador!


* * *

Bartimeu, o cego, vivia em Jerico desde quando Zaqueu podia recordar.

Com a escudela miserável, mendigava pelas ruas e nas estradas.

Na Alfândega, com frequência, Zaqueu o socorria. Gostava de atender a miséria, amenizar a dor, ele que sabia o travo da soledade.

Esses, os sofredores, não lhe denegavam a moeda amiga, que os puritanos e zelosos da Lei recusavam ofertar, guardando no semblante de falsa pureza a expressão constante de asco. . .

Bartimeu, cego e desprezado, tinha algo em comum com ele, Zaqueu: a soledade em que caminhavam ambos, no meio do povo.

Em pleno março do ano 30, em certo entardecer, Jerico tomara aspecto festivo. Desde há alguns dias, a cidade hospedava peregrinos que demandavam a Páscoa, que seria celebrada com toda a pompa, em Jerusalém.

No entanto, àquela tarde, o movimento era inusitado.

Falavam que o Rabi arrancara Bartimeu à cegueira e que o antigo infeliz se adentrara pela cidade, após vencida a Porta, entoara hosanas e exibira os claros olhos banhados de indefinível luz.

Milagre! —, exclamavam uns.

Farsa! —, bradavam, coléricos, outros.

Todos queriam falar ao ex-cego, informar-se.

O tumulto se fazia natural na algaravia desordenada a que todos se entregavam, quando alguém gritou com voz estertorada: "Eis que o Rabi Galileu se aproxima e logo mais chegará à cidade! " Houve uma explosão emocional na alma de Zaqueu. Mal se podia conter.

O Esperado chegava!

Este era o seu momento; o mais precioso momento da vida.

Necessitava fitá-lO.

Não ousaria falar-Lhe é certo, no entanto. . .

Se perdesse a ocasião, nunca mais, oh! Certamente, teria outra!


Sôfrego, com o suor álgido a escorrer em bagas, pôs-se a correr,
—perdendo até a postura de dignidade que a si mesmo se impunha, -

seguiu correndo na direção da porta da cidade.

A multidão se adensava pela via.

Era imperioso vê-lO, vê-lO apenas, vê-lO passar.


Agoniado, sob o domínio de mil inquietações, de relance — sabendo-se impossibilitado de vislumbrá-lO sequer, pois que, baixo, não podia olhá-lO, obstaculado pelos que se postavam à frente, à orla da estrada; e, detestado, náo encontraria quem lhe cedesse lugar, -

enxergou velho e vetusto sicômoro de fácil acesso, e desgalhado por sobre o caminho. As raízes alteavam-se, rugosas e curvas, acima do solo.

O Publicano não titubeou; avançou, resoluto, e galgou a árvore.

Viu o Mestre, sereno, que avançava, acompanhado pelo povo.

Gritos e exclamações espocavam em ovação ao estranho Caminhante, que parecia envolto em diáfana claridade. . .

Zaqueu deixou que a voz estrangulada na garganta irrompesse cristalina e, sem o perceber, uniu-se ao entusiasmo geral, tocado de entusiasmo também.

Como era belo o Rabi! Jamais vira beleza igual àquela cheia de majestade e transparência!

O Senhor estacou o passo junto ao sicômoro e fitou Zaqueu.

Foi rápido; no entanto, naquele momento, toda a vida do cobrador de impostos lhe perpassou fulminante pela tela do pensamento.

Reviu-se. . . .

— Zaqueu — falou o Visitante Sublime — desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa.

Não podia ser verdade. Sonhava! Zumbido forte nos ouvidos e torpor na mente dominavam-no. "Desce depressa", gritava-lhe firme o Espírito.

O homem escorregou figueira abaixo, transfigurado pela emoção, a sós, esquecido de tudo, como se flutuasse no ar embalsamado do entardecer. Desejou sorrir, protestar aquiescência.

Não pôde, nada podia dizer ou fazer.

O cérebro parecia sofrer uma brasa viva a arder.

Sabia-se rico - e os ricos eram detestados.

Publicano - e a Lei mosaica o condenava.

Reconhecia-se indigno — e Israel não o perdoaria nunca. . .

Mas a Voz continuava a ordenar: "hoje me convém pousar em tua casa. " Rompeu o torpor e demandou o lar. Era indispensável preparar a recepção.

As lágrimas desatavam nos seus olhos cansados e o coração estuava, após tão longa solidão. A esposa, a ele abraçada, chorava também.

Procurava uma forma de apequenar-se na grandeza da casa luxuosa, engrandecer-se na pequenez em que a aflição o colocava, para receber o Rabi, o Amigo Único. . .

E quase noite.

Uma fímbria de ouro forte borda os montes de luz, no poente, e derrama um leque de plumas irisadas que adornam ligeiras nuvens passantes. . .

À porta da casa, com a família reunida, emocionado, Zaqueu aguarda.

Teme, porém, que o Rabi não lhe adentre o lar.

Não se sente digno de hospedá-lO, mas tudo daria para receber tal honra.

— Senhor! —, exclama alguém. — Pernoitarás na casa desse publicano?. . .

Publicano! Espoca a palavra aos ouvidos de Zaqueu. A marca insculpe no dorido e ansioso coração de Zaqueu, a dor, em fogo!

— Senhor, — tartamudeia o arrecadador das taxas — eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado. Entra na minha casal Não pôde continuar, pois que, lívido e afásico, momentaneamente, foi dominado por inextricável comoção.

Jesus sorriu, um riso leve e bom como um hausto de amor.

— Hoje — disse suave — veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.

Após uma pausa, em que se ouviam as murmurações da noite chegando, o Senhor narrou a inconfundível parábola das dez minas, tomando, como imagem preliminar, o príncipe israelita Arquelau, que "partiu para uma terra remota, a fim de tomar para si um reino e voltar depois". . .

Zaqueu apequenou-se e engrandeceu-se.

Submeteu-se à humilhação, e glorificou-se na humildade.

Contam narradores dos eventos evangélicos, que transcorridos muitos anos após a epopeia da Cruz, por solicitação de Simão Pedro, o antigo publicano foi dirigir florescente igreja cristã em terras de Cesareia, rico de amor e humildade, dirigido por Jesus. . .








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Lucas 19:5

E, quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa.

lc 19:5
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Lucas 19:8

E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado.

lc 19:8
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Lucas 19:9

E disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão.

lc 19:9
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Lucas 19:10

Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.

lc 19:10
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