Primícias do Reino

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CAPÍTULO 19

SIMÃO PEDRO: PEDRA E PASTOR

A manhã esplendente parecia vibrar com a mesma esfuziante alegria que os inundava. [44]

O mar amigo, velho companheiro dos longos cismares e demorados labores, levantava-se em ondulações a se despedaçarem em rendas de brancas espumas nos seixos da praia amena.

Tudo entoava uma melodia de felicidade: o leve ar da alvorada, o cicio da brisa no arvoredo, o canto das aves, a orquestração da natureza. . . e os corações estuantes.

Aquele era o terceiro reencontro com o Mestre desde os funestos acontecimentos de Jerusalém.

Fora tão rápido!

Ele estava jogando a rede desde a noite, na ânsia de reconquistar a agilidade de outrora, depois do que acontecera, embora a mente atada às recordações, quando ouviu a inesquecível ondulação da voz do Rabi dizer: Lançai a rede para a banda da direita do barco, e achareis.

Fizera-o maquinalmente como nos dias transatos.

Ao tentar levantar as cordas, extasiou-se: a abundância de peixes era surpreendente.

Somente, então, percebeu que estava nu.

Ocultou-se no barco tosco e compôs-se com a túnica. Alongou os olhos e lá, na praia, estava o Mestre.

A circulação em descompasso provocava-lhe tonteiras e todo ele era uma canção de indizível alegria.

Não esperou que o barco se aproximasse da praia. Atirou-se às águas.

Quando os outros chegaram com os peixes, o Amigo tomou um, assou-o nas brasas de improvisada fogueira e comeu com eles. . .

— Vinde jantar. —, dissera com naturalidade. Repetiam-se as cenas dos dias idos. A distância no tempo murchara e tudo continuava como se nada houvesse acontecido.

Os olhos d’Ele brilhavam mais e havia, naquele rosto outrora impregnado de melancolia, a emanação de um amor como não se pode descrever.

— Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? Como O amava! Todo ele se dera à Boa-nova, desde que a Sua voz o chamara a pescar almas no oceano dos homens. Que poderia dizer, naquele instante de excelso conúbio?

— Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo.

— Apascenta os meus cordeiros.

Sentia-se fraco, sabia-se fraco.

Para segui-lO, e somente por isso, abandonara aqueles sítios. Ali nascera, vivia, todo o seu mundo eram aquelas mirradas fronteiras que se podiam abarcar com um lance ousado dos olhos.

Como poderia apascentar ovelhas!?

— Simão, filho de Jonas, amas-me?

A interrogação fora levemente assinalada pela tristeza.

Olhou-o com ansiedade. Seria necessário repeti-lo?

— Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo.

— Apascenta as minhas ovelhas.

Imensas as trilhas por onde seguem os pés dos homens, longes as terras em que se encontram. Sentia-se só, sem forças, e triste.

Duvidaria o Rabi, da sua dedicação?

— Simão! . . .

A exclamação parecia uma música de cristais que se despedaçassem em granitos.

— . . . filho de Jonas, tu me amas? . . .

— Senhor, Tu sabes tudo, — não pôde dominar as lágrimas espontâneas — Tu sabes que eu Te amo, que Te dei a vida; Tu, que tudo sabes.

— Apascenta as minhas ovelhas.

Digo-te, Simão, "que quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos; outro te cingirá, e te levará para onde não queiras". Voltou-lhe à mente aquela noite cruel, noite de insanidade.

Três vezes o Mestre o inquirira, três vezes o apontaram antes. . .

— Não és também dos discípulos deste homem? —, interrogara-o à porteira da casa do Sumo Sacerdote.

— Não sou — gritara quase inconscientemente.

Um peso terrível caiu-lhe sobre as têmporas inflamadas. Quis correr e gritar: não somente O conheço, amo-O, também. Não foi possivel fazê-lo.


Misturou-se aos demais com a mente obnubilada, quando as labaredas clarearam o seu rosto e lhe disseram, identificando-o:

— Não és, também, um dos Seus discípulos.


Cólera surda estourou no âmago do seu Espírito inquieto e falou com ressentimento, sem poder conter-se:

— Não sou, nunca O vi. . .

Oh! Céus, estava louco. Como podia negar o Rabi! Que força dominava sua fraqueza?


Saiu amargurado sem coragem para sobreviver a tanto desequilíbrio, quando outro servo do Sumo Sacerdote o inquiriu:

— Não te vi eu no horto com Ele? Não és amigo d´Ele.

— Não — revidou com profunda mágoa — nunca O vi! Fora demais a sua dor, agora que cantara o galo, triste, cronometrando a sua perfídia.

Parecia ver aqueles olhos fitando-o tristemente.

Ele mesmo dissera antes: Por ti darei a minha vida.

— Anegar-me-ás três vezes antes que cante o galo. Inesquecível fora a modulação da Sua voz.

Achara impossivel. Como poderia o Mestre vaticinar tão rigoroso e nefando decesso da sua fidelidade!?

E caíra, três vezes, embora o amasse.

Sabia-se fraco, nunca, porém, se supunha fraco a tal ponto: trair, fugir, negar!

Não ignorava a interferência das forças do mal. A elas se referira o Mestre por diversas vezes, conclamando à oração e à vigilância.

Sabia que eles seriam alvo, mil vezes, de tais agressões. No entanto, fora ele, a enganar-se, obsidiado, momentaneamente, como um grito de incomparável alerta para todas as horas.

Antes, dormira de estranha exaustão, no Horto. . .

. . . E estas três indagações não seriam, por acaso, para aprofundar nos painéis da sua mente os vínculos do seu dever?!

O Rabi levantou-se e chamou-o a instruí-lo quanto à dedicação junto às ovelhas perdidas nos ínvios caminhos da Terra.

Desatrelar-se do carro das paixões e morrer para todos os tipos de ansiedade, mantendo somente uma paixão: imolar-se pela felicidade de todos.

João seria poupado, certamente. Ficaria a cantar a Mensagem com a vibração melodiosa do seu exemplo formoso, como harpa divina dedilhada por vigorosa e ignota mão.

Ele, porém, deveria verter o pranto de fel e recompor os caminhos, até que outras mãos tomassem das suas mãos e as cingissem com cordas. . .

Exultou intimamente.

Poderosa, estranha força, emanando do Benfeitor, dominava-o.

Subitamente compreendeu tudo quanto antes não entendera.

Doçura e meiguice infiltravam-se no seu ânimo. De compleição moral severa, sentia-se enérgico e terno naquele instante e tudo faria para manter-se assim. . .

Na mente em festa, desfilaram aqueles quase três anos de convívio. Pareciam um curso que o Mestre viera ministrar-lhes, a eles, discípulos ignorantes e simples. E os últimos dias em que parecia Ausente e O sentiam poderosamente Presente, significavam o adestramento intensivo para a lavoura de comunhão com os homens.

— Quem dizem os homens ser o Filho do Homem? —, recordou-se da indagação eloquente com que os honrara a todos meses atrás.

— "Dizem uns, que tu és João Batista — responderam com segurança - outros afirmam que és Elias e outros Jeremias ou algum dos profetas" reencarnado. . .

— E tu, quem dizes que eu sou!

O dia colorido, rubro de Sol, era uma tela de incomparável beleza, uma pauta musical, aguardando as notas de inconfundível melodia.

— Eu afirmo que "Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo ", aquele que todos esperamos.

Era como se estranha voz falasse pela sua voz, por sua boca. . .

— Bem-aventurado és tu, Simão Bar fonas, porque não te revelou a carne nem o sangue.

Eu te digo Pedro, sobre esta pedra, esta verdade, verdade que acabas de proclamar, eu erguerei a minha Igreja, a igreja da verdade e da revelação do Mundo Invisível, porque não foste tu a falar mas o Pai que está nos Céus. . . e as forças do mal não prevalecerão contra ela, porque é a Igreja da Informação da Verdade revelada.

Ele falara com o sopro do Pai, fizera-se medianeiro do Altíssimo.

Os companheiros fitaram-no, comovidos, e mesmo a balsamina singela do campo desatou aroma, balsamizando o ar.


Logo depois, acoimado por súbito receio quanto aos padecimentos que o amigo sofreria, constrangera-O a ponto de Ele exortar:

— Afasta-te de mim, Satanás, que me escandalizas. Não compreendes as coisas de Deus e temes, pensando nas humanas.


Sem compreender, inquirira-O logo depois, e Ele esclarecera:

— E necessário vigiar. Quando exclamaste a meu respeito foste medianeiro da Luz Imarcescível, para depois fazer-te veículo das Trevas.

Compreendera, então, a dualidade do bem e do mal, a incessante luta pela qual se afadigava o Mestre.

A morte, não ceifando a vida, é veículo que conduz e guarda os que são colhidos como são, com o que têm, permanecendo como eram, como preferiam nos dias da experiência carnal. . .

Conhecera o Rabi quando os desencantos da vida lhe encaneciam os primeiros cabelos.

Acostumado às fainas do mar, aprendera a respeitar a Lei e os Profetas. Entendia pouco, no entanto, as sutilezas e discussões que tomavam todo o tempo na Sinagoga, como os argumentos de que eles se utilizavam para perseguirem e malsinarem os já afligidos e atormentados em si mesmos.

Os sacerdotes e levitas, conhecia-os. Ostentavam a brancura dos trajes, mas conservavam negros e sujos os espíritos e os corações.

Atendia aos deveres frios do culto religioso por hábito, sem qualquer emoção, amando, porém, aquele povo sofredor das aldeias ribeirinhas e das praças, das praias e dos caminhos; povo, como ele, igualmente sofredor, sem esperança.

Quando o Rabi passeara os Seus olhos sobre a dor da multidão e a Sua voz acenara esperanças, na praia formosa, chamando-o, levantara-se para segui-lO, esquecido de tudo.

Somente voltava às redes nos intervalos das jornadas ou para atender aos companheiros, socorrendo as necessidades do grupo.

Todas aquelas noites foram povoadas de esperança e todos os dias estavam assinalados de luz.

As pequenas desinteligências entre os companheiros, o Rabi as sabia apaziguar.

— Que vínheis discutindo pelos caminhos? — Vibravam as recordações. Já eram os últimos tempos.

— Discutíeis — perguntou, amargurado, o Mestre, que os aguardava discutíeis qual dentre vós é, perante mim, o maior? Eu vos digo, porém, que o maior seja o servo de todos. . .

Que lição estranha e profunda! Que acuidade do Rabi!

Repassavam a visão do lago e o seu temor, a tempestade apaziguada, o pagamento do tributo. . . todas as evocações se faziam miraculosamente redivivas em seu cérebro excitado.

Como lhe fora difícil, antes daquela hora, compreender as sutilezas da Sua mensagem.

Era, de fato, Cephas, Petra, calhau ou pedra, cabeça dura. Não possuía sutileza para as questões do espírito.

Rocha ou pedra, apelido que o Mestre lhe dera, significaria que seriam tão firmes a sua fé e abnegação, que se compararia à força e rigidez da pedra? Não poderia afirmá-lo.

Desde a Ressurreição, todavia, aclaravam-se os painéis e as recordações ofereciam-lhe soberana lucidez.

— Eis que deixamos tudo para seguir-Te. Que lucraremos com isto? — Era o homem rude.

— Explica-nos esta parábola. — Era o espécime avançado da ignorância.

— Ensina-nos a orar. — Já a pedra se cindia ante a luz.

No Tabor, egoisticamente, sugerira fossem levantadas tendas para eles. . .

— Sim, Senhor; sabes o quanto te amo. Desejava permanecer-Lhe fiel e dar-se. . .

Agora sentia a sabedoria d’Ele iluminar o seu amor, diferenciando o trivial do sublime, o trágico do que é superficial.

— Eu te seguirei. . .

— Simão, filho de Jonas, tu me amas? —, ribombava na mente.

— Sim, Tu sabes que eu te amo!

Estava desde agora iniludivelmente estreitado ao Rabi, entregue aos Seus cordeiros.

Dias depois viu-O ascender, entre as lágrimas da saudade e da gratidão profunda.

Desceu de Betânia a Jerusalém e foi apascentar os cordeiros do Seu rebanho. . .


* * *

Na "Casa do Caminho", ou na estrada de Jopa, ou em Antioquia, no "mundo Mediterrâneo", ou em Roma, a veneranda figura de Simão Pedro foi a pedra angular da Igreja de Jesus para a Humanidade, o emérito missivista da arregimentação da fé e da esperança até o momento em que, na "Babilônia", com Paulo, ampliando e mantendo os horizontes da fé viva, "outras mãos cingiram suas mãos. . . E o levaram ao testemunho. Foi o discípulo por excelência - Simão Pedro: pedra e pastor, - que se levantou do engano para viver Jesus até o último instante, apascentando os cordeiros do Seu rebanho de amor. . .








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João 21:17

Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? e disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.

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João 21:15

E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros.

jo 21:15
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João 21:18

Na verdade, na verdade te digo, que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias: mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos; e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras.

jo 21:18
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Mateus 1:13

E Zorobabel gerou a Abiúde; e Abiúde gerou a Eliaquim; e Eliaquim gerou a Azor;

mt 1:13
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Mateus 16:13

E, chegando Jesus às partes de Cesareia de Filipo, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem?

mt 16:13
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João 13:37

Disse-lhe Pedro: Por que não posso seguir-te agora? Por ti darei a minha vida.

jo 13:37
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João 18:26

E um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, disse: Não te vi eu no horto com ele?

jo 18:26
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João 21:16

Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor; tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.

jo 21:16
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