Parnaso de além-túmulo

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CAPÍTULO 23

Casimiro de Abreu


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Poeta fluminense, desencarnou aos 18 de Outubro de 1860, com 21 anos de idade, na cidade de Nova Friburgo, acometido de tuberculose pulmonar. Figura literária das mais típicas do seu tempo, o autor malogrado de Primaveras ainda aqui se afirma no seu profundo quão suave nativismo lírico. Suas composições possuem “um saboroso estilo colorido, sensível e personalíssimo”, disse Ronald de Carvalho.


À MINHA TERRA

Que terno sonho dourado

Das minhas horas fagueiras,

No recanto das palmeiras

Do meu querido Brasil!

A vida era um dia lindo

Num vergel cheio de flores,

Cheio de aroma e esplendores

Sob um céu primaveril.


A infância, um lago tranquilo

Onde começa a existência,

Onde os cisnes da inocência

Bebem o néctar do amor.

A mocidade era um hino

De melodias suaves,

Formadas de trinos de aves

E de perfumes de flor.


O dia, manhã ridente,

Numa canção de alvorada;

A noite toda estrelada

Após o doce arrebol;

E na paisagem querida,

Os ramos das laranjeiras

E das frondosas mangueiras

Douradas à luz do Sol!


Oh! que clarão dentro dalma,

Constantemente cismando,

O pensamento sonhando

E o coração a cantar,

Na delicada harmonia

Que nascia da beleza,

Do verde da Natureza,

Do verde do lindo mar!


Oh! que poema a existência

De infância e de mocidade,

De ternura e de saudade,

De tristeza e de prazer;

Igual a um canto sublime,

Como uma estrofe inspirada

Na noite e na madrugada,

Na tarde e no amanhecer.


De tudo me lembro e quanto!

A transparência dos lagos,

As carícias, os afagos

E os beijos de minha mãe!

Dos trinos dos pintassilgos,

Da melodia das fontes,

As nuvens nos horizontes

Perdidos no azul do além.


Quando eu cruzava as campinas,

Sem sombras de sofrimento,

Descalço, com o peito ao vento,

Num tempo doce e feliz!

Os pessegueiros floridos,

As frondes cheias de amora,

O manto de luz da aurora

Os pios das juritis!


Se a morte aniquila o corpo,

Não aniquila a lembrança:

Jamais se extingue a esperança,

Nunca se extingue o sonhar!

E à minha terra querida,

Recortada de palmeiras,

Espero em horas fagueiras

Um dia poder voltar.


A TERRA

(Aos pessimistas)

Se há noite escura na Terra,

Onde rugem tempestades,

Se há tristezas, se há saudades,

Amargura e dissabor,

Também há dias dourados

De sol e de melodias,

Esperanças e alegrias.

Canções de eterno fulgor!


A Terra é um mundo ditoso,

Um paraíso de amores,

Jardim de risos e flores

Rolando no céu azul.

Um hino de força e vida

Palpita em suas entranhas,

Retumba pelas montanhas,

Ecoa de Norte a Sul.


Os sonhos da mocidade,

As galas da Natureza,

Livro de excelsa beleza

Com páginas de esplendor,

Onde as histórias são cantos

De gárrulos passarinhos,

Onde as gravuras são ninhos

Estampados no verdor;


Onde há reis que são poetas,

E trovadores alados,

Heróis ternos, namorados,

Gargantas de ouro a cantar,

Saudando a aurora que surge

Como ninfa luminosa,

A olhar-se toda orgulhosa

No espelho do grande mar!


Onde as princesas são flores,

Que se beijam luzidias

Perfumando as pradarias

Com seu hálito de amor;

Desabrochando às centenas,

Na estrada onde o homem passa,

Oferecendo-lhe graça,

Sorrindo, cheias de olor.


O dia todo é alvorada

De doces encantamentos;

A noite, deslumbramentos

Da Lua, em seus brancos véus!

A tarde oscula as estrelas,

Os astros o Sol-nascente,

O Sol o prado ridente,

O prado perfuma os céus!…


Quem vive num éden desses,

É sempre risonho e forte,

Jamais almeja que a morte

Na vida o venha tragar;

Sabe encontrar a ventura

Nesse jardim de pujanças,

E enche-se de esperanças

Para sofrer e lutar.


Se há noite escura na Terra,

Abarrotada de dores,

De lágrimas e amargores,

De triste e rude carpir,

Também há dias dourados

De juventude e esplendores,

De aromas, risos e flores,

De áureos sonhos no porvir!…


LEMBRANÇAS

No sacrário das lembranças,

Revejo-te, trigueirinha,

De negras e longas tranças,

Moreninha.


Teus lindos pés descalçados,

Pisando de manhãzinha

A verde relva dos prados,

Moreninha.


Os primorosos cabelos

Enfeitados, à tardinha,

De miosótis singelos,

Moreninha.


De olhar sedutor e insonte,

Quando o teu passo ia e vinha

Em busca da água da fonte,

Moreninha.


Teu vulto de camponesa

Era o porte de rainha,

Rainha da Natureza,

Moreninha.


Inda ouço os sons primeiros

Da tua voz na modinha

Modulada nos terreiros,

Moreninha.


Lavando a roupa às braçadas,

Os fios d’água fresquinha,

Sob as mangueiras copadas,

Moreninha.


Os teus risos adorados,

Desferidos à noitinha,

Nos bandos de namorados,

Moreninha.


A tua oração ditosa,

Nas missas da capelinha,

Tão faceira! tão formosa!

Moreninha.


A placidez do teu rosto

Com teus modos de avezinha,

Fitando a luz do sol-posto,

Moreninha.


O teu samburá de flores

Que levavas à igrejinha,

Enchendo a nave de odores,

Moreninha.


O vestidinho de chita,

De rosas estampadinha,

Fazendo-te mais bonita,

Moreninha.


O nosso idílio encantado,

Quando te achavas sozinha,

Sob o luar prateado,

Moreninha.


Que terna recordação

De minhalma se avizinha!

De saudade, de paixão,

Moreninha.


Ai! Ai! meu Deus, quem me dera

Rever-te, doce rainha,

Rainha da Primavera,

Moreninha.


RECORDANDO

Meu Deus, deixai que eu me esqueça

Da minha vida de agora,

Que apenas o meu passado

Eu possa alegre rever;

Deixai que me identifique

Com os raios da luz de outrora,

Daquela risonha aurora

Do meu passado viver.


Que eu sinta de novo a vida

Na infância linda e ditosa,

Na alegria inalterável

Do lugar onde nasci;

Quero rever novamente

A paisagem luminosa,

Sentir a emoção grandiosa

De tudo o que já senti!…


Ah! que eu possa hoje olvidar

Imensidades, esferas,

Concepções mais perfeitas

No progresso que alcancei;

Que das ruínas, dos escombros,

Minh’alma retire as heras,

E contemple as primaveras

Da vida que já deixei.


Quero aspirar os perfumes

Dos cendais cheios de flores,

Na fresca sombra dos vales,

Sob a luz do céu de anil!

Rever o sítio encantado

Da minha estância de amores,

Meus sonhos encantadores,

Minha terra, meu Brasil!


Escutar os sinos calmos

Sob a alvura das capelas,

Enchendo as longes devesas,

De convites à oração;

Sentar-me no prado agreste,

Beijar as flores singelas,

Mirar a luz das estrelas,

Ouvir a voz da amplidão!


Correr sob o sol-nascente

Até que chegue o luar,

Procurando os passarinhos

E as borboletas tafuis.

Que esperança, que ventura!

Viver, sofrer, e amar

A campina, o Sol, o mar,

Campas verdes, céus azuis…


Ser homem e ser criança,

Toucar-se a alma das galas

Da poesia inexprimível,

Da alvorada e do arrebol…

Oh! Natureza da Terra,

Que tesouros não exalas,

Na carícia dessas falas

Do passarinho e do Sol!


Eu gozo de quando em quando,

Revendo essa claridade,

Da existência transcorrida

Guardada no coração;

E dos cimos desta vida,

Na excelsa Imortalidade,

Verto prantos de saudade

À luz da recordação.


Casimiro de Abreu



Casimiro de Abreu


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