Parnaso de além-túmulo

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Capítulo LII

Rodrigues de Abreu


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Poeta nascido em Capivari, S. Paulo, a 17 de Setembro de 1899, e desencarnado, tuberculoso, em Campos do Jordão, aos 24 de Novembro de 1927. Publicou Casa Destelhada, Noturnos e Sala dos Passos Perdidos, além de inúmeros trabalhos esparsos na imprensa do seu Estado. Foi cognominado — “o poeta triste das rimas róseas.”


VI-TE, SENHOR!

Eu não pude ver-Te, meu Senhor,

Nos bem-aventurados do mundo,

Como aquele homem humilde e crente do conto de Tolstoi.


Nunca pude enxergar

As Tuas mãos suaves e misericordiosas,

Onde gemiam as dores e as misérias da Terra;

E a verdade, Senhor,

É que Te achavas, como ainda Te encontras,

Nos caminhos mais rudes e espinhosos,

Consolando os aflitos e os desesperados…

Estás no templo de todas as religiões,

Onde busquem Teus carinhos

As almas sofredoras,

Confundindo os que lançam o veneno do ódio em Teu nome,

Trazendo a visão doce do Céu

Para o olhar angustioso de todas as esperanças…

Estás na direção dos homens,

Em todos os caminhos de suas atividades terrestres,

Sem que eles se apercebam

De Tua palavra silenciosa e renovadora,

De Tua assistência invisível e poderosa,

Cheia de piedade para com as suas fraquezas.


Entretanto.

Eu era também cego no meio dos vermes vibráteis que são os homens,

Se não Te encontrava pelos caminhos ásperos…


Mocidade, alegria, sonho e amor,

Inquietação ambiciosa de vencer,

E minha vida rolava no declive de todas as ânsias…


Chamaste-me, porém,

Com a mansidão de Tua misericórdia infinita.

Não disseste o meu nome para não me ofender;

Chamaste-me sem exclamações lamentosas,

Com o verbo silencioso do Teu amor,

E antes que a morte coroasse a Tua magnanimidade para comigo,

Vi que chegavas devagarinho,

Iluminando o santuário do meu pensamento

Com a Tua luz de todos os séculos!


Falaste-me com a Tua linguagem do Sermão da Montanha,

Multiplicaste o pão das minhas alegrias

E abriste-me o Céu, que a Terra fechara dentro de minhalma…


E entendi-Te, Senhor,

Nas Tuas maravilhas de beleza,

Quando Te vi na paz da Natureza

Curando-me com a Dor.


NO CASTELO ENCANTADO

Eu ainda não era um homem,

Quando subi aos elevados promontórios da esperança,

Divisando os países da beleza.

Meu coração pulou com um ritmo descompassado

E desejei a luz das cidades distantes,

O perfume das florestas prodigiosas

Onde cantavam as aves da mocidade e da glória.


Tudo sonhei contemplando o horizonte!…


Na embriaguez da ansiedade e do desejo,

Não vi o cântaro de mel

Que minha mãe deixara com o seu beijo

Na prateleira humilde de minhalma.

Gotas de mel, palavras de oração —

«Pai Nosso que estais no Céu…»

«Ave Maria, cheia de graças…»

Gotas do mel de amor, do coração.


Tudo esqueci, por infelicidade,

E andei como um fauno louco pelos mares remotos e pelas ilhas desconhecidas…

Eu era dono do mundo inteiro

Porque era senhor dos sonhos absolutos,

Adormecendo à sombra enganadora

Da árvore da ilusão, onde quase todos os frutos apodrecem.

E quando quebrava os últimos altares,

Na inquietação da carne e do desejo,

Chegou ao país de minhalma um romeiro triste dos Céus,

Falando como Jeremias sobre a Jerusalém de minhas ânsias:


«A sombra da ilusão envenena-te a vida…

«Eu corrijo as paisagens interiores,

«Trago-te o pão dos grandes amargores.

«Sou a Dor, ficarei sempre contigo.

«Guarda as minhas verdades, meu amigo,

«Manda o Senhor que eu seja a companheira

«De tua vida inteira…

«Irás comigo a mundos ignorados,

«Dar-te-ei maravilhas

«Ao sol dos meus castelos encantados…»


Eu não sei explicar o mistério

Daquela personagem enigmática

Que se intrometia, afoitamente,

Na minha estrada de alegria.


Seu olhar parecia

A claridade estranha de toda a resignação e de todo o padecimento.


E, desde esse momento,

Casou-se comigo a Dor, de tal maneirar,

Que a senti junto a mim, a vida inteira:


Roubou-me todas as glórias da Terra

Fez fugir-se-me a noiva idolatrada,

Deixou-me só na lôbrega jornada,

Afastou-me a alegria da saúde,

Apodreceu meu coração em sua mão,

Deu-me as sombras dos Campos do Jordão,

Fez de meu sonho a casa destelhada,

Onde as chuvas de todas as misérias

Caíram sem cessar desde esse dia;

Crestou-me a flor ditosa da alegria,

Tudo levou-me a dor incontentada…


Mas oh! suave milagre de ventura,

Ela deu-me os palácios encantados

Onde brilham as luzes d’Aquele que se sacrificou na cruz por todos os homens!…

Pela sua porta estreita,

Encaminhou-me à sensação perfeita

De Tua inefável presença, ó Senhor de Bondade.

Nas grandezas de Ta claridade,

Cala-se o meu verso humilde,

Porque com a Dor

Sinto que Te compreendo, meu Senhor,

E abençoo contente

As mágoas que me deste antigamente…

Pois agora é que eu sei

Banhar-me todo nessa fonte imensa

Da paz, doce e balsâmica da crença,

Enxergando na tamareira da esperança,

A cuja sombra o espírito descansa,

Pelos desertos áridos do mundo,

O único fruto eterno, bom e fecundo…


Fruto que é o Teu amor

E a Tua caridade, meu Senhor,

Sustentando a infeliz Humanidade,

Desde as pedras da Terra

Aos jardins de esplendor da Eternidade!…





Rodrigues de Abreu
Francisco Cândido Xavier


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