…Até o Fim dos Tempos

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CAPÍTULO 22

A Espada e a Cruz

Parte 1
O sumo sacerdote representava, entre os hebreus, o grande guardador do Templo, que se responsabilizava pela pureza da doutrina, pela manutenção do culto e pela santidade do povo. Tratava-se de cargo hereditário, que procedia dos tempos de Eleazar, filho de Arão, conforme ensina o Êxodo, que remanescia da tribo de Levi.

Era-lhe concedida a honra de consorciar-se, desde que com uma virgem, e o seu poder era quase ilimitado entre os de sua raça. 

Trajava-se de forma exuberante, vistosa, de acordo com a opulência igualmente retratada no mesmo livro do Êxodo, sendo-lhe permitido, somente a ele, a entrada no santuário do tabernáculo onde estava o Santo dos Santos, sendo-lhe também facultado consultar os oráculos mais sagrados do povo, denominados Urim e Tummim. 

Ao tempo de Jesus, era sumo sacerdote em Jerusalém José Caifás, no poder desde o ano 18 d.C. e prolongando-se até 36 d.C. 

Começara a sua atividade no período em que governava Jerusalém Valério Crato, e permaneceu até os dias de Pôncio Pilatos, em cuja jurisdição foi julgado e condenado Jesus Cristo. 

Foi ele quem conduziu o processo criminal contra Jesus, por haver-se denominado Filho de Deus, já que outro motivo não conseguiu encontrar para persegui-lO. 

Pusilânime e covarde, exerceu a sua influência junto a Pôncio Pilatos, igualmente hipócrita, acusando o Mestre de haver-se colocado acima do Imperador e por haver blasfemado ao dizer-se Filho do Altíssimo, cujo nome era proibido de ser pronunciado. 

Acolitado por verdadeira corte, aqueles que o serviam eram tidos em alta conta e acreditavam-se igualmente portadores de poderes que tentavam exercer contra os mais infelizes e menos destacados no conceito da sociedade hedionda de então. 

Dentre outros, destacava-se Malco, jovem ambicioso e de origem desconhecida, que anelava por chamar atenção e gozar de privilégios, dedicando-se com fidelidade canina ao amo, que lhe notava a ambição desmedida e a estimulava, a fim de atender ao desmedido egotismo. 

Malco sempre se apresentava nas situações menos felizes e disputava-se honrarias e louros após as pequenas vitórias conseguidas a troco de infâmia e adulação, ou de perseguição soez. 

Era natural que, nas situações embaraçosas que pudessem render estipêndios para a sua vaidade desmedida, se fizesse presente sem convocação, de forma a atrair a atenção do amo, que não podia ocultar a impiedade nem o despeito sobre o poder de Jesus, reconhecido pelo povo e admirado até mesmo por alguns fariseus mais sensatos e doutores da Lei, como Nicodemos e outros. 

A presença de Jesus no cenário palestino produzia inquietação no pomposo chefe religioso que, do seu palácio, acompanhava a urdidura das calúnias que estimulava, e instigava a perseguição insana onde quer que Ele se apresentasse. 

Sucede que os homens de poder terrestre, salvadas as exceções naturais, temem a própria sombra, porque se reconhecem sem a estrutura moral necessária para a vivência da autoridade, da justiça e do dever. 

Caifás era, portanto, um infra-homem alçado à posição de super-homem. Temendo a própria sombra, espalhava o terror, ocultando-se na escuridão dos próprios conflitos. 

A rede bem-entretecida das calúnias apertava o cerco e ameaçava o Mestre. 

A Sua entrada em Jerusalém, dias antes, entre ramos, folhas de palmeiras e sorrisos, com que se homenageavam os vitoriosos de retorno ao lar, chegara aos ouvidos de Caifás, que mais se amedrontou em relação a Jesus. 

O Homem sereno era opositor natural do homem cruel. A grandeza do Justo inquietava a pequenez do culpado. 

Eram duas forças que se opunham. A primeira não colocava resistência e por isso vencia a outra que se armava de violência. 

Estabelecidos os parâmetros para o hediondo crime, a situação se tornou irrespirável na velha cidade atormentada. 

A onda de crueldade vibrava no ar apaixonado dos indivíduos, quando Jesus despediu-se dos companheiros na ceia e buscou o Jardim das Oliveiras, para preparar-se... 

Afinal, Ele viera para dar o testemunho, para aquelas horas que se iriam apresentar devastadoras, assinalando a História com um marco de crueldade incomum. 

A noite serena derramava a claridade das estrelas lucilantes ao longe. 

O Mestre houvera convocado os Seus mais próximos amigos e lhes pedira para que vigiassem enquanto Ele ia orar a Deus. Por mais de uma vez, saíra do seu colóquio com o Pai e viera vê-los, mas, invigilantes, eles dormiam... 

Aconteceu como todas as tragédias, inesperadamente. Portando lanternas, archotes fumegantes, armas e varapaus, uma coorte comandada por Judas, que era Seu amigo, adentrou-se pelo Jardim, do lado oposto à torrente do Cédron e Jesus, que sabia o que lhe ia acontecer, aproximou-se e indagou: 

– A quem buscais? 

E eles responderam: – A Jesus de Nazaré. 

Uma grande expectativa dominou a coorte, quando Ele, sereno, afirmou: 

– Sou eu. 

E porque não aceitaram que Aquele fosse o criminoso que buscavam, não o acreditaram, ficando aturdidos. 

Repetiu-se a interrogação e a resposta não deixava dúvidas. 

Os amigos que dormiam despertaram assustados e acorreram aos gritos, na altercação que se fez natural, e Pedro, que se encontrava com uma espada, movimentou-a e decepou a orelha de Malco, que se encontrava entre os aventureiros requisitados de última hora para a prisão do Mestre.

Com um urro bestial, Malco começou a vociferar, enquanto a hemorragia escorria abundante. 

Sem perturbar-se, Jesus tocou-lhe a ferida aberta em sangue, e cicatrizou-a, advertindo Pedro: 

– Embainha a tua espada, porque, quem com ferro fere, com ferro será ferido... 

Começava ali a tragédia da Cruz, que assinalaria a história dos tempos futuros, como o momento de hediondez humana, que se repetiria, sem dúvida, através de outros nefastos acontecimentos. 

Malco ficou assinalado com a perda da orelha. O Mestre cicatrizou-lhe a ferida, porém, não se preocupou com a devolução e colocação da peça no seu devido lugar. 

Antiga tradição conta que o servo do sumo-sacerdote, estigmatizado pela marca, que assinalava o crime de furto, fugiu da Palestina indo residir em Roma, entre os forasteiros e vagabundos da capital do Império. 

As ambições de fastígio e de poder morreram-lhe no desencanto e ficaram-lhe na amargura das lembranças infelizes. 

Ao mesmo tempo, recordava a dualidade chocante do instante desesperador: o ato do agressor e o gesto de Jesus curando-o, somente lamentando não lhe haver restituído o órgão. 

Os anos se passaram amargos até o reinado de Nero, quando se comprazia em acompanhar os esbirros de Tigelinus, que defendia o ímpio e perverso imperador. 

Numa dessas sortidas às catacumbas, foram aprisionados inúmeros discípulos do Carpinteiro galileu, e, algum tempo depois, em uma noite de horror, seguiu um grupo que conduzia Simão Pedro, de quem se recordava, a uma das colinas próximas para a crucificação. 

Agredindo o velho pescador com palavras chulas e obscenas, imprecando para que ele recorresse a Jesus para que o viesse salvar, chegaram ao acume do monte e, enquanto era preparado o instrumento de punição, porque continuasse vociferando contra Pedro, o discípulo renovado de Jesus, convocado a olhar-lhe o lugar da orelha cortada, foi tomado de horror por si mesmo, e recordando-se do Mestre querido, deixou-se arrastar por imensa compaixão pela vítima, ajoelhando-se-lhe aos pés e rogando-lhe perdão. 

Num átimo, os legionários, vendo a cena, seguraram Malco e lhe disseram: 

– Se esse a quem vamos crucificar – que é importante entre os seguidores do judeu odiado – ajoelha-se aos teus pés, certamente és muito mais importante do que ele. Crucifiquemo-lo, também... 

Fortemente detido e debatendo-se, Malco gritava inocência, que não era ouvida nem aceita, logo sendo montada uma cruz tosca, na qual, ao lado de Pedro, em desespero incomum, blasfemando e estorcegando-se, morreu também... 

Espada e cruz! A espada fere e produz dano, que aguarda correção. A cruz eleva e santifica os sentimentos humanos. Há espadas invisíveis que despedaçam vidas, esfacelam esperanças, ceifam ideais, destroçam edificações do bem.

Há cruzes invisíveis que depuram, convidam à reflexão, transformam-se em asas que alçam o ser às cumeadas do progresso e da felicidade. 

Espadas que esgrimem o ódio e a vingança, que combatem nas guerras e impedem a paz. 

Cruzes que sublimam as criaturas que as abraçam com amor e abnegação. 

Pedro e Malco – espada e cruz!

 



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Mateus 26:51

E eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou da espada e, ferindo o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe uma orelha.

mt 26:51
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Marcos 14:47

E um dos que ali estavam presentes, puxando da espada, feriu o servo do sumo sacerdote, e cortou-lhe uma orelha.

mc 14:47
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Lucas 22:49

E, vendo os que estavam com ele o que ia suceder, disseram-lhe: Senhor, feriremos à espada?

lc 22:49
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João 18:10

Então Simão Pedro, que tinha espada, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco.

jo 18:10
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