Vida além da vida

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Capítulo I

Primeiras notícias

Querida mãezinha Elza e querido papai Lineu.

Agradeço-lhes a presença confortadora e tentarei alinhar algumas notícias minhas. Naquele dia 12 as horas amanheceram com a fisionomia de festa. Notava a mãezinha Elza preocupada com a mesa que nos ofereceria naquela marca dos vinte e sete anos. ()

Não sei se estou enfileirando dados exatos, porque estou em convalescença e recuperação. Quero dizer-lhes porém, que em mim tudo respirava vigor e tranquilidade, sempre escudado na dedicação dos pais queridos.

Dispus-me a sair pela manhã de sol alto, () certamente o papai Lineu viria da fazenda ao nosso encontro. () Pensei que deveria necessitar de algum dinheiro, trocando alguns de meus cheques com amigos nossos.

As horas seguiam na matemática dos ponteiros. Parei o carro na retaguarda de outros vários que aguardavam o sinal, quando senti que um corpo pesado em demasia prensava o meu Alfa, ao mesmo tempo que aquele impacto me atingia a cabeça com violência.

Entontecido, de repente observei que algo de estranho me espancava a vida intracraneana e compreendi que fora vítima da ruptura de vasos importantes, sem que fosse permitido falar.

Aquela estranha convulsão me apagara o raciocínio. Tentei recorrer à oração; entretanto, a coordenação de meus vocábulos, mesmo no pensamento, se fazia impossível.

Como se fora transportado da inconsciência ao sono, vi a mim próprio fora do meu corpo, espantando-me com a dualidade de que o choque me fazia objeto.

Naquela atmosfera de penumbra, embora soubesse que o sol claro estaria brilhando por fora de minha sonolência, avistei um homem de olhar compassivo que me estendeu as mãos, esclarecendo: “— Lineuzinho, venha conosco; seu avô Aristides também está à sua espera!”

Tudo aquilo transcorria numa partícula mínima de tempo, quando ouvi barulho de explosão à retaguarda.

“— Filho, sigamos! — falou o amigo generoso — Não olhe para trás, porque de agora em diante, os seus caminhos se desdobram para a frente!”

Nesse mesmo instante, vi que vovô Aristides finalmente chegava e os dois entrelaçaram as mãos para que eu pudesse dispor de um abrigo para descanso. ()

Procurei ainda exercitar a palavra a fim de avisar que me achava à espera de meu pai Lineu, quando um torpor irresistível me submeteu a um sono agitado, que até hoje não consigo compreender.

Aquele sono era um labirinto de pesadelos, no qual observava estampados quadros vivos de minha própria existência.

Quis relutar contra o repouso, de modo a definir o que me ocorria; entretanto, o sono se fez mais profundo e perdi de todo a noção de mim.

Despertei num ambiente agradável, em que os dois amigos pareciam aguardar-me a conscientização.

Meu avô, embora entendendo as minhas dificuldades da voz, apresentou-me o companheiro da primeira hora: “— Lineuzinho, este é o nosso Aristides Nery, de Igarapava. Ambos temos o mesmo nome”. ()

Fiz um aceno movimentando levemente a cabeça dolorida, na intenção de demonstrar a minha simpatia para com o desconhecido.

Nesse ponto de minhas lembranças, entrou uma senhora que se me deu a conhecer por mãe da vovó Joana e que até hoje me dispensa especial carinho. ()

Demorei um tanto a retomar a minha capacidade vocal e perguntei a meu avô se tudo aquilo que estava acontecendo era a morte. Ele confirmou, trocando a expressão “morte” por “desencarnação”.

Reconhecendo-me transferido à força para a vida diferente que, de certo, me aguardava para novas obrigações, passei a chorar, recordando os pais queridos, a nossa Sandra Maria () e a nossa Luciana, () que não acreditariam naquela mudança compulsória.

Recordei Ituverava, os amigos da fazenda, além dos meus laços mais íntimos e desatei o pranto que me banhou todo o rosto. () Meu avô compadeceu-se de mim e falou-me palavras de consolo e esperança, que me ficariam impressas na memória.

Depois de alguns dias pude rever a família em Campo Grande e começava a pensar em suicídio, quando o vovô Aristides se incumbiu de erradicar de mim tais pensamentos, explicando com bom humor que eu já não conseguiria destruir o meu corpo de novas expressões e, usando o melhor de mim, de que poderia dispor, deliberei aceitar a situação com a possível serenidade.

Com isso, tranquilizei os amigos que me cercavam e pude retornar a Campo Grande, amargurando-me com a tristeza da mamãe Elza, que não conseguia me esquecer.

Foi então que ao ler-lhe os pensamentos, como quem senhoreia textos de páginas e páginas, vim a saber que o Instituto Médico Legal me considerava vítima de queimaduras que a nenhum corpo humano é dado resistir. ()

Com todo o meu respeito ao I.M.L., desejei aclarar a ideia de minha mãe sobre a intensa hemorragia interna que me expulsou do corpo.

Hoje venho confirmar isso, para arredar da cabeça da mãezinha e do pensamento de nossa Sandra Maria, a suposta informação de que eu teria sido vítima de queimaduras cruéis. () Isso não aconteceu. Não me lembrei de queimadura alguma, de vez que não retratara nenhuma.

Se o fogo desmantelou o meu carro, não me alcançou de modo algum. Mãe, peço-lhe coragem e fé em Deus.

As queimaduras mencionadas nas perícias, tanto me tocaram como as chamas atingem a roupa de alguém sem ferir esse alguém.

Peço à mãezinha Elza diga minhas notícias à nossa Sandra e à nossa Luciana, a companheirinha que eu tomaria, em breve, se Deus permitisse, para a condição de minha esposa e tutora espiritual, no casamento que nos reuniria as esperanças. ()

Agora, peço aos queridos pais serenidade e bom ânimo, com a certeza de que continuo em vida diferente mas ligado à nossa existência comum.

Rogo ao papai Lineu conformação e paz em nosso favor, porque há muito que fazer para ele, unido a mim.

Nós ambos trabalharemos, quanto possível, para que o bem se estenda aos outros, porque na verdade sou seu filho mas junto de outros rapazes, filhos de Deus quanto nós, que esperam quem lhes estimule o propósito de trabalhar e estudar. ()

Papai, a nossa vida não terminou e os nossos planos de agir para a execução do bem comum continuam comigo.

Mãezinha Elza, abençoe-me e fique tranquila. As saudades são de nossa plantação recíproca. Lembremo-nos de que a nossa Sandra e nosso amigo Fernandes, com a familhinha iniciante, precisam de nós e tenhamos paz e coragem para a travessia das renovações do momento. ()

Muito carinho à nossa Luciana e muitas lembranças aos nossos de Campo Grande, da Fazenda e de Ituverava.

O meu avô Aristides é de parecer que já transmiti as notícias que se faziam convenientes e que devo terminar.

É o que faço saudosamente, beijando-lhes reconhecidamente as mãos de pais queridos, lutadores fiéis e obreiros do bem, com o imensurável amor e o maior respeito do filho que lhes deve as maiores alegrias e pede a Deus conservá-los sempre e cada vez mais felizes.


2 de novembro de 1985.



Essa mensagem foi publicada originalmente em 1986 pela editora GEEM e é a 9ª lição do livro “ ”.



Lineu de Paula Leão Júnior (14)
Francisco Cândido Xavier


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