À Luz da Oração
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Esperava a continuidade de meus novos estudos em companhia de Alexandre; todavia, com surpresa, o meu amigo Lísias foi portador de um convite que me destinara o caritativo instrutor. Tratava-se de uma reunião de despedidas.
Li a mensagem pequenina e delicada, erguendo os olhos para o mensageiro.
— Despedidas? — Perguntei.
Esclareceu-me Lísias, pressuroso:
— Sim. Alexandre, como acontece a outros orientadores da mesma posição hierárquica, de quando em quando se dirige a Planos mais altos, desempenhando tarefas de sublime expressão que ainda não podemos compreender. Creio deva partir amanhã, em companhia de alguns mentores que lhe são afins, e deseja apresentar despedidas aos colaboradores e aprendizes, na próxima noite.
— E os trabalhos da Crosta? — indaguei não é Alexandre um dos instrutores diretos de um dos grandes grupamentos espiritistas que conhecemos?
O companheiro respondeu com segurança:
— Naturalmente, já foi providenciada a substituição devida, de acordo com o mérito e aproveitamento da instituição a que você se refere.
E sentindo, talvez, a mágoa que me invadira o espírito, Lísias comentou:
— O que lhe posso assegurar é que o venerável orientador não nos esquecerá. Dirigindo-se a Esferas mais altas, a única preocupação dele será o serviço de Jesus, com o enriquecimento de si mesmo para ser-nos mais útil.
— Entretanto, — objetei, — far-nos-á muita falta… Sinto que nos deixará em meio da tarefa, quando tanto necessitamos de seu concurso valioso para o aprendizado…
Lísias percebeu a natureza passional de minha ponderação e redarguiu, firme:
— Nada de egoísmo, André! Sabemos que Alexandre se ausentará em serviço, mas ainda mesmo que a sua excursão fosse muito longa e plenamente consagrada ao repouso recreativo, cabe a nós outros, seus devedores, a participação da alegria de seus elevados merecimentos. É necessário examinar o bem que ainda se pode fazer, vibrando de júbilo e esperança com as realizações porvindouras, para não sermos indolentes e improdutivos; não devemos, porém, esquecer o bem que se fez ou que recebemos, a fim de não sermos ingratos.
Aquela observação teve a virtude de acordar-me a consciência. Coloquei-me no equilíbrio emocional indispensável. Modifiquei a atitude íntima, reagindo contra as primeiras impressões que a notícia me causara.
O bondoso amigo compreendeu, sorriu e acentuou:
— Ao demais, não podemos esquecer as obrigações que nos são próprias. O aprendizado, nos cursos diversos em que se apresenta, chega sempre a um fim, embora a sabedoria seja infinita. Precisamos demonstrar aproveitamento prático das lições recebidas. Que melhor testemunho de assimilação poderemos dar ao instrutor amigo que o de receber-lhe o campo de serviço em que a sua bondade nos iniciou, até que ele volte da provisória excursão?
— É verdade! — Exclamei.
E, reanimado pela palavra esclarecedora do companheiro, conversamos por abençoados minutos, prometendo-me Lísias regressar ao crepúsculo, a fim de seguirmos juntos para a reunião referida.
À noitinha, voltava o prezado companheiro e pusemo-nos a caminho em agradável palestra.
Contemplado de nossa colônia espiritual, o firmamento mostrava-se singularmente belo. Numerosas constelações brilhavam deslumbrantes, e a Lua, muito maior do que ao ser vista da Crosta Planetária, figurava-se mais acolhedora e tranquila. Distantes do bombardeio dos raios solares, que renovam a vida incessantemente, as flores exalavam delicioso perfume, dançando de mansinho aos sopros do vento leve.
— Muitos aprendizes de Alexandre, — comentava Lísias, alacremente, — virão visitá-lo esta noite. Mantenhamo-nos à altura dos demais, conservando atitudes interiores de gratidão e serenidade.
Concordava, com esforço, lembrando-me das sublimes lições recebidas. Alexandre sabia fazer-se amar. Superior sem afetação, humilde sem servilismo, orientador sempre disposto, não somente a ensinar, mas também a aprender, atendia aos elevados encargos que lhe eram atribuídos, sem qualquer desvario do “eu”, profundamente interessado em cumprir os desígnios do Pai e em aceitar nossa cooperação singela, aproveitando-a. Em virtude da sua abençoada compreensão, aquele afastamento do instrutor, embora temporário, doía-me no espírito.
Nessas disposições íntimas, contra as quais reagia prudentemente, alcançamos o belo edifício residencial onde se reuniria a afetuosa assembleia.
Entramos.
Surpreendeu-me o salão magnificamente iluminado. Não havia luxo decorativo no interior; todavia, o lampadário em forma de estrelas, irradiando claridade azul-brilhante, proporcionava ao ambiente uma expressão de misteriosa beleza, de mistura com elevada espiritualidade. Delicados e simbólicos arabescos de flores naturais adornavam as paredes, dando-nos a impressão de alegria e bem-estar.
Apresentado por Lísias a diversos companheiros, certifiquei-me, depressa, do pequeno número de aprendizes que ali se congregariam. Compareceriam apenas os discípulos de Alexandre, com permanência eventual em nossa colônia, sessenta e oito colegas, inclusive quinze mulheres. Todos os presentes referiam-se ao mentor amoroso com palavras encomiásticas. Éramos todos nós grandes devedores ao seu coração.
Verificada a presença de todos os convidados, veio até nós o benévolo instrutor, dividindo o carinho de suas saudações com cada um, sem desperdício de atitudes exteriores. Era o mesmo Alexandre, admirável e simples. Irmanado conosco, deixando-nos inteiramente à vontade, entendeu-se com todos nós, individualmente, a respeito das nossas tarefas, estudos, realizações. Em seguida, com toda a naturalidade, começou a falar-nos, em tom paternal:
— Sabem vocês o objetivo da presente reunião. Quero apresentar-lhes minhas despedidas, em virtude da ausência temporária a que sou compelido por elevadas razões de serviço.
Notei pelo olhar dos circunstantes que a maioria partilhava comigo o mesmo desgosto. Devíamos intensamente àquele espírito sábio e benevolente.
Depois de pequena pausa, continuou:
— Conheço a pureza do amor que vocês me dedicam e estou certo de que não ignoram a extensão da estima que lhes consagro. É natural. Somos amigos na mesma empresa do bem e associados felizes na execução da Divina 5ontade. Companheiros de luta construtiva, pesar-nos-ia, sobremaneira, a separação de agora, não obstante efêmera, se não guardássemos no âmago dalma a luz do esclarecimento.
Nesse ponto, Alexandre fez longo intervalo, descansando seus olhos nos nossos, como a perscrutar-nos o íntimo, e prosseguiu:
— Alguns colaboradores, a quem muito devo, endereçaram-me apelos para que permaneça em nossa colônia de trabalho, gentileza que agradeço, comovido. Não vibra em minhas palavras qualquer prurido de personalidade, mas a estima recíproca e fiel a que nos devotamos. Urge considerar, porém, meus amigos, que este servo humilde não deve absorver o lugar que Jesus deve ocupar em suas vidas. É muito difícil descobrir o amor sem jaça e a ele nos entregarmos sem reservas. E porque essa dificuldade é flagrante em todos os caminhos de nossa evolução, quase sempre incidimos no velho erro da idolatria. É bem verdade que nos encontramos numa assembleia de corações simples e amigos, e que não cabem nesta sala vastas e maciças considerações filosóficas, para restringirmo-nos ao abençoado setor do sentimento. Mas, não posso ver fugir a oportunidade de sérias reflexões em torno do problema dos laços sagrados que nos unem, sem algemar-nos uns aos outros. Nossa estrada de aperfeiçoamento, bem como a senda de progresso da Humanidade terrestre, em geral, têm sido tortuoso caminho no qual pisamos sobre os ídolos quebrados. Sucedem-se nossas reencarnações e as civilizações repetem o curso em longas espirais de recapitulação, porque temos sido invigilantes quanto aos caminhos retos.
Verificando-se nova pausa, em sua afetuosa e significativa exposição, observei que profundo respeito nos identificava a todos, em face da palavra venerável.
— Temos criado muitos deuses à parte, — continuou o instrutor, comovido, — para destruí-los, muita vez, em profundo desespero do coração, quando a realidade nos dilata a visão, ante o horizonte infinito da vida. Na procura do conforto individual, em face de problemas graves de nossa vida, raramente encontramos a solução e, sim, a fuga, da qual nos valemos com todas as forças de que somos capazes, para adiar indefinidamente a ação imprescindível da corrigenda ou do resgate. Virá, porém, o dia da restauração da verdade, o momento de nosso testemunho pessoal.
Ele pousou em nós o olhar muito lúcido, onde víamos o reflexo de serena emotividade, e, depois de longa pausa, retomou as elucidações das despedidas.
— É por isso, meus amigos, — prosseguiu, em tom fraterno, — que o orientador consciencioso de sua tarefa não pode fugir aos imperativos da evolução de seus tutelados. De quando em quando, é necessário deixar o discípulo entregue a si mesmo, ainda que as mais belas notas de carinho nos sugiram o contrário. Junto do instrutor, o aprendiz, quase sempre, apenas observa. À distância, porém, experimenta e age, vivendo o que aprendeu. É indispensável desenvolver os valores ilimitados, inerentes a cada um de nós, guardados como divina herança no potencial de nosso mundo íntimo. A proteção inconsciente, que subtrai o protegido ao clima de realização que lhe é próprio, elimina os germens do progresso, da elevação, do resgate individual. Estabelecer a dependência dessa ordem é criar o cativeiro do espírito, que anula nossa capacidade de improvisação e estimula os vícios do pensamento. Fujamos ao condenável sistema de adoração recíproca, em que a falsa ternura opera a cegueira do sentimento. Respeitemo-nos mutuamente, na qualidade de irmãos congregados para a mesma obra do bem e da verdade, mas combatamos a idolatria; bem-queiramo-nos uns aos outros, como Jesus nos amou; todavia, cooperemos contra a insuflação do exclusivismo destruidor. Somos depositários de grandes lições da vida superior. Pô-las em prática, estendendo mãos amigas aos nossos semelhantes, é o nosso objetivo fundamental. Cada um de vocês tem obrigações em separado, nos setores diferentes da atividade espiritual. Durante alguns meses, estivemos quase sempre juntos, quando a oportunidade permitia. Associados na mesma experiência, criamos laços santificados de amor que nos irmanam uns aos outros. Não podemos, porém, descansar sobre as comodidades do afeto. É preciso enfrentar as asperezas do serviço, conhecer a luta, testemunhar aproveitamento. Nunca me valeria da qualidade de instrutor para impedir o crescimento mental de vocês. A Terra, que nos é mãe comum, reclama filhos esclarecidos que colaborem na divina tarefa de redenção planetária. Há multidões, por toda parte, escravas do bem-estar e da miséria, da alegria e do sofrimento, estranhas ao caráter temporário das condições em que se agitam. Todos vivem, mas raros Espíritos de nosso mundo tomaram posse da vida eterna. O campo de trabalho é vastíssimo. Experimentem nele o que aprenderam, despertando as consciências que dormem ao longo do caminho. O aprendizado fornece-nos conhecimento. A vida oferece-nos a prática. Unamos a sabedoria com o amor, na atividade de cada dia, e descobriremos a divindade que palpita dentro de nós, glorificando a Terra que aguarda nosso concurso eficiente, pelo equilíbrio e compreensão. Não faltam instrutores benevolentes e generosos e, além disso, vocês devem aplicar as lições que receberam, orientando, igualmente, seus semelhantes em luta e os companheiros ainda frágeis. Só as vítimas voluntárias da idolatria convertem a ausência num vácuo. Não, meus amigos, não alimentemos qualquer processo doloroso de saudade sem otimismo e sem esperança. Imenso futuro de realizações sublimes com o Pai espera cada um de nós. Edifiquemo-nos, aceitando as experiências construtivas que nos convocam o esforço à possibilidade maior. Estimo profundamente a consolação individual, mas, acima de nosso conforto, devemos procurar a libertação com o Cristo.
Incontestavelmente, a preleção era vazada em severidade afetuosa, que, no momento, não nos sabia bem ao coração, habituado às expressões de incessante carinho, mas tinha a virtude de acordar-nos para a verdade, chamando-nos a uma atitude de legítimo entendimento. Ainda aí, numa simples reunião de despedidas, Alexandre sabia ser grande e generoso, impondo-nos um equilíbrio que, de outro modo, não saberíamos conservar. Apesar da compreensão, tínhamos os olhos úmidos. A separação dos bons, não obstante temporária, é sempre dolorosa. Na companhia dele, havíamos aprendido sublimes ensinamentos. Forte e sábio, carinhoso e enérgico, exercitara-nos as asas frágeis nos grandes voos de novos conhecimentos. Comparando nossa situação anterior à presente, observávamos evidente melhoria geral. Como não lhe devermos, a ele, abençoado amigo de todas as horas, ilimitados testemunhos de amor?
Creio que a maioria partilhava os meus pensamentos, porque Alexandre, dando a ideia de que nos ouvia as reflexões mais íntimas, acrescentou:
— Devemos ao Cristo-Jesus todas as graças! Ele é o Divino Intermediário entre o Pai e nós outros. Saibamos agradecer ao Mestre as bênçãos, as lições, as tarefas. O espírito de gratidão ao Senhor alegra a vida e valoriza o trabalho dos servos fiéis!…
Em seguida, o instrutor levantou-se e, sorridente, abraçou cada um de nós, dirigindo-nos palavras de incitamento ao Bem e à Verdade, enchendo-nos de coragem e fé.
Equilibrados pela sua palavra esclarecida, os aprendizes não ousaram pronunciar qualquer exclamação, filha da ternura indiscreta. Estávamos todos edificados, em posição serena e digna.
Epaminondas, o discípulo mais respeitável de nosso Círculo, tomou a palavra e agradeceu, sobriamente, estampando nas afirmativas nossos sentimentos mais nobres e endereçando ao instrutor amigo nossos ardentes votos de paz e êxito, na continuidade de seus trabalhos gloriosos.
Vimos que Alexandre recebia nossas vibrações de amor e reconhecimento em meio de profunda emoção. Sua fronte venerável emitia sublimes irradiações de luz.
Terminada a breve saudação do companheiro, pronunciou algumas frases de agradecimento, que não merecíamos, e falou:
— Agora, meus amigos, elevemos ao Cristo nossos pensamentos de júbilo e gratidão, consagrando-lhe as inesquecíveis emoções de nosso adeus.
Manteve-se de pé, cercado de intensa luz safirino-brilhante, e, de olhos erguidos para o alto, estendeu os braços como se conversasse com o Mestre presente, embora invisível, orando com infinita beleza:
Senhor, sejam para o teu coração misericordioso
Todas as nossas alegrias, esperanças e aspirações!
Ensina-nos a executar teus propósitos desconhecidos,
Abre-nos as portas de ouro das oportunidades do serviço
E ajuda-nos a compreender a tua vontade!…
Seja o nosso trabalho a oficina sagrada de bênçãos infinitas,
Converte-nos as dificuldades em estímulos santos,
Transforma os obstáculos da senda em renovadas lições…
Em teu nome,
Semearemos o bem onde surjam espinhos do mal,
Acenderemos tua luz onde a treva demore,
Verteremos o bálsamo do teu amor onde corra o pranto do sofrimento,
Proclamaremos tua bênção onde haja condenações,
Desfraldaremos tua bandeira de paz junto às guerras do ódio!…
Senhor,
Dá que possamos servir-te
Com a fidelidade com que nos amas,
E perdoa nossas fragilidades e vacilações na execução de tua obra.
Fortifica-nos o coração
Para que o passado não nos perturbe e o futuro não nos inquiete,
A fim de que possamos honrar-te a confiança no dia de hoje,
Que nos deste
Para a renovação permanente até à vitória final.
Somos tutelados na Terra,
Confundidos na lembrança
De erros milenários,
Mas queremos, agora,
Com todas as forças dalma,
A nossa libertação em teu amor para sempre!
Arranca-nos do coração as raízes do mal,
Liberta-nos dos desejos inferiores,
Dissipa as sombras que nos obscurecem a visão de teu Plano divino
E ampara-nos para que sejamos servos leais de tua infinita sabedoria!
Dá-nos o equilíbrio de tua lei,
Apaga o incêndio das paixões que, por vezes,
Irrompe, ainda,
No âmago de nossos sentimentos,
Ameaçando-nos a construção da espiritualidade superior.
Conserva-nos em tua inspiração redentora,
No ilimitado amor que nos reservaste
E que, integrados no teu trabalho de aperfeiçoamento incessante,
Possamos atender-te os sublimes desígnios,
Em todos os momentos,
Convertendo-nos em servidores fiéis de tua luz, para sempre!
Assim seja.
A comovedora prece de Alexandre fora a última nota do maravilhoso adeus.
Saímos.
Em torno, as flores exalavam agradabilíssimo perfume, à luz prateada da noite. E, ao longe, no alto dos céus, brilhavam os astros, como fulgurantes corações de luz, em praias distantes do Universo, imanados, como nós, uns aos outros, à procura das alegrias supremas da união com a Divindade.
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