A Vida Conta

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Capítulo XXIII

Mãe e filho


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A cena se passou em residência nobre.


A dama não disfarça a palidez que a cobre,

Enquanto o filho, um jovem excitado,

Fala exaltadamente ao coração materno:

— “Mãe, não aguento mais! E agora vivo armado…

Meu pai deve saber que eu hoje me governo.

À força de conversa, adubada a dinheiro,

Ele está conquistando a moça que eu adoro,

Aquela de quem sou o fiel companheiro,

A mulher que sonhei, o apoio em que me escoro;

“Moça livre,” diz ele — mas aquela

Pela qual posso ver a vida clara e bela.”


A senhora escutava, em profunda tristeza,

Como quem se esquivava à opinião qualquer,

Mas o filho aditou: “A senhora é mulher

Que parece feliz de ser fraca e indefesa…

Surge uma, vem outra, amante sobre amante,

E a senhora parada, inerte, tolerante…

Mas agora a questão é diferente,

Se eu tiver a certeza que não quero,

Meu revólver fará, exatamente,

O meu desejo de apagá-lo a zero…”


A pobre mãe, por fim, comentou com cuidado:

— “Filho, perdoe seu pai, ele vive enganado;

Não me sinta mulher, sem carinho e sem zelo,

Sucede que seu pai se assemelha a um menino,

Que Deus nos colocou no campo do destino…

É preciso ampará-lo e compreendê-lo.

Claro que sofro e muito, ao vê-lo desgarrado,

Sempre longe de nós, a deixar-nos de lado…

Mas Deus não nos despreza. Acharei na oração

O meio de encontrar nossa antiga união.

Não lute com seu pai, seja a questão qual for,

Ninguém consegue a paz, sem guardá-la no amor.”


Mas o jovem gritou: — “Não penso assim,

O caso com meu pai é uma bala no fim.”


As horas deslizaram sobre as horas.

O pai arrebatou ao próprio filho,

Sem maior empecilho

A moça a que o rapaz se dedicara,

Enquanto o coração materno, atento à devoção,

Pedia ao Céu auxílio e proteção.


Alguns meses passados,

Numa noite de folga e de alegria,

Realizava-se um baile à fantasia.

Clube repleto. Muitos convidados.

Perfumes raros. Roupas esvoaçantes.

A orquestra a destacar-se em músicas vibrantes…

Muitas damas, em lindas cabeleiras,

Disfarçavam-se em máscaras pequenas.

Grupos e coquetéis. Conversações amenas.

Homens bem postos. Belas companheiras.

Quase oculto, por trás de uma cortina,

O moço acompanhava o pai que dançava, feliz

Com formosa mulher espartilhada,

Divinamente apresentada

Em traços juvenis.


O genitor entusiasmado

Era todo elegância e cortesia…

E os dois bailam, mantendo espantosa harmonia,

Mostrando, de um ao outro, apego desmarcado.


O rapaz, entre a cólera e o despeito,

Julga ver na mulher notável que dançava

A moça que ele amava…


Obedecendo a impulso subitâneo,

Sente o ciúme a espicaçar-lhe o peito…

O crime é a ideia triste a lhe estourar no crânio…

Toma o revólver sob a mão tremente,

Escondido no bolso de lã fina,

Põe-se, de todo, atrás da pesada cortina,

Senta-se, faz a mira,


E vendo, de mais perto, o par que dança, em música envolvente,

Ele, impulsivo, atira,

Pretendendo arrasar o pai que baila, alegremente.


Mas a dama qual se lhe adivinhasse

O intuito manifesto,

Na rapidez de inesperado gesto,

Coloca-se-lhe à frente.

O projétil lhe atinge o níveo busto.

O tumulto aparece. O cavalheiro

Abandona a mulher e afasta-se, ligeiro.

Tudo é perturbação, ruído e susto.

No entanto, o delinquente apaixonado,

De arma oculta, destaca-se na cena,

Mostra a face de horror que inspira pena

E clama, desvairado:

— “Esta mulher é minha companheira!

Quero um carro, depressa!… Um médico!… O hospital!…

Quero salvá-la!…” E, em seguida se inclina,

Sobre a vítima em sangue, estendida no chão…


A surpresa é geral.

O ambiente é de angústia no salão…


Adentro do hospital, eis que o médico atento,

Junto ao rapaz, começa o atendimento.

Retiradas, porém, a bela cabeleira

E a máscara de seda leve e fina,

Ante o sangue que escorre

Sob a pinça sutil da medicina,

O moço reconhece, a soluçar de espanto,

Na vítima que morre

A própria mãe que ele adorava tanto…


Ele grita: “Meu Deus, por que? por que, mãezinha?

A senhora no mundo é o tesouro que eu tinha…”

Ela, reunindo as forças que a deixavam,

Embora fraca, respondeu-lhe, ainda:

— “Meu filho, a vida é linda

Pelo amor que se tem…

Você, filho querido, é meu sonho e meu bem!…

Não lute com seu pai, seja a questão qual for,

Ninguém consegue a paz, sem guardá-la no amor…”

O médico enxugou a lágrima pendente.

E, enquanto o jovem soluçava à frente,

A senhora, ao deixar o corpo já sem vida,

Como se agradecesse, em paz, a própria cruz,

Estampou sobre a face dolorida

Um sorriso de luz.




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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