A Vida Conta

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Capítulo XXVI

Perdão e paz


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O refúgio de amor da Boa Nova,

Denominado Casa do Caminho;

Albergava um montão de pessoas em prova,

Entremostrando, fartamente,

Doença, inquietação, cansaço, desalinho…


O sol se despedia no poente.

Tudo, em Jerusalém, no entardecer,

Requeria parada de lazer

Depois do dia quente.


Entretanto, na Casa do Senhor,

Intensa, prosseguia,

A tarefa de paz, de compreensão e amor…

Enfermos sem família que os quisesse,

Débeis mentais em desvalia,

Mulheres desoladas,

Crianças de ninguém, colhidas nas calçadas,

Junto dos companheiros de Jesus,

Alinhavam-se em prece,

Rogando aos Céus socorro, amparo e luz…


No transcurso do dia,

Simão Pedro suara e trabalhara tanto,

Que se acolhera, a sós, em singelo recanto,

Tentando se esquivar à estafa que sentia…

Mas, um dos assessores,

Veio apressado pelos corredores,

E disse-lhe, através da voz tremente:

— “Irmão Pedro, chegou à nossa porta

Um velhinho em feridas…

Geme e grita com dores incontidas.

É o rabino Joaz que conheceis,

Antigo fazedor de nossas leis .”

Pedro aprumou-se e respondeu:

Como quem se arrojara a intenso asco:

— “Joaz, filho de Aquim, o terrível carrasco,

Que odeia o mundo galileu?”

Em seguida indagou do jovem emissário:

— “Não conheces a trama do Calvário?

Pois não sabes, nos textos em que estudas,

Que foi ele um dos vários matadores

Que aconselharam Judas

A complicar o Mestre Inesquecível?

E, dando um murro à mesa,

Ajuntou: “É impossível!…

Aqui não entrará semelhante traidor…

Que ele sofra, por lei da Natureza,

Remorso e enfermidade, entre gritos de dor…


Cumpro o que penso e falo,

Eu mesmo irei à porta, a fim de despachá-lo…”


Descia a noite devagar,

A penumbra invadia o grande lar.

Pedro avançava para a entrada,

Mostrando na expressão a alma rude e agitada

Mas, quase rente à porta, um homem sereno

Nele cravou o olhar calmo e profundo…

O apóstolo excitado o reconheceria

Fosse onde fosse, em todo o mundo…

Era Jesus, o Mestre Nazareno…


Empolgado de pranto e de alegria,

Simão interrompeu, atarantado:

“A que vindes, Senhor?

Ordenai o que for de vosso agrado…

O Cristo replicou, carregando de amor

As palavras sublimes que trazia:

— “Compreendo, Simão, a repulsa que sentes

Não pudeste esquecer as horas de agonia

Dos nossos dias diferentes…

Mas escuta, Simão:

É preciso abrandar o coração…

Olvidar toda ofensa é prosseguir em paz.

Pedro, venho pedir-te por Joaz,

Ele já não é mais o duro algoz de outrora,

É um pobre penitente que se escora

Nas chagas que carrega,

Um enfermo infeliz

De alma cansada e cega

Que a si mesmo se acusa e se maldiz…

Recorda a nossa fala de outras vezes,

Se Joaz te feriu a alma fraterna e boa,

Pedro, escuta!… Perdoa

Setenta vezes sete vezes…

Não te detenhas, vai,

Lembra o Infinito Amor de Nosso Pai…

Cada qual pagará pelas culpas que tem

Na justiça que vela sem cessar,

Quanto a nós cabe sempre a tarefa do bem:

Aprender e servir, compreender e amar…

Auxilia-me, enfim,

Faze o bem a Joaz, qual o fazes por mim!…”


Dissolveu-se na sombra a divina figura;

O apóstolo chorou, tocado de amargura…

Depois, ganhou a porta em ritmo apressado.

Um homem seminu jazia esfarrapado,

Estirado na pedra à sua própria frente.

O antigo pescador contemplou o doente

E inquiriu sobre ele ao tristonho rapaz

Que se punha a assisti-lo.


O moço esclareceu:

— “Amigo, este é Joaz

Que pede proteção ao teto deste asilo,

Está mudo, febrento, desprezado…

Recebei-o, por Deus, ao vosso lado

Por tutelado e amigo,

O rabino de outrora hoje é um triste mendigo…”


Transformado, Simão,

Alçou Joaz

Ao nível de seu próprio coração.

Depois falou para o interlocutor:

— “Ide em paz

Deixai Joaz conosco, é nosso irmão,

Ele pertence agora ao nosso amor,

Tal qual se fez e tal qual se apresenta…”


E enquanto o jovem sai como quem não se atrasa

A fim de obedecer aos seus chefes hebreus,

Pedro ainda aditou em voz tranquila e atenta,

— “Ele será mais nosso em nossa casa

Que esta casa é de Deus!…”




Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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