A Vida Conta
Versão para cópiaMãe e filho
A cena se passou em residência nobre. A dama não disfarça a palidez que a cobre, Enquanto o filho, um jovem excitado, Fala exaltadamente ao coração materno: — “Mãe, não aguento mais! E agora vivo armado… Meu pai deve saber que eu hoje me governo. À força de conversa, adubada a dinheiro, Ele está conquistando a moça que eu adoro, Aquela de quem sou o fiel companheiro, A mulher que sonhei, o apoio em que me escoro; “Moça livre,” diz ele — mas aquela Pela qual posso ver a vida clara e bela.” A senhora escutava, em profunda tristeza, Como quem se esquivava à opinião qualquer, Mas o filho aditou: “A senhora é mulher Que parece feliz de ser fraca e indefesa… Surge uma, vem outra, amante sobre amante, E a senhora parada, inerte, tolerante… Mas agora a questão é diferente, Se eu tiver a certeza que não quero, Meu revólver fará, exatamente, O meu desejo de apagá-lo a zero…” A pobre mãe, por fim, comentou com cuidado: — “Filho, perdoe seu pai, ele vive enganado; Não me sinta mulher, sem carinho e sem zelo, Sucede que seu pai se assemelha a um menino, Que Deus nos colocou no campo do destino… É preciso ampará-lo e compreendê-lo. Claro que sofro e muito, ao vê-lo desgarrado, Sempre longe de nós, a deixar-nos de lado… Mas Deus não nos despreza. Acharei na oração O meio de encontrar nossa antiga união. Não lute com seu pai, seja a questão qual for, Ninguém consegue a paz, sem guardá-la no amor.” Mas o jovem gritou: — “Não penso assim, O caso com meu pai é uma bala no fim.” As horas deslizaram sobre as horas. O pai arrebatou ao próprio filho, Sem maior empecilho A moça a que o rapaz se dedicara, Enquanto o coração materno, atento à devoção, Pedia ao Céu auxílio e proteção. Alguns meses passados, Numa noite de folga e de alegria, Realizava-se um baile à fantasia. Clube repleto. Muitos convidados. Perfumes raros. Roupas esvoaçantes. A orquestra a destacar-se em músicas vibrantes… Muitas damas, em lindas cabeleiras, Disfarçavam-se em máscaras pequenas. Grupos e coquetéis. Conversações amenas. Homens bem postos. Belas companheiras. Quase oculto, por trás de uma cortina, O moço acompanhava o pai que dançava, feliz Com formosa mulher espartilhada, Divinamente apresentada Em traços juvenis. O genitor entusiasmado Era todo elegância e cortesia… E os dois bailam, mantendo espantosa harmonia, Mostrando, de um ao outro, apego desmarcado. O rapaz, entre a cólera e o despeito, Julga ver na mulher notável que dançava A moça que ele amava… Obedecendo a impulso subitâneo, Sente o ciúme a espicaçar-lhe o peito… O crime é a ideia triste a lhe estourar no crânio… Toma o revólver sob a mão tremente, Escondido no bolso de lã fina, Põe-se, de todo, atrás da pesada cortina, Senta-se, faz a mira, E vendo, de mais perto, o par que dança, em música envolvente, Ele, impulsivo, atira, Pretendendo arrasar o pai que baila, alegremente. Mas a dama qual se lhe adivinhasse O intuito manifesto, Na rapidez de inesperado gesto, Coloca-se-lhe à frente. O projétil lhe atinge o níveo busto. O tumulto aparece. O cavalheiro Abandona a mulher e afasta-se, ligeiro. Tudo é perturbação, ruído e susto. No entanto, o delinquente apaixonado, De arma oculta, destaca-se na cena, Mostra a face de horror que inspira pena E clama, desvairado: — “Esta mulher é minha companheira! Quero um carro, depressa!… Um médico!… O hospital!… Quero salvá-la!…” E, em seguida se inclina, Sobre a vítima em sangue, estendida no chão… A surpresa é geral. O ambiente é de angústia no salão… Adentro do hospital, eis que o médico atento, Junto ao rapaz, começa o atendimento. Retiradas, porém, a bela cabeleira E a máscara de seda leve e fina, Ante o sangue que escorre Sob a pinça sutil da medicina, O moço reconhece, a soluçar de espanto, Na vítima que morre A própria mãe que ele adorava tanto… Ele grita: “Meu Deus, por que? por que, mãezinha? A senhora no mundo é o tesouro que eu tinha…” Ela, reunindo as forças que a deixavam, Embora fraca, respondeu-lhe, ainda: — “Meu filho, a vida é linda Pelo amor que se tem… Você, filho querido, é meu sonho e meu bem!… Não lute com seu pai, seja a questão qual for, Ninguém consegue a paz, sem guardá-la no amor…” O médico enxugou a lágrima pendente. E, enquanto o jovem soluçava à frente, A senhora, ao deixar o corpo já sem vida, Como se agradecesse, em paz, a própria cruz, Estampou sobre a face dolorida Um sorriso de luz. |
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