Alma e Vida

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Capítulo X

Sonho e vida


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Aquele solo agreste era o lugar remoto

Onde vivia a sós o anônimo devoto.


Jovem ainda, ele presenciara

A cena que jamais olvidaria:

O pai apunhalado em agonia

Ante o vizinho que o aniquilara

Por mínima questão

De terra, muro, água e plantação…

Depois disso, afirmou no vilarejo

Que todo o seu desejo

Era buscar Jesus, sem sombras, sem perigos

E consagrar-se ao Mestre, inteiramente.

Não lhe valeram rogos de carinho

Da família que o viu mudado, de repente,

Declarava querer o seu próprio caminho

E partir com destino ignorado…

Avançou e avançou por regiões distantes,

Até que se instalou num bosque descampado

Que pagou a dinheiro de contado…


A não ser velho servo surdo e mudo

Que lhe servia a mesa

E lhe prestava auxílio em quase tudo,

Ninguém mais o avistara, ninguém mais.

Vivia em prece pelos matagais

E através do silêncio

Na paisagem formada em verdura e beleza,

Dava-se, vez em vez, à Natureza,

Plantando flores, quanto às quais dizia

Serem todas ofertadas ao Senhor,

A quem se devotara pleno de alegria

E profundo fervor.


Nas orações de cada dia, após entretecê-las,

Fitava o céu da noite, esmaltado de estrelas

E falava, em voz alta, implorando a Jesus:

— “Revela-me, Senhor,

Seja onde for e seja com quem for,

A tarefa que eu deva realizar!…

Tudo quanto desejo é te honorificar,

Em mim, tua vontade é um santo compromisso,

Dá-me teu plano, engaja-me em serviço!…”


O Tempo desfolhou vinte nove janeiros.

O devoto, porém, vivendo solitário,

Nunca mais consultou o calendário.

dia a dia, o silêncio, a quietude e a oração

Em que pedia aos Céus qualquer indicação

Do trabalho a fazer;

Que aceitaria, enfim, por sagrado dever…


Certa noite, no entanto, ele se viu em sonho

Encantado e risonho,

Numa ilha de paz, no mar do firmamento;

Espantado, ele viu, piedoso e atento,

Que Jesus vinha vê-lo…

Ergue-se para ouvi-lo em recatado zelo

E eis que o Mestre lhe diz confiante e amigo:

— “Filho, regressa ao lar, terás hoje contigo

O encargo que pediste em oração…

Um companheiro, em vasta provação,

Virá pedir-te amparo e socorro em meu nome;

É um pobre delinquente

Que tem pago no mundo, asperamente,

Os erros dos momentos de loucura.

Já sofreu menosprezo, abandono, assalto, desventura…

Hoje, é mendigo, um réprobo que erra

Nas veredas de lágrimas da Terra,

Sem meios de vencer a luta que o consome;

Dá-lhe de teu amor, na bênção de teu pão,

Ele te rogará consolo ao coração;

Mesmo em havendo empeço, ajuda-o mesmo assim,

Faze isso, meu filho, em memória de mim…”

Reconhecendo em Cristo a presença da Lei,

O devoto, extasiado e reverente,

Respondeu, claramente:

— “Obrigado, Senhor!… Assim farei…”


Nisso, ele volta ao corpo…

Enlevado, desperta.

Manhã clara. Ouve alguém, batendo à porta,

Num choro que o agita e desconforta

Na morada deserta…

Recordando a visão do sonho iluminado,

Ergue-se, estremunhado,

Lembra Jesus com desvelado amor

E pergunta a si mesmo

Quem o procuraria

No amanhecer daquele dia,

Com tanta gritaria e tanta dor…


Atônito, ele sai

E encontra no infeliz, sem rumo e sem caminho,

O antigo desafeto, o impiedoso vizinho

Que lhe amargara a vida e lhe arrasara o pai.


.Maria Dolores



.Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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