Alma e Vida

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Capítulo XIII

Provação de um homem


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Na casa estilo antigo, austera e reservada,

Acontecera assalto revoltante.

Tudo fora ocorrência de um instante.


Caíra a noite espessa em garoa gelada.

Um homem qual se fosse conhecido

Abrira facilmente uma porta de entrada,

Sem qualquer alarido,

E ganhara o interior,

Atirando no dono, um pobre professor,

A quem aparecera mascarado,

Furtando-lhe o dinheiro resguardado,

E joias de valor,

Que se mantinham numa caixa forte…

Em seguida, fugira o malfeitor…


Fizeram-se tumulto e burburinho.

A polícia viera num momento

Num grupo de severos patrulheiros.


O antigo educador, aos oitenta janeiros,

Duramente atingido, estava quase à morte

No quarto em desalinho,

Sob a assistência de uma filha em pranto,

Pediu fosse chamado

O seu filho mais velho, um magistrado,

Pois queria falar-lhe na hora extrema.


A patrulha expediu prestimoso soldado…

Quase que de repente,

Um cavalheiro de alto porte

Adentrou-se na casa em revolta evidente.

Beijou as mãos paternas, comovido,

E após ouvir detalhes do ocorrido,

Clamou, exasperado:

— Hoje, de qualquer jeito,

Saberemos punir o celerado

E guardá-lo, a preceito…


Mas, na perda de sangue que o domina,

Embora a proteção da Medicina,

Sabendo-se a morrer, o pai lhe implora:

— Meu filho, ouve-me bem!…

Já não posso falar bastante agora…

Não persigas ninguém.

Deixa de lado

O infeliz companheiro mascarado…

Que seria de nós se o delinquente

Fosse de nossa gente?!…

Quero partir abençoando os meus…

E preciso perdoar,

Esquecer, entender e auxiliar,

Para estarmos com Deus…


Entretanto, o ferido fez-se mudo.

Calou-se-lhe a voz clara.

A parada cardíaca chegara

E, depois dela, a morte apareceu,

Lançando sombra em tudo.


Ao ver o genitor imóvel sobre o leito,

O filho magistrado

Exclamou revoltado:

— Não, não posso perdoar o terrível sujeito

Que aniquilou meu pai covardemente.

E chamando a patrulha, incontinente,

Determinou, em voz desesperada:

— Precisamos concluir a tremenda caçada,

Contratem populares… Quero isso:

Mais gente habilitada no serviço.

Seja alcançado e preso

O homem que matou meu pai, velho e indefeso…

Preso e depressa!… É o que lhes digo…

Esse monstro é um perigo!…


Partem homens dispersos sob a noite.

Sirenes gritam alto;

Rodam carros rangendo sobre o asfalto,

O vento frio corta qual açoite…

Mais algum tempo decorrido,

E um emissário surge espavorido.

Pede licença ao chefe e lhe fala:

— Prendemos finalmente o malfeitor…

Foi, porém, alvejado

A tiros de um rapaz que nos seguia,

Um popular não identificado;

Mas preciso avisar-lhe que o detento

Está em grande sofrimento,

Sob a pressão de forte hemorragia…

É um rapaz muito moço, um menino a chorar.

Creia o senhor, é um caso singular…

Nosso grande empecilho

É que o jovem declara ser seu filho

E roga-lhe a presença na prisão!…


O magistrado em pleno desconforto,

No velório do pai, agora morto,

Exclama em fúria para o mensageiro:

— Meu filho? Nunca. Desde tenra idade,

Teve em meu cofre o que quis, à vontade,

Meu rapaz foi criado ao calor do dinheiro…

E acrescentou: — Esse ladrão

É um patife de lenda;

Meu filho nestes dias

Está de férias na fazenda,

A dezoito quilômetros daqui…


— Doutor, e o ferimento?

É dos mais graves que já vi,

Esclarece o emissário, calmo e atento,

— Devo buscar o médico ainda agora?


O interpelado irritadiço

Respondeu, prontamente:

— Nada de mimos para o delinquente,

Depois do sol nascer; cogitaremos disso.


A manhã refulgia, clara e bela,

Quando, cercado de assessores,

O magistrado entrou na cela…

Mas ao ver o rapaz que um guarda lhe apresenta,

Ofegando, cansado, em agonia.

Numa poça sangrenta,

Reconhece, assombrado, à luz daquele olhar

Que a morte recolhia,

Agindo devagar.

Então pôs-se a rugir, a tremer e a clamar:

— Deus!… Pai de Bondade e de Infinito Amor,

Que fiz para sofrer tamanha dor?


Em seguida, abraçou-se ao jovem, ternamente,

No modesto colchão que o servia por leito…

A beijar-lhe, ansioso, as ferida do peito.

Nas rudes convulsões que a mágoa lhe consente,

Rebuscava-lhe, em vão, o olhar agora já sem brilho…

O nobre magistrado, em pranto ardente,

Encontrara no morto o próprio filho.


.Maria Dolores



.Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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