Alma e Vida

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Capítulo XIX

Alvorada do Reino


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, filho de Alfeu, em desconforto,

No desapontamento que o invade,

Antes que se rompesse a tempestade

Prestes a desabar sobre Jerusalém,

Foi ver o Cristo morto.


O vento escorraçava a multidão,

Que descia tangida à chibatas de pó;

Vendo o topo do monte quase sem ninguém,

Sob certo disfarce, o aprendiz de Jesus

Subiu, ansioso e só,

E falou para o Mestre, aos pés da cruz:

— Por que morrer assim, Jesus, se as profecias

De nossas tradições e de nossas memórias,

Falam de ti no Reino que previas,

Na condição de rei, cercado de vitórias?

O povo te saudou por Príncipe Perfeito,

Alto libertador da Terra Prometida…


Por que não combateste, ao menos, por respeito

Aos que disseste amar nas agruras da vida?

Perdoa-me, Senhor, a repulsa que tenho,

Nada vejo que a fé nos recomponha…

Ai de nós que ficamos!… Este lenho

Para sempre, será nossa própria vergonha.

O apóstolo pausara, cismarento,

Mas do próprio madeiro,

Varando o ribombar do firmamento,

Veio, em amargo acento,

A voz de um Mensageiro,

Dos muitos que velavam, na hora extrema,

Pela paz do Divino Companheiro:

— Silencia, Tiago!… O reino que esperavas

É o mesmo desta hora em que se escuta

O terrível clamor de sofrimentos e luta

Das vastas multidões de almas escravas…

De que vitórias falas? As da guerra?

Da pilhagem no sangue em que se alaga?

Da púrpura dos reis que refulge e se apaga,

Ante a cinza dos túmulos da Terra?

Jesus não trouxe ao mundo o império da opressão

E sim a luz do Reino Superior

De verdade e de paz, de esperança e de amor,

Alto Reino de Deus que deve se elevar

De nosso coração!…


Emudecera a voz, mas o apóstolo aflito

Voltou a perguntar:

— Então Jesus, o Ungido dos Ungidos,

Não veio proclamar

A terra em que nasci por nação de escolhidos?!…


O Emissário, porém, clamou da cruz, em tom profundo:

— Tiago, não te dês a preconceitos vãos,

Todo povo é de Deus, nos caminhos do mundo,

Todo somos irmãos!… Todos somos irmãos!…


O aguaceiro no céu, a jorros se destampa…

O apóstolo descia, pensativo,

Mas, na última rampa,

Encontra um pobre homem morto-vivo…

É um mendigo estirado, ao pé do morro,

A rogar por socorro…

Está febril, cansado, espancado e ferido.

Tiago enxerga nele um farrapo sangrento

E refletiu, de si para consigo:

— Será este, meu Deus, o divino momento

De compreender Jesus?


Inquieto e surpreendido,

A sentir-se, por dentro, em nova luz,

Toma o desconhecido

E, a carregá-lo nos seus próprios braços,

Registra estranha força a sustentar-lhe os passos…

Lembra a história do Bom Samaritano (Lc 10:29)

E, na grandeza do seu gesto humano,

Leva o infeliz a humilde hospedaria…


Na rua, a tempestade atroava e rugia…


O apóstolo recorda o Cristo entre os doentes,

Desolados, sozinhos, maltrapilhos,

Que tratava por filhos,

Entre afagos e zelos permanentes…


Em seguida, contempla, enternecido,

Aquele companheiro anônimo e vencido;

Limpa-lhe o corpo em chaga e oferece-lhe um leito,

De inesperado amor inflama-se-lhe o peito…

Nessa transformação,

Abraça-se ao pedinte por irmão!…


Lá fora, o temporal estrugia, violento,

Apedrejando a Terra, entre os uivos do vento!…


Tiago se rendera à extrema compaixão…

Tocado de alegria excelsa e rara,

Sentiu, dentro do próprio coração,

Que a construção do Reino começara…


.Maria Dolores



.Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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