Alma e Vida

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Capítulo XXV

Nesga de prova


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Foi num cenário de atualidade,

No recinto de luxo, o público à vontade,

Delirava e aplaudia

A jovem que aliava harmonia e beleza,

Qual se fosse uma flor da natureza,

Enquanto se despia…


A música ambiente

Escorria no espaço, docemente.


A atriz desajeitada

Que era o enfeite daquela madrugada,

No palco debruado a cores fascinantes,

Embora a movimentação cadenciada,

Passo leve de cisne pequenino,

Mantinha os olhos baixos,

Tentando recobrir o corpo alabastrino

Com os cabelos tecendo longos cachos,

Como se desejasse

Esconder no rubor da própria face

A dor com que guardava o seu próprio destino.


O quadro da nudez artística surgia

Apenas por instantes

E, regressando a moça aos bastidores,

Um senhor de alto porte

Destacou-se de um grupo de senhores…

Homem moço a exibir gestos brejeiros

Parecia chegando aos quarenta janeiros…

Ausenta-se da sala e aguarda na saída

A jovem que desponta, ainda mais bela,

Nobremente vestida.

Embora revelando fino trato,

Ele avança, zeloso, e diz à ela

Quanto lhe admirara a beleza e o recato

Na cena colorida

Que ela marcara de ternura e vida.


Ela agradece a saudação

E procura afastar-se;

Ele, porém, sem mais disfarce

Da educação que mostra atravessa o limite,

Faz-lhe estranho convite,

Mas jovem lhe fala, olhos em pranto:

— Não me ofenda, senhor,

Tenho somente dezessete anos…

Espero para breve um casamento

E se aceito esta ingrata profissão

É pelo pagamento

Para a manutenção

De minha pobre mãe tuberculosa…


E acentuou mais triste e mais chorosa:

— Ainda agora fui chamada

Para vê-la, talvez, na despedida…

Um longo tratamento foi inglório…

Minha mãe, meu senhor,

Agoniza, exilada em sanatório.


Ela contrata um táxi, apressada…

O cavalheiro sob enorme assombro,

Liga o seu próprio carro e segue-a na largada.


Entra a menina no hospital

E ouve as opiniões de estimada enfermeira,

Depois, segue ligeira

Para o vasto aposento,

Onde a mãezinha, em rude sofrimento,

Aguarda a hora derradeira…


Entre as duas, o olhar é de angústia e de pranto,

Repleto de aflição, de amor e espanto…

Mas nisso o cavalheiro esbaforido,

À custa do obséquio de um porteiro

Que peitara a dinheiro.

Rápido, alcança o quarto em forçado alarido…

Vendo, porém, a dama quase morta,

Assusta-se, recua e quer voltar à porta,

Mas a doente ganha forças

E vencendo a terrível dispneia,

Assombrada lhe diz:

— Agenor!… Agenor!…

Não fujas, nem desprezes nossa dor!…


A santa mãe de Deus

É que te trouxe aqui,

Não te vás!… Nada temos contra ti!…

Vinte anos passaram de saudade,

O tempo para mim foi uma eternidade…

Esperei-te em serviço,

Sem jamais esquecer o nosso compromisso,

Até que o corpo frágil me traiu,

A saúde caiu

Mas nada me faltou…

Nossa filha, empregada de escritório,

É meu apoio neste sanatório…

Mas agora… Agenor…

A morte já vem perto…

Perdoa-me se levo o teu amor

No meu peito cansado, enfermiço e deserto…

Mas… se posso fazer-te algum apelo,

Ampara a nossa filha,

Protege-a, sob a força de teu zelo…

Jovem, quase menina,

Ela é a nossa heroína

Que nunca me deixou sem remédio e sem pão…

Se é que vieste ver-me,

Vem por Deus a fim de recebê-la,

Como sendo no mundo a nossa estrela

E o nosso coração…


O cavalheiro pálido, suspenso,

Enxuga as próprias lágrimas num lenço.

Talvez pela energia despendida,

A senhora calou-se em paz indefinida…

Aquele corpo triste, enfim, morrera,

Guardando da alma ausente um sorriso de cera.

Ante quatro enfermeiras espantadas

O homem agora em pranto

Humildemente busca a menina que chora,

Toma-lhe a mão da qual não mais se desvencilha,

Abraçam-se depois,

Em soluços os dois…

E olhos postos talvez nas brumas do passado

O cavalheiro transformado

Reconhece que achara a sua própria filha!…


.Maria Dolores



.Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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