Alma e Vida

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Capítulo XXXI

Amor e vida


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Na sala extensa da delegacia,

Estavam de plantão

O chefe e um escrivão

Agindo atentamente.


Diante deles se reconhecia

Um nobre advogado em companhia

De um filho adolescente.


Algo distantes, lado a lado,

Erguia-se um soldado,

Guardando a prisioneira, uma doente,

Triste e pobre mulher, maltratada e abatida

Que, conquanto sentada,

Parecia a visão da dor, ansiosa e conformada,

Entre a ronda da morte e a presença da vida.


— Doutor, — falou o chefe vigilante,

Dirigindo a palavra ao visitante,

— Embora o furto confessado,

Não sei o que fazer da velha, aqui detida,

Todo o processo-crime está formado,

Mas a infeliz não tem qualquer defesa…

Já nomeei um bacharel amigo

Que lhe proteja a causa

De mulher sofredora, em extrema pobreza,

Mas a doença dela é de febre sem pausa,

Segundo o nosso médico em serviço,

É um caso grave de pneumonia…

Que fazer? Conservá-la na prisão?

Aguardar do juiz alguma decisão?

Recolhê-la em asilo hospitalar?

Ou guardá-la em custódia no seu lar?


O causídico explode em tom severo:

— Absolutamente, não a quero;

Trata-se aqui de ladra astuta e estranha

Que desde a meninice me acompanha…

Lavadeira na casa de meus pais,

Confesso que em meus tempos de menino

Ela foi ama generosa e boa,

Ajudou-me e serviu-me em pequenino,

Algum tempo de amparo, cousa à-toa…

Mas foi sempre um trambolho em meu caminho.

Desorientada e analfabeta,

Sempre me pareceu a burrice completa…


Minha mãe, há dez anos, falecida,

Pediu-me, antes da morte, agasalhar-lhe a vida.

Tornei-a lavadeira em minha residência…

Infelizmente agora,

Furtou minha senhora

Em joias no valor de alguns milhões!…

Fale, pois, Excelência.

Como ampará-la com paciência,

Se esta velha se fez agora simples ladra?

Resguardá-la em meu lar? Isso não quadra.


Ouvindo a acusação, a pobre estarrecida,

Caiu, desfalecida…


Enternecido, o próprio delegado

Fitou o advogado,

Como a lhe perguntar de que modo agiria;

Ele apenas, porém, respondeu friamente:

— Que se lhe dê qualquer enfermaria…

Desmaio de gatuno é antigo expediente…

Depois, erguendo mais a voz:

— Pode espantar aos tolos, não a nós…

Nada posso fazer,

Devo esperar meu pai que volta ainda hoje

De uma visita a Portugal.

Coloquem esta ladra no hospital,

A Polícia dispõe de ação segura e pronta,

A despesa será por minha conta.


Pai e filho, no carro, a deslizar lá fora,

Eis que o rapaz revela, enquanto chora:

— Papai, ao ver a Tia Lina desmaiada,

(Lina era o nome da acusada),

Já não devo ocultar o erro que fiz,

Num momento infeliz,

Roubei todas as joias da mãezinha,

Tenho-as todas em minha escrivaninha;

E Tia Lina me viu quando as furtei,

Sabe o erro que fiz

E porque se calou, realmente não sei…


Pálido, o genitor espantado e abatido,

Colhe das mãos do filho o tesouro escondido…

Quer gritar, acusar, mas a hora é de ação;

O pai estava à porta,

Regressando feliz da ditosa excursão.


Depois das manifestações de amor e de alegria,

Ambos se trancam numa sala;

O velho escuta a história e, ao registrá-la,

Tanto mais chora, quanto mais a ouvia…


Em silenciando o filho, o distinto senhor,

Sem poder disfarçar a profunda emoção,

Falou-lhe, coração a coração:

— Filho, de qualquer modo, és sempre, o nosso amor,

Eis chegado, no entanto, o instante justo,

Em que devo contar-te, mesmo a custo,

Algo que foi passado…

Minha esposa, depois de nosso enlace,

Precisava de alguém que lhe compartilhasse

Os cuidados do lar, a limpeza, o serviço…

Nossa querida Lina

Surgiu-nos, certo dia… Era quase menina,

No entanto, estava grávida e solteira.

Nela encontramos nobre companheira,

Dela nasceste em nosso próprio lar,

Minha mulher beijou-te a sorrir e a cantar…

Desde então, tua mãe — tua mãe verdadeira,

Deu-se, de todo, a nós, de espírito cativo,

Esqueceu-se por nós, nunca pode estudar,

Ela era o serviço, o apoio em nosso lar…

Nada nos reclamou, nem mesmo uma só vez,

Declarava-te o filho de nós três,

Nunca foste adotivo…

Criança recém-nata, eras fraco e doente;

Lina te resguardou, constantemente.

Mãe, servidora, irmã e escrava pelo afeto

Agora, certamente,

Aceitou a prisão para salvar o neto…

Sufocado de pranto, acompanhando o pai,

O advogado na delegacia

Apagou toda a queixa

Que já não mais vigoraria…

Perguntou por notícias da acusada,

Soube que Lina fora transportada

Para uma enfermaria de indigentes.


Correm os dois, ansiosos e impacientes,

Querem Lina de volta, por sinal;

Mas sobre o leito humilde do hospital,

Acham-na muda e inerte… Esclarece a enfermeira

Que a doente chegara à hora derradeira…


Põem-se os visitantes a chorar,

Mas Lina lhes dirige um último olhar…

E nesse último olhar que envolve os três

A verdade se fez…


Descem-lhe grossas lágrimas na face,

Qual se a pobre ao vertê-las,

Por elas encontrasse

Um caminho de luz para a luz das estrelas…


O filho a soluçar, sem conforto e sem voz,

Reconheceu, por fim, de alma abatida,

Que a mais simples mulher, em renúncia na vida,

Pode ser nossa mãe, junto de nós…


.Maria Dolores



.Maria Dolores
Francisco Cândido Xavier


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