Alma e Vida
Versão para cópiaProvação de um homem
Na casa estilo antigo, austera e reservada, Acontecera assalto revoltante. Tudo fora ocorrência de um instante. Caíra a noite espessa em garoa gelada. Um homem qual se fosse conhecido Abrira facilmente uma porta de entrada, Sem qualquer alarido, E ganhara o interior, Atirando no dono, um pobre professor, A quem aparecera mascarado, Furtando-lhe o dinheiro resguardado, E joias de valor, Que se mantinham numa caixa forte… Em seguida, fugira o malfeitor… Fizeram-se tumulto e burburinho. A polícia viera num momento Num grupo de severos patrulheiros. O antigo educador, aos oitenta janeiros, Duramente atingido, estava quase à morte No quarto em desalinho, Sob a assistência de uma filha em pranto, Pediu fosse chamado O seu filho mais velho, um magistrado, Pois queria falar-lhe na hora extrema. A patrulha expediu prestimoso soldado… Quase que de repente, Um cavalheiro de alto porte Adentrou-se na casa em revolta evidente. Beijou as mãos paternas, comovido, E após ouvir detalhes do ocorrido, Clamou, exasperado: — Hoje, de qualquer jeito, Saberemos punir o celerado E guardá-lo, a preceito… Mas, na perda de sangue que o domina, Embora a proteção da Medicina, Sabendo-se a morrer, o pai lhe implora: — Meu filho, ouve-me bem!… Já não posso falar bastante agora… Não persigas ninguém. Deixa de lado O infeliz companheiro mascarado… Que seria de nós se o delinquente Fosse de nossa gente?!… Quero partir abençoando os meus… E preciso perdoar, Esquecer, entender e auxiliar, Para estarmos com Deus… Entretanto, o ferido fez-se mudo. Calou-se-lhe a voz clara. A parada cardíaca chegara E, depois dela, a morte apareceu, Lançando sombra em tudo. Ao ver o genitor imóvel sobre o leito, O filho magistrado Exclamou revoltado: — Não, não posso perdoar o terrível sujeito Que aniquilou meu pai covardemente. E chamando a patrulha, incontinente, Determinou, em voz desesperada: — Precisamos concluir a tremenda caçada, Contratem populares… Quero isso: Mais gente habilitada no serviço. Seja alcançado e preso O homem que matou meu pai, velho e indefeso… Preso e depressa!… É o que lhes digo… Esse monstro é um perigo!… Partem homens dispersos sob a noite. Sirenes gritam alto; Rodam carros rangendo sobre o asfalto, O vento frio corta qual açoite… Mais algum tempo decorrido, E um emissário surge espavorido. Pede licença ao chefe e lhe fala: — Prendemos finalmente o malfeitor… Foi, porém, alvejado A tiros de um rapaz que nos seguia, Um popular não identificado; Mas preciso avisar-lhe que o detento Está em grande sofrimento, Sob a pressão de forte hemorragia… É um rapaz muito moço, um menino a chorar. Creia o senhor, é um caso singular… Nosso grande empecilho É que o jovem declara ser seu filho E roga-lhe a presença na prisão!… O magistrado em pleno desconforto, No velório do pai, agora morto, Exclama em fúria para o mensageiro: — Meu filho? Nunca. Desde tenra idade, Teve em meu cofre o que quis, à vontade, Meu rapaz foi criado ao calor do dinheiro… E acrescentou: — Esse ladrão É um patife de lenda; Meu filho nestes dias Está de férias na fazenda, A dezoito quilômetros daqui… — Doutor, e o ferimento? É dos mais graves que já vi, Esclarece o emissário, calmo e atento, — Devo buscar o médico ainda agora? O interpelado irritadiço Respondeu, prontamente: — Nada de mimos para o delinquente, Depois do sol nascer; cogitaremos disso. A manhã refulgia, clara e bela, Quando, cercado de assessores, O magistrado entrou na cela… Mas ao ver o rapaz que um guarda lhe apresenta, Ofegando, cansado, em agonia. Numa poça sangrenta, Reconhece, assombrado, à luz daquele olhar Que a morte recolhia, Agindo devagar. Então pôs-se a rugir, a tremer e a clamar: — Deus!… Pai de Bondade e de Infinito Amor, Que fiz para sofrer tamanha dor? Em seguida, abraçou-se ao jovem, ternamente, No modesto colchão que o servia por leito… A beijar-lhe, ansioso, as ferida do peito. Nas rudes convulsões que a mágoa lhe consente, Rebuscava-lhe, em vão, o olhar agora já sem brilho… O nobre magistrado, em pranto ardente, Encontrara no morto o próprio filho. .Maria Dolores |
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