Alma e Vida
Versão para cópiaNesga de prova
Foi num cenário de atualidade, No recinto de luxo, o público à vontade, Delirava e aplaudia A jovem que aliava harmonia e beleza, Qual se fosse uma flor da natureza, Enquanto se despia… A música ambiente Escorria no espaço, docemente. A atriz desajeitada Que era o enfeite daquela madrugada, No palco debruado a cores fascinantes, Embora a movimentação cadenciada, Passo leve de cisne pequenino, Mantinha os olhos baixos, Tentando recobrir o corpo alabastrino Com os cabelos tecendo longos cachos, Como se desejasse Esconder no rubor da própria face A dor com que guardava o seu próprio destino. O quadro da nudez artística surgia Apenas por instantes E, regressando a moça aos bastidores, Um senhor de alto porte Destacou-se de um grupo de senhores… Homem moço a exibir gestos brejeiros Parecia chegando aos quarenta janeiros… Ausenta-se da sala e aguarda na saída A jovem que desponta, ainda mais bela, Nobremente vestida. Embora revelando fino trato, Ele avança, zeloso, e diz à ela Quanto lhe admirara a beleza e o recato Na cena colorida Que ela marcara de ternura e vida. Ela agradece a saudação E procura afastar-se; Ele, porém, sem mais disfarce Da educação que mostra atravessa o limite, Faz-lhe estranho convite, Mas jovem lhe fala, olhos em pranto: — Não me ofenda, senhor, Tenho somente dezessete anos… Espero para breve um casamento E se aceito esta ingrata profissão É pelo pagamento Para a manutenção De minha pobre mãe tuberculosa… E acentuou mais triste e mais chorosa: — Ainda agora fui chamada Para vê-la, talvez, na despedida… Um longo tratamento foi inglório… Minha mãe, meu senhor, Agoniza, exilada em sanatório. Ela contrata um táxi, apressada… O cavalheiro sob enorme assombro, Liga o seu próprio carro e segue-a na largada. Entra a menina no hospital E ouve as opiniões de estimada enfermeira, Depois, segue ligeira Para o vasto aposento, Onde a mãezinha, em rude sofrimento, Aguarda a hora derradeira… Entre as duas, o olhar é de angústia e de pranto, Repleto de aflição, de amor e espanto… Mas nisso o cavalheiro esbaforido, À custa do obséquio de um porteiro Que peitara a dinheiro. Rápido, alcança o quarto em forçado alarido… Vendo, porém, a dama quase morta, Assusta-se, recua e quer voltar à porta, Mas a doente ganha forças E vencendo a terrível dispneia, Assombrada lhe diz: — Agenor!… Agenor!… Não fujas, nem desprezes nossa dor!… A santa mãe de Deus É que te trouxe aqui, Não te vás!… Nada temos contra ti!… Vinte anos passaram de saudade, O tempo para mim foi uma eternidade… Esperei-te em serviço, Sem jamais esquecer o nosso compromisso, Até que o corpo frágil me traiu, A saúde caiu Mas nada me faltou… Nossa filha, empregada de escritório, É meu apoio neste sanatório… Mas agora… Agenor… A morte já vem perto… Perdoa-me se levo o teu amor No meu peito cansado, enfermiço e deserto… Mas… se posso fazer-te algum apelo, Ampara a nossa filha, Protege-a, sob a força de teu zelo… Jovem, quase menina, Ela é a nossa heroína Que nunca me deixou sem remédio e sem pão… Se é que vieste ver-me, Vem por Deus a fim de recebê-la, Como sendo no mundo a nossa estrela E o nosso coração… O cavalheiro pálido, suspenso, Enxuga as próprias lágrimas num lenço. Talvez pela energia despendida, A senhora calou-se em paz indefinida… Aquele corpo triste, enfim, morrera, Guardando da alma ausente um sorriso de cera. Ante quatro enfermeiras espantadas O homem agora em pranto Humildemente busca a menina que chora, Toma-lhe a mão da qual não mais se desvencilha, Abraçam-se depois, Em soluços os dois… E olhos postos talvez nas brumas do passado O cavalheiro transformado Reconhece que achara a sua própria filha!… .Maria Dolores |
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